Por Mídia Ninja
Foi notícia por todo o mundo o golpe militar que aconteceu na segunda-feira, 1 de fevereiro, em Mianmar. O país, antigamente conhecido como Birmânia, vivia uma breve década de retorno à democracia, e foi notícia também pela perseguição ao povo muçulmano rohingya, que sofre limpeza étnica no país do sudeste asiático. Cerca de 740 mil rohingyas fugiram do país e se refugiaram no país vizinho, Bangladesh, desde 2017 quando as forças militares de Mianmar passaram a perseguir este povo, que representa 5% da população do país.
Mianmar sofreu por quase 50 anos com governos militares opressores até 2011, quando iniciou uma transição democrática que ainda não estava completa até que os militares retomaram o poder total do país no começo de fevereiro deste ano. A Liga Nacional Democrática (NDL), que liderava o país após ser eleita em 2015, foi reeleita no último pleito no ano passado, e deveria começar seu segundo mandato quando aconteceu o golpe.
O golpe será televisionado
Aung San Suu Kyi, 1ª Conselheira de Estado de Mianmar e considerada a liderança real do país foi presa, e é conhecida internacionalmente por seu ativismo político. Suu Kyi ganhou a eleição geral do país em 1990, e seu partido conquistou 81% dos assentos no parlamento na época, quando foi detida e mantida em prisão domiciliar até novembro de 2010. O cargo que ocupava desde 2016 foi criado porque ela não pode concorrer à presidência do país, proibida pela Constituição por ser casada com um estrangeiro e ter filhos estrangeiros.
Os militares tentaram afirmar na Suprema Corte que os resultados eleitorais foram fraudados, sem sucesso, e em 1 de fevereiro, quando o novo Parlamento deveria endossar os resultados da eleição e aprovar o próximo governo de Mianmar, entraram em ação, cercando as casas do Parlamento com soldados, e detendo Suu Kyi e o presidente Win Myint, assim como ministros, ativistas, escritores e políticos de oposição. O golpe foi anunciado oficialmente no canal de TV dos militares, TV Myawaddy, citando a Constituição, que permite que o Exército declare emergência nacional, que ficará em vigor por um ano, de acordo com o anúncio feito. O aeroporto foi fechado até maio, a maior parte das emissoras de televisão suspensas, assim como acessos à telefonia e internet. Este é mais um momento crítico para Mianmar.
Os grupos minoritários do país, como os rohingya, e também os kokang e os shan, sofreram campanhas de perseguição e extermínio organizadas pelos militares de Mianmar que buscavam demonstrar seu poder.
Suu Kyi, filha de um militar herói da independência de Mianmar (que era uma colônia britânica até 1948) defendeu Mianmar de acusações de violência étnica no Tribunal Internacional de Justiça em 2019, e muitas pessoas apoiadoras da ativista afirmavam que sua cooperação com os militares acontecia de forma pragmática, para acelerar a transição democrática, porém, em 2013, afirmou que “o poder muçulmano global é muito grande”, temido pelo povo birmanês e visto na minoria rohingya, e seu apoio a limpeza étnica não impediu sua prisão no primeiro dia de fevereiro. A liderança, com um forte posicionamento neoliberal, é vista pela população como um baluarte contra o retorno do poder militar no país, e sua prisão pode não ser positiva para os militares.
A humilhação de terem perdido massivamente a eleição, com o NDL obtendo 83% dos assentos no Parlamento, receio da influência internacional do Ocidente no país, somado à pandemia de Coronavírus são apontados como os motivos deste golpe militar. EUA, União Europeia e diversas nações condenaram o golpe. No Brasil o Itamaraty afirmou em nota publicada na terça-feira, 2, que acompanha “atentamente os desdobramentos da decretação do estado de emergência em Myanmar” e diz que o Brasil tem a expectativa de “um rápido retorno do país à normalidade democrática e de preservação do estado de direito”. Em momento algum classificou como golpe a tomada de poder dos militares no país.
O poder foi entregue ao chefe do Exército, general Min Aung Hlaing, que está idoso e deveria se aposentar, o que o deixa frágil internacionalmente para ser julgado por seus crimes contra a humanidade. Este também pode ser apontado como um dos motivos do golpe, já que a constituição de Mianmar assegura grande poder aos militares, que têm total autonomia de comando. “Este caminho era inevitável para o país e, por isso, tivemos que escolhê-lo”, afirmou Hlaing de acordo com a página oficial do Exército no Facebook, sobre a suposta fraude eleitoral, e militares garantem que uma nova eleição será realizada para uma transição pacífica em “eleições justas e livres”.
Ruas mobilizadas pela democracia
Uma semana após o golpe militar, os protestos cresceram, levando milhares às ruas, incluindo em cidades onde as maiores populações são de grupos minoritários, críticos ao governo de Suu Kyi, mas opostos a um governo militar. Monges budistas também participam dos protestos, e são conhecidos por sua mobilização pelas causas populares em um país onde o budismo é a religião majoritária. As manifestações foram reprimidas com canhões d’água e balas de borracha, e o Exército ameaça usar munição letal contra manifestantes, caso sigam com as ações de desobediência civil, lembrando o histórico de repressão em Mianmar que, durante protestos organizados por opositores em 1988, mais de 3 mil pessoas desarmadas morreram.
Jovens estão se levantando no país todo com atitudes de desobediência civil, “panelaços” são ouvidos diariamente no país, além de cantos realizados pela população insatisfeita, e parte dos trabalhadores de saúde paralisou seu trabalho, em protesto contra o golpe militar. Professores e funcionários públicos anteriores ao golpe também aderiram às manifestações, que tem como símbolo 3 dedos erguidos, como na série de filmes Jogos Vorazes. Será muito difícil para os militares terem apoio da população, que sentiu o sabor da liberdade de expressão durante esse breve período com NDL no poder.