NOTA PRETA
Por Mauro Viana
A coluna NOTA PRETA tem a honra de reproduzir o questionamento/reflexivo do Mestre Yedo Ferreira. Yedo Ferreira, 80 anos, participou da fundação de várias organizações históricas do Movimento Negro.
Qual a diferença entre igualdade entre classes e igualdade de raças?
“…Quando pretos (?) dos partidos de esquerda, em particular o Partido dos Trabalhadores e o Partido Comunista do Brasil apoiam ostensivamente pretos como Marcelo Dias (PT) e Edson França (PC do B) na ação que fazem para impor a todo custo o mito da igualdade racial como objetivo a ser alcançado pelos negros do Brasil, sem sombra de dúvida que não há como uma militância negra histórica se manter em silencio diante desta farsa inominável.
A igualdade em política, ou seja, a igualdade como qualidade de mesma condição e habilidade no trato das relações humana com vista a obtenção de um resultado desejado, é a rigor, palavra qualificada positivamente e usada por pessoa determinada em contextos diferenciados.
Neste sentido tem-se a palavra igualdade usada de forma positiva como igualdade de direito, igualdade de oportunidade e outras formas de igualdade. Porém, quando igualdade é usada em política como relação entre pessoas com predomínio da condição étnica, “racial” ou religiosa, o resultado quase sempre é uma tragédia para aqueles que acreditam nesta relação de igualdade. A condição humana mantém uma certa igualdade entre pessoas, mas as condições; étnica, “racial”, religiosa e mesmo nacional, são determinantes na manutenção da desigualdade entre elas.
Na história da humanidade o número dos que acreditaram em igualdade entre pessoas é grande e os trágicos resultados para as pessoas que colocaram fé nesta forma de igualdade também não é um numero pequeno. O mais trágico porém, é que o erro de um, nunca serve de exemplo a não ser seguido, palo outro.
Ao ser empossado como Primeiro Ministro do Governo da República do Congo (antigo Congo Belga), Patrice Lumumba, no seu discurso da Independência da colônia belga, proferiu as seguintes palavras de um crente na igualdade entre as pessoas: “Rejeitamos a política de dominação e optamos pela cooperação numa base de IGUALDADE, no respeito mútuo a soberania de cada Estado”.
Acreditar numa relação de igualdade como base da cooperação e colaboração entre negros colonizados da África e brancos colonialistas da Europa, custou a Patrice Lumumba a sua vida, morreu assassinado pelos antigos colonizadores em quem acreditava se relacionar no mesmo patamar de igualdade.
A caminho do cadafalso, líderes negros da Inconfidência Baiana ou Revolta dos Búzios, ocorrida no ano de 1793, em Salvador, na Bahia, com certeza haviam de ter como último pensamento, que vão pagar na forca com suas vidas por terem um dia acreditado na igualdade que os brancos, simpatizantes da Igualdade, Liberdade e Fraternidade, lema da Revolução Francesa, de 1789, propagavam entre os negros para contar com a participação dos mesmos na luta que diziam querer fazer contra o governo colonial português instalado na Bahia.
Anos mais tarde, em abril de 1803, agora numa prisão na França de Napoleão Bonaparte, o líder da Independência do Haiti – primeira e única revolta de escravos africanos vitoriosa nas Américas – Toussaint 1. Ouverture, debilitado pelas péssimas condições do cárceres e nos seus últimos dias de vida, deve ter pensado na sua fidelidade a França da igualdade e liberdade e por ter acreditado no Governo da Revolução que reconheceu no espírito da igualdade entre nações “irmãs”, a Independência do Haiti.
Ao serem informados do falecimento do Toussaint na prisão dos franceses, seus antigos companheiros de liderança na Revolta do Haiti, Dessaline e Moise, com certeza devem ter pensado no alto preço que Toussaint pagou por acreditar na igualdade entre as pessoas do Governo da França e na liberdade dos oprimidos da revolução francesa.
