Em 3 de março, Marianela e Jenifer Mjía Solorzano, defensoras do território garífuna e membros da Ofraneh, foram detidas e mantidas sob custódia policial pelos supostos crimes de usurpação de terra, danos e ameaças. Quatro dias depois, o juiz emitiu acusação formal e outorgou medidas cautelares alternativas à prisão preventiva.

A detenção das duas defensoras responde a uma denúncia apresentada por Rosario Fajardo Ruiz, representante administrativa da Bienes y Raíces Juca SRL, contra 32 membros da comunidade garífuna de Cristales y Río Negro, na Baía de Trujillo, região nordeste de Honduras.

Jenifer Mejía e outros 28 membros da comunidade também contam com um mandado de detenção por outro caso de suposta usurpação e roubo com violência. Além disso, a defensora está sendo acusada pelo crime de ‘deslocamento forçado’ contra membros da Juca SRL.

A empresa acusa-os de ter ‘invadido’ alguns lotes (onde também há um residencial) de um terreno adquirido em 1994 pela cidadã alemã (falecida) Berke Lamberty Carrol Campbell, e depois transferido para a empresa que ela mesma criou.

Esse terreno é parte do território ancestral garífuna e foi ilegalmente alienado pelo governo local de Trujillo no fim dos anos 1970.

Antecedentes do conflito

Entre 1887 e 1901, os presidentes Luis Bográn e Manuel Bonilla outorgaram dois terrenos aos garífunas da região, um de cinco mil e outro de dois mil hectares. Dessa maneira, estava garantido o pleno direito sobre suas terras ancestrais.

Embora a legislação nacional e convênios internacionais ratificados por Honduras[1] proíbam a compra e a venda de terras dentro de uma propriedade comunitária, o prefeito de Trujillo concedeu, em 1978, domínio pleno sobre parte desta terra ancestral ao síndico municipal.

Após vinte dias, o síndico transferiu o domínio para um cidadão estadunidense, e assim sucedeu-se até chegar às mãos de Carrol Campbell e da Bienes y Raíces Juca, que subdividiram as terras em lotes para venda.

“Existem vícios de origem que se arrastam até chegar a este conflito. O governo municipal não podia vender o terreno, muito menos a outro funcionário, e o primeiro comprador não podia cedê-lo a um estrangeiro. Todas estas escrituras são nulas”, disse Edy Tabora, da equipe de defesa das duas jovens, à La Rel.

Com efeito, o terreno recuperado está a uma distância de menos de 300 metros da praia. Tanto a Constituição de 1965 quanto a de 1982 proíbem a aquisição, por parte de estrangeiros, de terrenos em uma faixa de 40 km de extensão na linha costeira.

Além disso, a partir dos anos 1990, o Instituto Nacional Agrário (INA) iniciou a remedição e a individualização do território ancestral garífuna, e em 2005 outorgou novas propriedades às comunidades, entre elas a de Cristales y Río Negro.

“É uma metodologia perversa que vem sendo usada em muitos casos relacionados à espoliação e ao despojo das terras garífunas[2].

Existem dois títulos que outorgam o domínio pleno ao povo garífuna. Do mesmo modo, assim como aponta a Corte IDH em sua sentença sobre a comunidade de Punta Piedra[3], tanto a propriedade coletiva quanto a posse tradicional da terra devem ser respeitadas”, explicou Tabora.

Defesa do território

Em suma, o povo garífuna está recuperando o território ancestral que vem sendo cerceado pela fragilidade institucional, pela corrupção descontrolada e pela insaciabilidade do grande capital nacional e transnacional.

“Nos últimos anos, o Estado tem se dedicado a destruir os direitos coletivos dos povos indígenas e negros. A criminalização de defensores do território ancestral garífuna é uma estratégia de expulsão”, aponta a Ofraneh.

“Marianela e Jenifer não são delinquentes. São companheiras garífunas que estão lutando pelos territórios. Chega de perseguir, criminalizar e judicializar o povo garífuna!”, sentenciou a líder Miriam Miranda.

Prova disso é a decisão do juiz de perseguir penalmente as duas defensoras, embora o novo código penal indique que, quando há conflitos por terras com títulos que envolvem os povos indígenas ou organizações de trabalhadores rurais, o assunto deve ser tratado pela via civil.

“Quando há uma ocupação legítima da terra, o Estado, em vez de investigar os verdadeiros usurpadores, persegue os proprietários legítimos”, concluiu Tabora.

Após a sentença judicial, a equipe de defesa apresentou um recurso de apelação, o qual espera-se que o tribunal solucione nos próximos meses.

Notas

[1] Artigo 100 da Lei de Propriedade e Convênio 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais
[2] http://www.albasud.org/blog/ca/926/bah-a-de-trujillo-un-despojo-territorial-que-no-tiene-fin
[3] https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_304_esp.pdf


 

Traduzido do espanhol por Nathália Cardoso / Revisado por Elizabeth Pereira