Palavras de Luis Felipe Guerra na sessão de abertura do 8º Simpósio Internacional do Centro Mundial de Estudos Humanistas: “Um novo humanismo para um novo mundo – intercâmbios plurais de um mundo em crise”.
Boa tarde (ou bom dia, consoante o fuso horário)!
Sejam todos e todas muito bem-vindos/as ao 8º Simpósio Internacional do Centro Mundial de Estudos Humanistas.
Esta edição do simpósio tem como título “Um novo humanismo para um mundo novo – Intercâmbios plurais a partir de um mundo em crise”, porque pretende vislumbrar, ou mesmo delinear, o futuro com uma perspetiva humanista pluralista, em conformidade com o mundo múltiplo e inclusivo em que queremos viver: “múltiplo nas etnias, línguas e costumes; múltiplo nas localidades, regiões e autonomias; múltiplo nas ideias e nas aspirações; múltiplo nas crenças, no ateísmo e na religiosidade; múltiplo no trabalho; múltiplo na criatividade”, como se diz no Documento do Movimento Humanista[1].
Na verdade, ao longo da História, o humanismo foi assumindo diversas expressões, tendo sempre em comum, mais do que uma certa filosofia, uma atitude humanista de base, alicerçada em seis pontos centrais, que inspiraram o ambiente social e a atividade humana da sua época: 1) o posicionamento do ser humano como valor e preocupação central; 2) a afirmação da igualdade de todos os seres humanos; 3) a defesa da liberdade de ideias e de crenças; 4) o reconhecimento da diversidade pessoal e cultural e a oposição a todas as formas de discriminação; 5) a tendência para levar o conhecimento para além do estabelecido em cada momento como verdade absoluta; e 6) o repúdio da violência.[2]
É essa atitude humanista e os “momentos humanistas” que a mesma propiciou em cada cultura, ainda que em diferentes momentos históricos, que possibilitam o diálogo construtivo entre os diversos humanismos e é com essa disposição que o Centro Mundial de Estudos Humanistas (CMEH) organiza este simpósio, abrindo canais de intercâmbio entre a corrente de pensamento conhecida como Humanismo Universalista, em que se filia, e todas as forças e indivíduos progressistas que se sentem, de algum modo, humanistas.
Contudo, este simpósio não surge do nada, é a mais recente etapa de um processo iniciado no ano de 2008, com o I Simpósio, intitulado “A Ética no Conhecimento” e realizado no Parque de Estudo e Reflexão Punta de Vacas (Argentina), a que vieram a suceder as seguintes edições:
– Em 2010, ocorreu o II Simpósio, com o título “Fundamentos da Nova Civilização”, que teve lugar nos Parques de Estudo e Reflexão, Punta de Vacas (Argentina), Attigliano (Italia), Manantiales (Chile), La Reja (Argentina) e Aloasí (Ecuador), conectados entre si.
– Em 2012, decorreu o III Simpósio, intitulado “Um Novo Humanismo para uma Nova Civilização”, que teve duas sedes, uma no Parque de Estudo e Reflexão Toledo (Espanha) e outra no Parque de Estudo e Reflexão La Reja (Argentina), cada uma delas na entrada da primavera em cada um dos hemisférios, norte e sul, respetivamente.
– Em 2014, foi a vez do IV Simpósio, com o título “Rumo ao Descobrimento do Humano– Do mundo do estabelecido à liberdade”, organizado no Parque de Estudo e Reflexão Attigliano (Itália) e na Universidade de Santiago (Chile), em dois momentos distintos, nos mesmos termos do anterior.
– Em 2016, realizou-se o V Simpósio, que teve como título “A Revolução Humana Necessária”, no Parque de Estudo e Reflexão Attigliano (Itália) e na cidade de Assunção (Paraguai), também com sessões desfasadas no tempo, à semelhança das anteriores edições.
– Em 2018, passou-se ao VI Simpósio, intitulado “Lavrando Novos Caminhos”, que decorreu no Centro Cultural La Moneda de Lima, na cidade de Lima (Peru).
– Em 2019, teve lugar o VII Simpósio, com o título “O Futuro, um Mito a Construir – O Caminho para a Nação Humana Universal”, que se realizou nas cidades de Roma, Attigliano e Florença (Itália) e no Porto (Portugal), no primeiro dos dois dias de forma síncrona e, no segundo dia, com programas locais.
