CRÔNICA
Por Marco Dacosta
“É uma grande invenção, mas de qualquer forma, quem iria usar isso?”
Rutherford B. Hayes, presidente norte-americano, depois da demonstração do telefone de Alexander Bell, em 1876.
A virtualidade nos dá a possibilidade de revisitar o mundo e reconstruí-lo. As máquinas criadas para simular a realidade estão em todos os lugares desde o final do século passado. Minha geração fez uma transição incrível entre o transistor e o microchip. Nasci com a televisão preto e branco e chego a meia idade com imagens de Marte, reuniões virtuais e mundos onde avatares se encontram e se amam.
Minha primeira jornada em comunidades virtuais aconteceu no fim dos anos 80, ainda na juventude, quando engatinhava nos grupos pioneiros na internet. Alguns sites prometiam experiências “fora do corpo” e lembro-me do “Active Worlds”, um programa que mesmo possuindo gráficos de boa qualidade para a época, não conseguiu me conquistar, pela lentidão das máquinas e da conexão ainda pela linha telefônica no Brasil. Logo depois conheci o Habbo hotel e outras comunidades que pretendiam misturar salas de conversação com viagens alucinógenas no ciberespaço. Confesso que durante muitos anos fiquei distante do processo de evolução desses mundos virtuais voltados ao entretenimento e foquei em recurso de participação política, como comunidades de texto e grupos de notícias.
Nos anos 90, fascinado pelas possibilidades da Rede no processo social comecei a escrever um romance virtual e fui visitar um editor muito conhecido, graças a forcinha de um amigo que já havia publicado alguns livros. O editor me disse algo que me lembrou um executivo chamado Ken Olson, presidente e fundador da Digital Equipment Corp, fabricante de computadores mainframe que em 1977 lançou essa pérola: “Não há razão para que alguém queira ter um computador em casa”. O responsável pelas publicações da editora me disse que o formato de “chat” não seria aceito pelos leitores e que ninguém se interessaria em ler um romance situado em universo virtual “essa coisa não tinha futuro”. Nos anos seguintes vi milhões de usuários mergulharem no myspace, second life e orkut, histórias, paixões e romances foram gerados aos montes em vários países. Nos EUA virou um filão no meio editorial.
Depois da investida fracassada no mundo editorial tentei então convencer dirigentes partidários de que a Internet seria o futuro da política. Na esquerda em geral havia uma ideia de que tecnologia era assunto de liberais e muito pró capitalismo. Esse erro levaria ao crescimento da extrema direita em todo mundo uma década depois.
No fim da década de 90 ouvi a sugestão amigos progressistas para procurar os “verdes” já que o uso da internet da política era uma ideia tão louca só mesmo um grupo de ecologistas com fama de bicho grilo e sem possibilidade real de poder poderiam aceitar esse projeto, de uma primeira candidatura virtual.
Muito antes das redes sociais e da banda larga, reunidos em meu pequeno apartamento na rua Bolívar em Copacabana, lançamos o “cybervereador” a primeira experiência em democracia virtual casada com uma complexa odeia de candidatura coletiva medidas por computador. Hoje quando vejo candidatos – inclusive muitos da esquerda que riam de mim e minhas ideias de virtualidades – falando em distribuição de computadores e inclusão digital, eu fico pensando como os políticos levam tempo para perceber o que acontece na sociedade. Há uma total desconexão entre pessoas comuns e partidos e um grave abismo tecnológico entre progressistas que parecem ter parado suas revoluções nos anos 60.
Em 2001 parti para os EUA com muitas ideias de virtualidade na política na esperança de que em uma sociedade mais avançada tecnologicamente essas ideias teriam maior facilidade para serem aceitas. Embora o índice de conectividade fosse grande, existam dezenas de cyber-romances já publicados, a participação política online ainda era muito pequena e também poucos políticos que conversei se sensibilizaram. Somente em 2004, quando o democrata Howard Deen, pré-candidato a presidente conseguiu arrecadar milhões graças ao trabalho feito na Internet é que a coisa começou a andar. Neste mesmo ano Obama disparou por investir pesado nas redes sociais e sites, conquistando jovens e internautas. Em 2016 a extrema direita chegou ao poder explorando e ocupando espaços na virtualidade.
Sem romance e sem mandato virtual voltei minha atenção em 2004 para a recém nascida rede social do google, orkut. Fiz lá grandes amigos, reencontrei outros que estavam perdidos, organizai comunidades e comecei a estudar os fenômenos sociais virtuais como o surgimento de organizações criminosas, o racismo, homofobia e propaganda de ódio. Fiz também muitos inimigos, gente louca que me persegue até hoje me acusando de “cercear” a liberdade de expressão ao mobilizar usuários para banir crimes da rede.
De volta ao convívio virtual na primeira década do século XXI, reencontrei o “active world” do passado, agora em versão turbinada. O Second Life é um universo 3D com total liberdade de locomoção, um mundo virtual habitado por mais de 11 milhões de residentes que interagem, consomem, se divertem e trabalham nas mais diversas atividades. É fascinante e assustador, ao mesmo tempo, uma vez que novamente surge o debate sobre isolamento social, dependência de conectividade etc. Abri lá um escritório, com foto na parede e sala de reuniões, onde espero encontrar amigos e fazer negócios.
Sim, continuaram rindo de mim. Como a experiências anteriores de ideias e visão sobre a Internet já provou que posso estar um pouco adiantado, mas não sou louco. Pesquisadores da Universidade Keio, em Yokohama, no Japão, já desenvolveram um “capacete” que permite controlar avatares no Second Life com o pensamento. Mas isso é pra depois…bem depois.
A pandemia jogou o mundo na virtualidade, apressando processos que poderiam durar mais de uma década. Me aproximo do computador e me vejo na câmera, ajusto o microfone para o podcast e depois mais uma reunião. Sigo pilotando essa máquina revolucionária, descobrindo a cada dia uma nova vida.