Um caso marcante de igualdade entre pessoas onde predominou posições ideológicas nacional e “racial” entre as pessoas envolvidas como determinantes nas condições de trabalho das mesmas aconteceu no México, na região de Cananea, no ano de 1906.
Em julho de 1906, operários da mineradora Cananea Cooper Company, do norte americano, William Greene, cruzaram os braços e iniciaram um movimento de greve. O motivo era Greene que decidiu contratar mineiros norte americanos com salários infinitamente maiores dos que ele pagava aos outros mineiros, entre eles muitos antilhanos procedestes das possessões inglesas e francesas que tinham abolido o trabalho escravo, além do beneficio de jornada de 8 horas de trabalho diário que apenas os mineiros norte americanos usufruíam.
A principal reivindicação era: Igualdade de tratamento entre os mineiros e substituição dos capatazes norte americanos, brancos é obvio, que maltratavam apenas os mineiros não brancos.
No primeiro dia de greve houve confronto grave entre mineiros do México e norte americanos, resultando na morte de dez mineiros, entre eles nenhum era norte americano.
No segundo dia de greve, numa forma explícita de afirmação de que a divisão entre os mineiros era “racial” com verniz de ser nacional: mexicanos contra norte americanos – o internacionalismo proletário não se fez presente – chegou a região de Cananea, 275 fuzileiros do Fort Huachuca (Arizona/EUA), sob o comando do coronel Rining, em apoio aos mineiros norte americanos.
A repressão foi brutal e resultou em mais 30 mineiros assassinados – nenhum norte americano – com a prisão e condenação sumária dos líderes da greve a 15 anos de reclusão na temível prisão de San Juan de Ulúa.
Enfim, 40 mortos e reclusão dos líderes da revolta, o saldo da greve de reivindicação por igualdade de tratamento no trabalho entre mineiros negros e brancos.
Assim negros (as) do PT e do PC do B que se deixam influenciar pelo branco do partido para fazer ações por igualdade racial, ignoram ou nenhuma importância dão fatos que a História registrou, uma vez que fatos históricos como os acima citados têm que ser olhados como exemplos trágicos do passado que não podem (nem devem) ser repetidos. Levantar bandeira de pró igualdade racial é um erro que cometem: Marcelo Dias (PT) com “igualdade racial é pra valer” e Edson França (PCdoB) com “…planos de igualdade racial com metas qualitativas…”
Em vista de que Marcelo Dias e Edson França se dizem marxistas não é demais lembrá-los de Karl Marx, “de que a história não se repete, mas sim fatos históricos por ventura semelhantes”, acrescentando “que podem se repetir como farsa ou tragédia”. Na conclusão de Marx, se um determinado fato histórico se realizou no passado como farsa, ele vai com toda a certeza se repetir no futuro como tragédia. O contrário também é verdadeiro: se o fato histórico aconteceu como tragédia ele vai se repetir como farsa.
Esse pensamento de Marx é uma retificação ao que falou seu antigo mestre Hegel (Friedrich) que “todo povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”, repetir os erros cometidos o que é óbvio.
A verdade é que Hegel e Marx estavam certos, apenas em Hegel uma retificação de que um povo não aprende conhecendo apenas a sua história. Um povo aprende também conhecendo a história de outros povos, as suas vitórias e suas derrotas. Negros (as) do PT e PC do B melhor seriam se aprendessem com os pensamentos dos dois alemães. A final; se aceitam passivamente a orientação do branco do partido no qual são filiados para acreditar numa improvável igualdade racial, não há então nenhum absurdo em adotarem para as suas ações políticas, os pensamentos desses dois brancos alemães. Pelo menos nunca mistificaram como fazem os brancos dos dois partidos: Não acreditam em igualdade entre as classes sociais mas induzem negros (as) a acreditar em igualdade racial. Igualdade entre “raças” (?).
Da farsa e tragédia pensadas por Marx aplicada no marco da história do negro no Brasil, tem-se o decreto que aboliu a escravidão do negro no Brasil, assinado pela Princesa Isabel chamada a Redentora, é sem duvida um fato histórico importante. Contudo, não há como negar que esta Lei Aurea em si, resultou numa grande tragédia para os descendentes de escravos, mantidos por mais de um século, no subemprego e nas favelas, condições de vida das quais nunca se libertam.
