Conheço as favelas do Brasil, conheço de perto as ocupações dos Sem Teto em São Paulo, vi pessoas fazendo fila para uma refeição no centro da cidade, os barracos de papelão, a cracolândia.
Agora, aqui na Europa está nascendo uma realidade parecida na forma, mas muito diferente na substância, que tem no frio do inverno um elemento determinante.
Há anos, milhões de pessoas vêm pressionando para entrar no velho continente; não aguentam mais viver nos países onde nasceram: na África, no Oriente, no Paquistão no Afeganistão. Alguns chegam de barco, outros a pé.
O mar Mediterrâneo se tornou um enorme cemitério, embarcações transbordantes de infelizes partem o ano inteiro, pagando preços altos para tentar chegar a essa parte do mundo onde reside o sonho de uma vida melhor.
Mas pelo aumento dos controles e da insegurança da viagem, abriu-se uma rota por terra. A Turquia atua como um enorme gendarme, contendo alguns milhões de imigrantes potenciais, retendo-os, em troca de bilhões de euros da União Europeia. Ela faz o trabalho sujo para nós europeus da “primeira divisão”. Mas alguns conseguem passar as fronteiras e caminhar em direção à Europa.
A Hungria ergueu um muro, de modo que foi se formando um estreito corredor ao longo dos países da antiga Iugoslávia, áreas frias e montanhosas, o chamado Caminho dos Bálcãs. A Bósnia e a Croácia fazem o trabalho que os europeus “decentes” não querem fazer: campos de refugiados onde as pessoas passam fome e frio, favelas na Europa de segunda classe.
Uma vergonha gigantesca. Espancamentos após espancamentos, trazidos de volta por centenas de quilômetros, os prófugos caminhantes tentam novamente, retornam, andam, chegam de novo face ao arame farpado dos campos, sabendo de enfrentar mais sofrimento, mais pancadas, mais frio, na esperança de um dia poderem passar.
Que gerações estão se formando? Pessoas, crianças, que viram e sofreram violência, que não esquecerão.
Celebramos o Dia da Memória: há 76 anos foram libertados os últimos prisioneiros sobreviventes dos campos de extermínio nazistas, mas estamos recriando algo que os lembra muito bem.