Por Sérgio Mesquita*

“Será que eu falei o que ninguém ouvia?
Será que eu escutei o que ninguém dizia?”

O texto abaixo é uma atualização de outro texto, de mesmo título, publicado em fevereiro de 2019, há exatos dois anos. Onde, desavergonhadamente, me apodero do título e versos de uma canção do compositor Nando Reis.

Como no texto original, no período de 2002 a 2016, quando o Partido dos Trabalhadores ganhou por quatro vezes consecutivas as eleições presidenciais (2002, 2006, 2010, 2014), em nenhum momento tivemos um governo comunista, sequer um governo socialista, definindo as políticas e ações a partir de Brasília. Tivemos sim, um governo capitalista, que se afastava da corrente neoliberal e aproximava-se do “Estado de bem estar”, também conhecido por welfare state. Melhorou e muito a vida dos empobrecidos, do “andar de baixo”. Iniciou um processo forte de distribuição de renda e investimento na Educação, Saúde, Ciência e Tecnologia e outras áreas. Mas esqueceu-se do principal  – ganhou os corações, mas descuidou-se das mentes.

Acreditou piamente que, a partir de acordos com a classe dominante, conseguiria avançar com o projeto de resgate da população mais necessitada (cria do sistema capitalista) e distribuir mais renda. O Brasil passou por período de crescimento econômico, aliado ao aumento da qualidade de vida dos empobrecidos e, tão importante quanto, por um período de respeito internacional, em especial pelo trabalho de mediação em várias crises mundiais,  quase todas envolvendo os EUA.

Mas bastou uma única crise para que tudo desmoronasse. A crise de 2008, provocada pela “zona” que é o mundo financeiro, em especial o de Wall Street, neoliberal, tirou do armário os demônios até então acomodados aos ganhos sem esforços. Bastou os primeiros reveses, os primeiros esforços para manterem seus níveis exorbitantes de acumulação do capital, para sacarem de seus tridentes e exigirem as manutenções de seus ganhos.

No Brasil, em especial, alguns demônios já haviam surgidos em 2005, com apenas três anos de governo, com a descoberta do pré-sal, seu volume de óleo e sua qualidade. Quando o Governo anuncia que teria o predomínio na exploração da Bacia de Santos, as grandes corporações e seus aliados, começam a pressionar, a criar contextos que pudessem levar ao fim do governo do PT e a prisão do Lula. O Golpe não foi dado com o “impeachment” da Dilma em 2016. O “impeachment” foi uma fase avançada do jogo.

O Golpe começou em 2005 e foi dado em 2012 com o famoso julgamento do “Mensalão”, ou mentirão como hoje é conhecido. Foi dado quando o Supremo Tribunal Federal inaugura a condenação sem provas, como explicita a juíza Rosa Weber ao escrever em seu voto que não havia provas dos crimes, mas condenaria o Réu. Ali, o Governo percebeu que lhe faltava o povo nas ruas. Ali, foi percebido que o Governo se afastou das massas, das organizações civis, sindicatos e etc. Entendeu, mas não aprendeu, que não se deve confiar cegamente nas classes dominantes, nas corporações.

As corporações por sua vez, entenderam que precisavam da manipulação do povo, do povo nas ruas, para criar o clima de destruição do PT e do Governo Dilma e, principalmente, da prisão do Lula. Investiu na nossa “primavera”, que como as demais, teve o apoio maciço dos EUA e a mídia “nacional”, subserviente aos interesses de fora. A Justiça já estava destruída com o processo, tão criminoso quanto o da recente Operação Lava Jato, só faltava trabalhar o povo nas ruas manipulado pelas redes sociais, através daqueles que podiam pagar os algoritmos de manipulação e as fake News.

Dilma cai em 2016 e o foco passa a ser Lula. E o que a esquerda faz, em especial o PT, continua achando que poderia se manter nos espaços, então conquistados, com ou sem Lula, através de jantares e acordos com o andar de cima. Mas os demônios já estavam soltos, o brasileiro cordial havia ido para a merda. Lula sofre um processo, que nem Kafka imaginou em seu livro “O Processo”.

De novo, Rosa Weber em julgamento de liminar (habeas corpus) – Lula havia sido preso antes do processo ter terminado a tramitação, o que não é permitido pela Constituição – coloca em seu voto algo como: voto pela manutenção da prisão neste momento, mas quando em julgamento do mérito, votarei a favor. Que porra é essa? É contra a prisão em segunda instância, mas no caso do Lula é favor? O fato é que preso, Lula não pode concorrer às eleições de 2018, onde era franco favorito.

Bem, chegam as eleições e a esquerda continua sem se entender. De um lado, partidos ditos extrema esquerda, apoiaram impeachment de Dilma e a prisão do Lula, sem crimes ou mesmo provas de algum crime. Bolsonaro se elege. De novo a Justiça tem uma atuação que nos leva a duvidar de sua imparcialidade, como depois ficou evidente no processo da Lava Jato. Denúncias com nomes e valores de crime de abuso financeiro, de financiamento das fake news, a falsa facada, o apoio das milícias criminosas e outras, nada anda no STF e no Superior Tribunal Eleitoral.