O Estatuto de Políticas para a promoção da igualdade racial, lei assinada pelo Presidente Lula, chamada por negros (as) partidários, de nova “Lei Aurea”, tinha como pressuposto (ou deveria ter) mudar as condições de vida dos descendentes de escravos. Porém, passado anos em que a lei se encontra em vigor, nada mudou nas condições de vida dos descendentes de escravos, ainda nas favelas e nos subempregos. Sendo assim, não há como negar que o fato histórico como ato em que o Estatuto foi sancionado, é uma grande farsa.
Se os dois fatos históricos – se assim forem considerados – estiverem (e estão) de acordo com as afirmações de Marx; de fato histórico semelhante se repetir como farsa ou tragédia, então, a Lei Aurea foi a tragédia dos descendentes de escravos e o Estatuto de Igualdade Racial, a farsa. Uma farsa que não se tornou maior do que ela mesma, porque nenhum dos “pretos” presente no ato no Palácio Presidencial, reuniu coragem suficiente para de joelhos beijar a mão do Presidente Lula e assim repetir a atitude de José do Patrocínio, que, de joelho beijou a mão da Princesa Isabel.
Um fato graciosamente original que não pode deixar de ser citado: A Lei Aurea tragédia, O Estatuto, farsa. A democracia racial como farsa e a igualdade racial a tragédia. Resulta desses fatos que crença na igualdade racial é tragédia e farsa ao mesmo tempo. Nem mesmo Marx nos seus melhores momentos reflexivos pensou neste fato no mínimo inusitado.
De retorno a História, os fatos que nunca devem ser esquecidos, é que na revolta dos Búzios, na Bahia, na Revolta dos Escravos, no Haiti, na revolta dos mineiros, no México, havia em todos os envolvidos nessas revoltas, uma crença explicita na igualdade como um objetivo que esperavam alcanças com a luta que travavam.
Uma observação importante é que em todos os casos aqui citados de aspiração a igualdade entre pessoas, negros e brancos encontram-se em posições diametralmente opostas e sob a influencia de uma implícita ideologia, mas que é determinante. Porém existe um fator entre eles, a crença do negro na igualdade, onde só ele acredita na relação de igualdade entre negros e brancos.
Na Revolta dos Búzios, os brancos induziram os negros a tomarem para si, para confrontar a Coroa Portuguesa, os lemas igualdade e liberdade da revolução Francesa a qual eles tinham simpatias. Mas na repressão a revolta apenas os negros foram supliciados, os brancos que os induziram a revolta, a Coroa Portuguesa foi condescendente, uma vez que nenhum branco sofreu repressão alguma.
Na revolta dos Escravos no Haiti, Napoleão Bonaparte, que antes fora considerado avalista dos ideais da Revolução Francesa, de liberdade e igualdade, além de ser uma personalidade que Tossaint confiava, enviou seu exercito para esmagar no Haiti, a liberdade que Toussaint aspirava e a igualdade que acreditava.
A Revolta dos Mineiros no México, não teve melhor sorte os que acreditavam na igualdade entre as pessoas onde predominava uma determinada ideologia.
O grande escritor francês, Vitor Hugo, na sua obra prima, Os Miseráveis, ao retratar a Revolta de Paris, de 1815, na qual se pretendia o renascimento dos ideais republicano de Igualdade, Liberdade e fraternidade da Revolução Francesa de 1789, revolta que Vitor Hugo participou ativamente, e cujo resultado o levou ao exílio na Inglaterra, ao ser expulso da França, vaticinou: “Só existe igualdade na morte.”
Os negros/negras não omissos devem responder o que pensam da igualdade racial de Marcelo dias e Edson França.
Nota da Redação: Yedo Ferreira, 80 anos, ativista e militante histórico do Movimento negro é internacionalista e defensor das Reparações Já…”