CONTO

 

 

Por Valéria Soares

 

 

A sexta-feira é santa! Levanta-se às seis. A casa está em silêncio. Apoia-se na velha bengala, caminha até o outro quarto e bate com o cajado na porta.

– Ta na hora!

Quem abre é o filho. Em seguida, a nora sai do quarto sem dizer palavra. 

Seus noventa anos lhe dão direitos que ela cultiva desde sempre. Não se abala com o mau humor da outra. 

A água para o banho aquecida no fogão a lenha como deve ser! A bacia de cobre é colocada no chão do banheiro e salpicada com pétalas de rosa branca. Experimenta. Reclama. Torna a experimentar. 

O céu de abril é claro, sem nuvens. Nas plantas do quintal, uma fina neblina se dissipa e revela o orvalho dormindo sobre as folhas. Uma manta de crochê cobre a velha cadeira de balanço, violetas várias enfeitam a jardineira da imensa varanda. O piso de vermelhão brilha.

Toma seu banho, veste-se de linho azul, cuidadosamente passado. Reparte os cabelos em duas tranças presas num coque. Aprova a imagem no espelho e sai.

Uma farta mesa de café da manhã está posta: canjica, bolo, café preto, aipim, batata doce, milho cozido. Certifica-se de que tudo está a seu gosto. Troca os pratos de lugar.

O barulho que vem de fora anuncia que eles estão chegando. Apressa-se. Precisa recebê-los sentada em sua cadeira. Um a um.

– Sua bênção. 

A mão estendida espera um beijo e uma reverência.

– Deus te faça feliz!

Eles são muitos, um séquito! Filhos, netos, bisnetos e afilhados. Ela, a Senhora.

Em torno da mesa a oração em voz miúda, porque não é dia de festa.

Olha para a nora. Os pratos não estão no lugar! Recebe de volta o mesmo olhar implacável.

A canjica é servida com amendoim torrado em casa, no fogão a lenha, como a Senhora gosta! Ela mesma fora à cidade escolhê-los para a ocasião. Escolhera também a canjica! Era preciso ciência pra isso. Apesar do cansaço da idade, se não fosse por ela…

Todos discretamente olham para a nora que retribui o olhar com uma altivez inexplicável.

O café termina, vão embora, mas voltam para o almoço de Páscoa, quando seguindo a tradição comerão um peru… do quintal, é claro!

A Senhora balança na sua cadeira de rainha. Absoluta! 

A nora prepara a comida para perus e galinhas: amendoim e canjica de primeira comprada pela sogra. 

A Senhora balança na sua cadeira de rainha. Absoluta! 

A nora termina de enterrar o peru caipira e o substitui por um de supermercado que é mergulhado no incomparável tempero de sua sogra.

As duas na varanda sem dizer palavra… 

Quase absolutas.

Farinhas do mesmo saco!