E assim chegamos até aqui.
Pese embora a experiência do simpósio anterior, este é o primeiro que fazemos de forma totalmente síncrona entre todos os continentes e países, à escala mundial, adaptando-nos às circunstâncias estabelecidas pela pandemia denominada Covid-19 e aproveitando o desenvolvimento das tecnologias de comunicações à distância.
Esta opção faz, contudo, todo o sentido, já que a humanidade está hoje a viver uma situação similar em todas as partes do mundo.
Com efeito, a pandemia acelerou o processo de mundialização que já estava em curso, criando uma situação existencial muito parecida para todos os seres humanos, independentemente da sua localização, pese embora as diferentes condições materiais de cada lugar.
A este propósito, escrevíamos há cerca de um ano atrás que, e passo a citar, “Devido ao confinamento e ao silêncio físico que hoje rodeia grande parte da população, as perceções internas ocupam maior espaço mental e damo-nos conta de anseios e desejos postergados, aparecendo às vezes muita criatividade e, também às vezes, contradição e violência.
Perante a proximidade da morte, emergem como prioridades a vida e a saúde individual, assim como a de outros. Torna-se evidente a importância do conjunto, através do cuidado e da solidariedade, e tudo isto está a fazer retroceder o individualismo.
É na presença da finitude que se derrubam as crenças. Sucedem coisas que nunca julgámos que poderiam suceder e aparece certo vazio que faz com que possamos ver a realidade de outra maneira.
(…)
O futuro, que se tornou imprevisível, convida-nos a elaborar novas respostas, abandonando a perspetiva linear do passado.
As imagens escuras sobre o futuro sucedem-se diariamente, mas aparece a oportunidade de produzir mudanças significativas na própria vida”.[3]
“(…)
No plano social encontramo-nos com uma paisagem nunca antes vista, que hoje é vista por todos.
A máquina infernal que era este sistema, aparentemente invencível, começa a rachar. As engrenagens da economia bloqueiam-se e o sistema de relações sociais e económicas vê-se ameaçado. Abre-se a oportunidade de uma mudança, uma janela para um novo amanhecer”[4].
“(…)
O que sucederá depois de se deter a pandemia?
Certamente, haverá uma pugna entre aqueles que querem conseguir uma mudança de sistema e as elites que tratarão de manter os seus privilégios. Os humanistas estão entre os primeiros. Aspiramos a uma Nação Humana Universal.
O projeto da Nação Humana Universal poderá concretizar-se na medida em que o ser humano se constitua como valor central. Esta é uma mudança que deve produzir-se na consciência de extensas camadas da população, de maneira que as diferenças étnicas, nacionais, ideológicas, confessionais, de classe social, etc., se convertam em fatores secundários face à essencial igualdade que pertencer à espécie humana pressupõe.
Julgamos que os eventos que estão a ocorrer nestes dias favorecem o processo de mudança mencionado, pois, por um lado, paralisam as urgências de todos os dias, possibilitando um estado de reflexão e, por outro lado, põem em evidência que se trata de uma experiência e uma ameaça comum para todos os seres humanos, independentemente das diferenças que possam existir entre uns e outros.
Abre-se a possibilidade de uma mudança com direção humanizadora (…)”.[5]
É nessa possibilidade de mudança que continuamos a apostar, embora um ano depois se comece a entrever melhor as dificuldades desse processo, mas também a sua necessidade premente.
O que precisa o ser humano para poder concretizar essa transformação ansiada por tantas pessoas?
Desde logo, carece de reencontrar o sentido pessoal e coletivo que dá direção e significado ao seu processo histórico: a superação da dor e do sofrimento como condição para a continuação do seu processo evolutivo.
Concomitantemente, necessita de mudar o estilo de vida ainda dominante, marcado pelo individualismo, a competição e o consumismo, para outro que abrace “o respeito pela diversidade, direitos, opiniões e interesses dos outros, pelo repúdio da violência e da exploração, pela intenção de manter relações harmoniosas com a natureza e a sociedade, pelo afã de aprofundar os seus conhecimentos e ampliar e aperfeiçoar as suas aptidões”.[6]
E, finalmente, precisa de conformar um modelo social diverso que traduza e acolha essas aspirações profundas, nos planos político, económico, jurídico e cultural, e que se mostre coerente, solidário, inclusivo e sustentável, sem alienar a riqueza da subjetividade de cada ser humano.