Caso houvesse julgamento no STJ, as probabilidades da não posse do Bolsonaro seriam certas (nas Condições Normais de Temperatura e Pressão), pois tudo estava documentado. Porém se aproxima, no calendário dos políticos, as eleições de 2022. As municipais de 2020, foram sem surpresas e o “bolsonarismo” vai bem obrigado, mesmo com toda a crise por que passa o País.

A direita continua sem candidato, o que no frigir dos ovos, pode levá-los a apoiar Bolsonaro. A esquerda continua dividida, sem um projeto nacional ou mesmo minimamente alternativo. Pior, continua longe das massas e muitos ainda pensando como nos anos 80/90 do século passado. Não querem perder seus espaços de “poder” nas casas legislativas, nem que para isso venham a repetir os mesmos acordos que, arrisco a dizer, não mais “inocentemente”, pois a História, quando se repete, se repete como farsa, nos ensinou Marx. O que não muda é o afastamento das organizações civis e da população. O exercício da escuta, tão exaltado pelo Paulo Freire e por Frei Beto, foram para as cucuias.

Por um lado, o que antes fora um projeto, o de se criminalizar a política, hoje é fato. O pior é que os principais agentes para tal feito, não saíram das fileiras “bolsonaristas”, que acreditam ser a Terra plana. Vieram das classes dominantes que não queriam “ceder” mais nenhum centavo, do que acreditam ser direito adquirido ainda em berço. Bem como da gentalha que acredita ser classe média, mas não passam de capitães do mato (que resolve na violência) ou gerentes dos engenhos, que acreditam comandar.

O que não esperavam era a perda do controle total sobre aquele ser. Os absurdos e a ignorâncias são tantas, que não sabem como evitar a lama em que estão compartilhando com o “coiso”, pois a mesma, não só respinga, mas está atolando os seus carros 4×4. Estão percebendo que, mesmo como classe dominante, suas influências estão se deteriorando devido as ligações com a família Bolsonaro. Correm o risco de transformarem-se em novos gerentes de engenhos, perdidos entre a classe média e a classe dominante. Estão perdendo seus negócios, deixando de ser intermediários com as grandes corporações.

Por tudo colocado acima, a população não acredita mais nos legisladores, no Executivo e muito menos nos juízes e promotores. O barco está sem o timão e sem o timoneiro, largado ao apetite dos de fora, daqueles que querem o fim de nossas florestas, da nossa água potável e do que resta de petróleo e outros minérios. Enquanto puderem extrair, as estruturas se manterão pró-forma, depois, farão como a FORD, “bye bye Brasil”. Foda-se, pensam, pois aqui não consigo mais ganhar dinheiro. Nos sobrará nem terra arrasada. Pois continuamos a fazer acordos sem qualquer projeto que possa, pelo menos, nos dar mais tempo para retomar a organização da sociedade civil.

Hoje, temos um presidente mais preocupado com que os brasileiros possam ter até seis armas em casa, do que com o combate a COVID-19 e a vacinação da população. Passamos as 240 mil mortes e continuamos escutando: “e daí?”. Claramente ele arma seus correligionários (milícias), e busca trazer a PM para seu comando, e já anunciou que se perder as eleições, não aceitará o resultado. Anunciou um golpe futuro.

E do lado de cá, ninguém tem a coragem, a partir de sua projeção política, de tentar trabalhar manifestações que possam sim, incomodar. Ninguém propõe o fechamento de esquinas cruciais nas cidades, mesmo que por pouco tempo, para incomodá-los diariamente. Ninguém propõe momentos de desobediência civil, para irmos, na pior das hipóteses, nos “acostumando” com o cacetete e o gás de pimenta. E mais uma vez, recorro ao Nando Reis, na esperança da carapuça servir…

“Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia
Eu não encho mais a casa de alegria

Os anos se passaram enquanto eu dormia
E quem eu queria bem me esquecia”

 

*Sérgio Mesquita é servidor público federal desde 1983, lotado nas fundações e OS que administraram a TVE-RJ, Rádios MEC, TV Escola e TV INES (FCBTVE, FRP, ACERP), na área de TIC, como líder do Núcleo de Desenvolvimento de Sistemas. Foi diretor do Sindicato dos Radialistas de RJ – SINRAD-RJ, membro do Coletivo Nacional de Formação Político Sindical da Federação dos Trabalhadores em Empresas de Rádio e Televisão – FITERT, na década de 90 e filiado ao PT-Maricá/RJ em 1991. Como funcionário cedido a Prefeitura de Maricá-RJ, exerceu as funções: 2013/14 de Sec. de Cultura; 2015/16 de Assessor para Trabalho Social na Sec. de Habitação e Assentamentos Populares; 2017/20 de Sec. de Ciência e Tecnologia; 2021, de Assessor na Sec. Educação de C&T.