CRÔNICA
Por Marco Dacosta
Minha avó costumava dizer que existiam mulheres para cem talheres. Mulherões que de tão grandes e poderosas, marcaram suas presenças apenas entrando em um ambiente. Susi é uma dessas, que faz qualquer homem tremer de medo ou prazer, que provoca inveja e ao mesmo tempo raiva das pequenas e sem salto suficiente.
Fui criado por mulheres baixinhas e de forte personalidade, onde não faltavam elogios e conversas regadas a inveja das altas e de presença inconfundível. Por isso sempre soube identificar esses seres tão marcantes. A lenda das Amazonas é cheia dessas mulheres corajosas, leoas, de olhar de caçadora, mas que na maioria são frágeis, atormentadas por inseguranças. Todos nós homens e mulheres desejamos a normalidade, o padrão, para evitar a diferença. Seres diferentes chamam atenção e provocam as reações mais imprevisíveis. Muitos de nós passamos toda a vida tentando ser menos diferentes, mais adequados, mais padronizados, na busca pela indiferença e privacidade. No fim, descobrimos que ser diferente é nosso maior patrimônio. A diferença molda nossa vida e nossos valores.
Susi me acompanha nessa aventura. Já fizemos algumas: Lisboa, Londres, Charleston e San Francisco já nos viram juntos, em diferentes viagens. Jä nos decepcionamos e surpreendemos em algumas delas, mas com certeza não passamos despercebidos. Uma mulher alta acompanhada de um homem careca são registros certos em qualquer câmera de vigilância. Ainda bem que não fizemos nunca nada ilegal – seríamos facilmente identificados. Ou melhor , quase fomos.
Foi em uma dessas viagens que combinamos de nos encontrar em uma conexão para Nova Iorque. Ela vinha do Brasil e eu da Argentina. A cidade do Panamá era perfeita parada para recuperar energias e relaxar do voo. A ideia era passar uns dias na cidade e então voarmos juntos para o La Guardia. Não imaginávamos que estaríamos entrando em uma aventura, quase um folhetim hollywoodiano.
Combinamos de nos encontrar no Hotel Príncipe, no centro, ao meio dia. Eu estaria usando um chapéu panamá e vestido de caqui – assim me descrevi para facilitar a visualização em meio a tanta gente no lobby. Susi me disse que estaria de vestido azul turquesa. Nem precisava. Como disse, mulheres altas são como nós carecas – não há como não se identificar ao longe.
Esqueci de dizer – Eu e Susi temos o costume de fazer surpresas ao outro – quase uma tradição entre nós. Da última vez, em Lisboa, tentei segui-la sem me identificar enquanto ela fazia compras. Me escondi atrás de pilastras, jarros de plantas etc. Ela já tentou fazer o mesmo mas foi descoberta por conta dos meus traumas de carioca que sempre observo quem está atrás de mim e que mudo de calćada quando percebo algum movimento próximo.
Dessa vez imaginei que seria ela a me surpreender. Cheguei mais cedo com uma roupa totalmente diferente da que descrevi. Me sentei no bar e pedi uma coca cola. Ela passou por mim e não percebeu já que sabe que não bebo e que um bar não seria um lugar que eu ficaria fazendo hora. Ela sabe que sou animal de bibliotecas e salas com sofá confortável, longe de bêbados e conversas sem sentido.
Susi viu um homem do meu porte e com roupa similar. Usava um chapéu panamá e um terno de linho – nossa que elegante meu amigo, pensou ela. A passos largos caminhou em minha direção. O homem apressou o passo e entrou em uma porta ao lado do bar. Ah é pique esconde ? pensou minha amiga, indo sem pestanejar atrás do meu sósia.
O homem de chapéu panamá desceu algumas escadas e entrou em uma porta que estava guardada por dois seguranças. Quem vai parar uma mulher alta e com porte de chefe ? Susi atravessou a porta sem perguntar e se deparou com um cassino – quantas fichas vai precisar ? disse um homem de boné azul.
Ah danadinho – pensou – ele me atraiu para um cassino ! Que surpresa maravilhosa ! Eu estava na borda da piscina, molhando meus pés já irritado com o atraso dela e Susi se esbaldava jogando a sorte na roleta. Deu 54 azul gritou, venceu três jogadas consecutivas. Com as mãos cheias de ficha, mais de 100 dólares de lucro caminhou para o caixa já feliz pela minha trama. Que amigo maravilhoso, me atrai para um cassino! De certo achou que eu iria aparecer para festejar sua vitória.
Eu segui na piscina, já preocupado com a demora. Onde estará Susi ? Percebi um movimento estranho de policiais, luzes e várias viaturas paradas na parte exterior. As luzes brilhavam no meu rosto, indo e voltando. Onde está Susi ?
Naquele momento minha amiga estava com mais de 200 pessoas correndo em várias direções, tentando escapar da polícia. Os cassinos são proibidos na cidade e era hora de uma batida.
Brincadeira sem graça, como ele me coloca nessa? Cadê esse careca ? Susi se escondeu em um quarto com outras pessoas, entre elas uma careca de chapéu panamá. Em segundos seu cérebro com déficit de atenção percebeu que havia se confundido. Eu não havia atraído minha amiga para uma jogatina clandestina. O homem de chapéu panamá não era quem ela pensava.
Susi, com sua autoridade de mulher alta e grande, pediu o chapéu e saiu – subiu correndo a primeira escada que viu e saiu numa área da piscina. Foi aí que a vi correndo como uma louca em minha direção, de chapéu panamá. Susi me agarrou pelo braćo “deu merda” disse no meu ouvido.
Nessas situações não há tempo para debater sobre qual merda aconteceu. Não se discute em estado de “merda”. Agarrei sua mão e escapamos pela saída de serviço, pegamos um taxi nos fundos, passando como um casal indignado com a confusão.
Já numa praia e aliviados nos abraçamos. Fomos salvos novamente de nossas desordens mentais e situações absurdas. Rimos muito do careca que perdeu seu chapéu e de nosso desencontro. Estamos planejando uma viagem à Tailândia mas por lá os equívocos como estes nos deixariam numa situação bem complicada. Susi brinda seu tamanho, minha careca e o chapéu Panamá. Somos diferentes e por isso mesmo, cheios de histórias para contar, das vezes que estranhamos o mundo e de outras que o mundo nos confunde – e nos coloca em perigo. Embora tenhamos uma diferença de idade – Susi é ainda uma menina e com certeza ficará neste mundo por mais tempo, tenho certeza de que viemos para confundir, não para explicar.
Susi me alerta. Na Tailândia vamos juntos. Nada de truques, jogos ou esconde esconde. E vou de chapéu, Panamá.