Caros amigos, quero continuar o discurso interrompido. Mais duas palavras, algumas linhas, cinco minutos de paciência.

Aquilo a que estamos assistindo passivamente nessas longas e terríveis semanas, que muitos de nós transcorrem fechados em casa na tentativa heróica de lutar contra a pandemia, é a maior contra insurgência da história.

 A famosa revolta da vacina, durou pouco, deixou seu rastro de mortos (como sempre fruto da mais alta capacidade do exército: produzir montanhas de cadáveres matando sua própria gente) para, no fim, acabar varrida da memória popular. Foi uma revolta em que a vacinação obrigatória serviu como estopim de uma situação explosiva que via as populações dos morros do Rio de Janeiro sendo removidas à força para que esses morros fossem literalmente desmontados.

No lugar deles surgiria o Rio de Janeiro do incipiente século XX. Hoje a situação é bem diferente. As multidões na praia, nos bares, nas ruas de comércio, as multidões nas festas, ou no inocente churrasco de domingo com a família, estão realizando a maior ação de desobediência civil que o mundo contemporâneo já viu. Entretanto, não é uma reivindicação não violenta de um direito, mas é um ato que vai contra a necessidade mais imediata: a saúde, a preservação da vida.

É um ato intrinsecamente violento que pressupõe a vontade ativa de quem o prática. Sabidamente orquestrada pela extrema direita nacional (comerciantes sem escrúpulos, classe empresarial, políticos de todos os níveis, pastores evangélicos) a atitude consciente, a decisão de desconsiderar as normas de distanciamento social, não é fruto de ignorância, de falta de informação ou de falta de opção.

É uma escolha deliberada de afirmação violenta da individualidade em detrimento do interesse coletivo. É o grito de “viva la muerte” do nosso bolsonarismo cotidiano. Viva la muerte, o slogan do exército fascista de Francisco Franco é agora oferecido através do sorriso cordial das tias do zap, do cunhado do churrasco, do colega amigão: gente essa, que agora sabemos pronta e disposta a nos matar.

Não é mais uma questão de divergência de opinião, agora a luta é pela vida, pela nossa vida. Estamos sendo atacados de frente por um exército de milhões de tias, cunhados e amigões dispostos a arriscarem suas vidas por não renunciar à satisfação de suas necessidades triviais, seu domingo de lazer, sua festinha de família. Nossa derrota não é somente em relação à proposta ideológica, nossa derrota é a nossa aniquilação física.

Como reverter esse quadro, como se defender? Sem dúvida a hora do diálogo, da tentativa de convencimento, acabou. As coisas devem ser chamadas por aquilo que elas são realmente. Repito, a luta é pela vida.
E  voltando ao assunto da identidade perdida das esquerdas…  a afirmação de pautas inócuas, englobadas e domesticadas pelo mercado (é só lembrar das manifestações “espontâneas” de 2013),… não, chega, não quero repetir a ladainha da carta n.2.


E vou ficar por aqui. Obrigado.