Esse passo evolutivo não se faz sem um “despertar” individual e coletivo, um salto no nível de consciência que permita à humanidade eludir a violência dos desejos mais grosseiros, que têm causado destruição e morte, e guiar-se pelas aspirações mais elevadas.
Todavia, esse salto não é possível sem uma intenção clara e permanente ou uma forte necessidade, não bastando, por isso, a mera mecânica dos acontecimentos para o provocar.
Não ignoramos que a temática do “homem novo” esteve, de algum modo, na génese dos grandes totalitarismos do século XX, corrompendo a proposta nietzschiana do “super-homem”, e afirmamos, por isso, o nosso compromisso com a metodologia da não-violência ativa, aspirando a persuadir e a reconciliar, e a tratar os outros como queremos ser tratados, como é próprio do bom conhecimento.
Face ao exposto, este simpósio é assumidamente transdisciplinar, procurando abarcar toda a complexidade humana, desde a realidade mais interna à externa, desde a esfera pessoal à social, desde os microcosmos ao macrocosmo, desde a materialidade da existência quotidiana à transcendência dos tempos eternos e dos espaços infinitos.
Nesse sentido, as atividades do simpósio dividem-se em treze eixos temáticos: O Humanismo no Momento Atual; Novo Humanismo, Pós-Humanismo e Transhumanismo; Superar a Violência; Redução do armamento e eliminação das armas nucleares; Crise climática: propostas de saída a partir do olhar da ecologia social; Economia para a Liberdade; A questão de género num mundo novo; Saúde; Rumo a uma Educação Humanizadora; Consciência e Mundo; Transcendência e Espiritualidade; Rumo a Novos Estilos de Vida; e Visões Futuras.
Os eixos temáticos atrás enunciados representam propostas para a reflexão e o intercâmbio de ideias e experiências, formuladas com a intenção de obter imagens orientadoras para a Nação Humana Universal, tema central da reunião plenária com a qual encerraremos o Simpósio.
Como poderão ver no programa, as atividades decorrem em três salas virtuais (Zoom 1, Zoom 2, Zoom 3) e muitas delas acontecerão em simultâneo e sequencialmente, possibilitando quer a escolha do tema que desperte mais interesse quer o trânsito por várias sessões, estendendo-se por uma mancha horária que procura abarcar várias longitudes.
No entanto, tal como acontece com esta sessão de abertura, há algumas sessões que ocorrem diariamente numa faixa horária central, que permite conciliar diversos fusos horários, e que podem ser seguidas em exclusividade.
Por todo o exposto, estou certo que há muitos motivos de interesse para acompanhar este simpósio ao longo destes três dias de duração e que serão apresentadas e debatidas muitas ideias inspiradoras para a vida quotidiana e o futuro de todos e de cada um.
Resta-me agradecer o convite tocante que me foi endereçado para fazer esta comunicação de abertura, mas também a participação de todas e todos e desejar que, detrás do retângulo que emoldura o rosto de cada um no ecrã do computador, se registe profundamente o sentimento de fraternidade que nos aproxima e que nutre o projeto da Nação Humana Universal, diversa e convergente, em construção.
Bom trabalho!
Paz, Força e Alegria, para todas e todos!
Nada mais, muito obrigado pela atenção.
Luís Filipe Guerra
Porto, 16/04/2021
[1] Silo. Obras Completas, Vol. I: Cartas aos Meus Amigos. www.silo.net
[2] Cfr. Silo. Obras Completas, Vol. I: Fala Silo. O que entendemos hoje por Humanismo Universalista?
[3] Documento do Centro Mundial de Estudos Humanistas sobre a pandemia COVID-19. Autores vários. www.cmehumanistas.org
[4] Idem.
[5] Ibidem.
[6] Silo. Obras Completas, Vol. II: Dicionário do Novo Humanismo. Estilo de Vida. www.silo.net