OPINIÃO
Por Paolo D’áprile
Caetano Veloso escreve e canta a epopeia de um índio. “Índio” no sentido de indígena, natural da terra, nativo originário, herdeiro daqueles homens e mulheres que atravessaram o Estreito de Bering e povoaram as Américas. “Índio” porque Colombo acreditava fossem habitantes das Índias. Caetano Veloso escreve e canta a profecia de um índio, talvez o último: ele descerá de uma estrela colorida, brilhante, tão rápido quanto uma flecha, leve, lépido como a luz, após o extermínio da última nação indígena, dos últimos povos isolados, após o aniquilamento do espírito das aves, e quando cada fonte de água limpa for apenas uma poça seca, o Índio chegará ao coração do hemisfério sul, na América, e nesse exato momento, no espaço de um instante, tudo será revelado em sua clareza, toda dúvida será dissipada.
A canção foi escrita nos anos setenta, mas os poetas sabem como interpretar o mundo que está por vir. E aquele mundo descrito por Caetano Veloso há tantos anos, realmente chegou. A devastação da imensa Amazônia, a destruição do território nacional, o desaparecimento de animais e árvores para dar lugar a garimpos, o uso massivo de venenos na agricultura latifundiária, a abolição das normas de proteção ambiental, tudo isso se tornou realidade da maneira mais cruel. O Brasil está morrendo lentamente sob os olhos do mundo infame. Um mundo que nunca favoreceu o crescimento econômico sustentável, mas sempre financiou e estimulou nosso declínio industrial, através do apoio explícito de políticas protecionistas, o incentivo à monocultura, a produção de matérias-primas para comprar a baixo custo e depois revendê-las manufaturadas para nós a preços exorbitantes, naquele ciclo de dependência econômica ao qual, há séculos estamos amarrados.
Não sei se o cônsul italiano, o embaixador, os altos funcionários do ministério, os enviados da Comunidade Europeia, sempre presentes em todo o país, informem, com riqueza de dados e análises objetivas, sobre o que está acontecendo no Brasil. Não sei. Em todo caso, há algo muito preocupante no silêncio internacional, o silêncio dos governos e das instituições responsáveis pelas relações entre os países. No momento em que o governo italiano, pela nomeação do ex-presidente do Banco Central Europeu ao cargo de primeiro ministro, torna-se um comitê de gestão empresarial, o Brasil treme. De fato, a ideia de uma intervenção externa para salvar recursos ambientais da política suicida de destruição, vem circulando há algum tempo. Uma intervenção direta das potências ocidentais, já presentes no território, com seus técnicos e assessores, com suas ONGs, com a conivência explícita de muitos magistrados ligados a poderosos Think Tank, por sua vez, braços das agências de espionagem institucional e industrial. A ideia é antiga e muito eficiente: estimular a destruição através do apoio ao governo Bolsonaro, para sucessivamente intervir com a força, tanto econômica quanto militar, e assim, retirar a soberania brasileira sobre o que é considerado patrimônio comum, o pulmão do mundo, a Amazônia. Já foi dito, escrito, divulgado. Macron, já disse, Biden já disse, e eu vou parar aqui, pois a lista é longa.
Hoje, a insuficiência respiratória, a Covid, a pandemia, que já matou 255.000 brasileiros, leva embora Aruká Juma, o último homem da etnia Juma. Ele vinha lutando pela vida desde seu nascimento, 86 anos atrás. Lutava por sua terra, por seu povo, por sua língua, sua história, sua dignidade. Nas últimas semanas, a luta foi por aquele fio de ar que seus pulmões não conseguiam mais segurar sem a ajuda de tubos e respiradores. Aruká Juma, deixa três filhas e catorze netos a quem ensinou tudo o que aprendeu com seu pai e seu avô, quando ainda havia 15.000 pessoas de seu povo. Aruká Juma viu sua terra ser invadida por garimpeiros em busca de ouro e pedras preciosas, viu a floresta ser derrubada e incendiada, viu seu povo massacrado pelo fogo de fuzil do exército, braço armado do latifúndio. Sua luta conseguiu forçar o governo federal a reconhecer a existência de seu povo, cujo território foi incluído no programa de demarcação somente em 2004.
COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e OPI (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato) escrevem um comunicado duríssimo: “O último homem sobrevivente do povo Juma está morto. Novamente, o governo brasileiro se mostrou criminosamente omisso e incompetente. O governo assassinou Aruká. Assim como assassinou seus antepassados, é uma perda devastadora e irreparável”. Acusam o governo de assassinato.
34.592 índios pertencentes a dezenas de etnias diferentes, foram infectados, 783 morreram, não por causa da Covid, mas pela falta de um plano nacional de proteção às pessoas mais vulneráveis: uma ação deliberada do governo assassino de Bolsonaro.
Mas um Índio virá, escreve e canta Caetano Veloso. Chegará preservado na plenitude da força de corpo físico e se revelará aos povos do mundo, calmo, destemido e infalível, descerá de uma estrela e descansará no coração do hemisfério sul: Aruká Juma.