OLHARES
Por Clementino Jr.
Quando adolescente, assistindo aos debates ecológicos que aconteciam na TV, a poluição das indústrias era já uma das grandes causadoras da queda de qualidade no ar. Esses primeiros debates ocorriam num momento de abertura política onde, aos poucos, temas banidos da “opinião pública” podiam ser pautados em reportagens e programas de auditório de maneira didática e, como diriam os ambientalistas, conservacionista, ou seja, muito verde e uma tímida discussão de sustentabilidade.
Quem é da minha geração, nascida do final dos anos 60 para cá, lembrará, na sua juventude, dos filmes e musicais que traziam esta pauta, com inúmeras imagens de chaminés de fábricas, avenidas lotadas de carros, peixes mortos em rios, lagoas e mares. Imagens clássicas, mas a questão do ar sempre em primeiro lugar. O fog londrino alimentava romances enquanto a névoa na Ásia, Rússia, ou América Latina eram indícios de descaso com o meio ambiente.
Importante parar, respirar e observar, com o passar do tempo, o que é possível aprender fora dos smartphones sobre o que afeta o ar que respiramos diariamente. Desde os tempos do verde como cor da ecologia, a certeza que já se presenciava, mas pouco se chegava a público naquela época, é que a responsabilidade da poluição era do consumo desenfreado e da industrialização como elemento potente desta cadeia onde, parodiando um ditado antigo, não se sabe quem veio primeiro, “o ovo ou a galinha?”. Mas o ciclo do consumo garante a presença intensa do ovo e da galinha. E, por tabela, do bico e do papo também, só para não perder os trocadilhos.
O órgão, ou coisa responsável por renovar o ar, consumindo oxigênio e eliminando gases como o gás carbônico, é denominado pulmão. Os animais têm e o ecossistema, de alguma maneira, também. Durante muito tempo, muito provavelmente como uma ideia de defesa da floresta, a Amazônia foi chamada por “Pulmão do mundo”, numa metáfora ao espaço verde que ocupa e considerando a produção de oxigênio por uma mata tão extensa como pouco ou nem se vê em outros pontos do planeta. No entanto, os oceanos, com suas algas e produção de fotossíntese, produzem muito mais oxigênio. A Amazônia não é o pulmão pois consome boa parte do oxigênio que joga de volta para o planeta. É uma respiração constante e, de uma certa maneira, autônoma de um dos mais amplos espaços de biodiversidade ainda vivos. E quando falamos em vida, pensarmos também para além do verde, nos povos da floresta, que enfrentam riscos maiores do que a poluição, mas com anuência — ou isenção — do poder público.
A pandemia revela que a Amazônia respira por aparelhos, literalmente.
A internação da floresta não começou neste século e nem na ditadura anterior, mas desde o princípio da lógica de consumo desenfreado, que enxerga em riquezas presentes nesta biodiversidade a oportunidade de transformar essa região, maior que muitos países, em um novo eldorado a partir de um extrativismo predatório. A Amazônia respira por aparelhos quando o consumo desenfreado migra para os interesses em não gastar com serviços essenciais, como saúde da população, e se pretende lucrar com os serviços que possam ser denominados emergenciais e sem licitação. E, quando a conveniência do vírus contribui para uma ideologia que vê idosos, povos tradicionais e pobres como motivos do atraso econômico, a manifestação do “respirar por aparelhos” passa para a sociedade local.
O oxigênio vira um negócio tão valioso que nem os maiores poluidores do período da Guerra Fria teriam um plano tão bem arquitetado — será que não? — para uma possível indústria da guerra. Os filmes de ficção especulativa de até 10 anos atrás previam quadros semelhantes ao atual, talvez por serem tão visionários em algo tão difícil de se imaginar, e vêm sendo revisitados para ver se, na ficção, surge alguma ideia para mudar a realidade.
A Amazônia passou metade da idade do Brasil ignorada e foi praticamente anexada ao país durante o império. Não posso afirmar que essa não urgência pela região, em outros momentos da história, é responsável por esta ser uma das poucas áreas no Brasil não inteiramente destruída ou urbanizada, mas ilustra bem o desinteresse permanente por uma população da região que está no foco de interesse de todos os poderes econômicos, internos e externos a ela. Durante muito tempo em que se ensinavam nas escolas estrangeiras sobre o dito pulmão do mundo, a Amazônia era representada não como parte integrante do Brasil, mas como uma espécie de protetorado do mundo. o mundo não tem protegido a Amazônia, nem nas queimadas, nem nos ataques aos povos originários, e nem no contágio do vírus… afinal a vacina para evitar outros contágios se apresentam mais urgentes — mesmo que o governo não se apresse também para tal — do que o oxigênio para salvar quem não tem opção. O oxigênio da Amazônia mal tem conseguido sustentar o seu próprio pulmão, e o joelho do homem de patente, faz com cada “parente”, o que ele deseja para uma população.
Só de pensar mal consigo respirar. Mas consigo pensar em cada um que está lá.
E que quando um deles sair da UTI, não merecer apenas uma placa de “venci o Covid19”, mas uma placa de “venceremos em 2022”.
Este 40º texto do blog é dedicado a cada vítima do Covid-19, no desejo de justiça para que a história não ignore o genocídio em curso.