A transição para o trabalho remoto apresentou desafios para todos nós, mas, quando esse trabalho envolve a pesquisa de aplicações biológicas para a nanotecnologia, tais desafios tornam-se um pouco mais complicados do que fazer malabarismos com a banda larga de casa. Assim, sendo impedido de trabalhar no laboratório, é razoável esperar que a pesquisa do químico orgânico Vittorio Saggiomo, do grupo de Bionanotecnologia da Wageningen: University & Research, na Holanda, tenha sido paralisada.

Mas Vittorio, que é um tipo criativo e imaginativo, começou a se perguntar se conseguiria transformar eletrodomésticos comuns em uma arma útil na luta contra a COVID-19. De forma mais específica: seria possível criar um teste caseiro barato e altamente sensível para o vírus? Afinal de contas, ficou claro que sim. Sua equipe publicou a ideia em um servidor de pré-impressão, o ChemArxiv. O artigo ainda não foi revisado por outros cientistas.

No momento, existem dois tipos principais de teste para a COVID-19: o PCR e o teste de fluxo lateral (LFT). O PCR padrão verifica a presença do vírus, detectando o material genético conhecido como RNA, que é conhecido como mensageiro. No entanto, há quantidades minúsculas de material viral em uma amostra, então ele tem que ser convertido em DNA e amplificado, antes que possa ser detectado. E isso é obtido pela reação em cadeia da polimerase.

O processo envolve ciclos que se repetem através de uma gama de temperaturas entre 50°C e 90°C. Durante cada ciclo, a quantidade de DNA duplica, portanto, após 30 ciclos, mais de um bilhão de cópias do material viral podem ser criadas a partir de apenas uma fita do material inicial. O material amplificado é então detectado com o auxílio de etiquetas fluorescentes que se fixam nas sequências do DNA viral.

Desta forma, o PCR é uma técnica altamente sensível, mas necessita de materiais e equipamentos especializados para funcionar. É por isso que os testes são enviados para um laboratório e os resultados demoram um ou dois dias para ficarem prontos.

O segundo procedimento é o LFT, que funciona detectando fragmentos de camadas de proteínas. Incorporados nas tiras de cada teste encontram-se anticorpos que se ligam ao vírus. Estes anticorpos são rotulados com minúsculas partículas douradas que parecem vermelhas, o que permite que sejam vistas no equipamento de teste. Os anticorpos rotulados se acumulam em faixas distintas, a depender da presença do vírus.

Os LFTs são rápidos, baratos e fáceis de usar, o que os torna ideais para testagens comunitárias e caseiras. Mas eles não são tão sensíveis quanto o PCR e só identificam casos com altas cargas virais. Isso significa que muitas pessoas infectadas terão um resultado falso negativo.

Testes CoroNaespresso

Precisamos, de preferência, de um teste caseiro que seja tão fácil de ser conduzido quanto os LFTs, mas tão sensível quanto o PCR. Um excelente candidato é a técnica denominada amplificação isotérmica mediada por loop (LAMP, do inglês loop-mediated isothermal amplification). Ela funciona de acordo com princípios muito semelhantes ao PCR, produzindo várias cópias do material genético inicial – que você pode obter a partir de uma amostra –, mas tem algumas vantagens importantes.

Por exemplo, ela pode ser combinada com uma “leitura de cores” bastante útil. Quando a reação da LAMP ocorre, ela provoca um aumento na acidez da amostra. Isso significa que você pode adicionar uma substância que muda de cor, de acordo com o valor do pH na mistura da reação, fornecendo uma indicação visual de um resultado positivo ou negativo. Outra vantagem é que as reações da LAMP são realizadas a uma temperatura fixa (cerca de 65°C), em vez de precisar de ciclos constantes através de uma gama de temperaturas.

No entanto, a LAMP precisa ainda de um controle preciso da temperatura. Os sistemas que controlam essa variável – seja em uma máquina PCR, um instrumento LAMP ou um forno doméstico – são geralmente obtidos com termostatos eletrônicos. O problema é que a fabricação e envio de novos dispositivos eletrônicos especificamente projetados para testes LAMP domésticos é impraticável (especialmente no meio de uma pandemia). Portanto, Vittorio tentou encontrar uma forma de contornar esse impasse. Ele se deparou com substâncias chamadas materiais de mudança de fase, que absorvem energia (calor) à medida que derretem e, assim, mantêm uma temperatura constante. 

Depois de encontrar uma cera feita dessas substâncias e que derreteu exatamente na temperatura exigida, Vittorio começou a construir um dispositivo para abrigar os tubos de reação da LAMP e os pedaços de cera. Essa mistura precisava então ser inserida em algum outro material que pudesse ser aquecido. O invólucro perfeito estava bem na sua frente, enquanto ele preparava o café da manhã: cápsulas de café Nespresso.

O passo final era encontrar a maneira correta de aquecer as cápsulas. Depois de experimentar a máquina de lavar louça (funcionou, mas as amostras continuavam se perdendo), o forno micro-ondas (falhou, porque os tubos superaqueceram e as tampas estouraram) e xícaras cheias de água quente (não houve controle suficiente sobre a temperatura), Vittorio acabou escolhendo uma simples panela de água fervente em um fogão. O dispositivo “CoroNaspresso” resultante, quando testado por outros membros da equipe, com material coletado de seis pessoas, identificou corretamente três casos da COVID-19 (que tinham uma cor diferente dos testes negativos).

Teste caseiro de covid. Tweet por @V_Saggiomo

O teste – incluindo as cápsulas, a cera de mudança de fase e os frascos para inserir o material genético – seria fácil de se produzir aos milhões. As pessoas poderiam então fazer a coleta em casa e aquecer as cápsulas para obter os resultados. Esses dispositivos também são baratos (cerca de R$ 1,30), fáceis de fazer, fáceis de usar e, em sua maioria, recicláveis. Talvez vejamos os testes CoroNaspresso em nossas casas, em breve. Só não os confunda com as cápsulas de café tradicionais.

O artigo original pode ser encontrado no site do nosso parceiro aqui


Traduzido do inglês para o português por Marcella Santiago / Revisado por Felipe Balduino e José Luiz Corrêa