Por Domênica Rodrigues*
É lindo ver o dia amanhecer
Ouvir ao longe pastorinhas mil
Dizendo bem, que o Recife tem
O carnaval melhor do meu Brasil.
Quis começar essa conversa com esse verso de “O Último Regresso”, de Getúlio Cavalcanti, o frevo de bloco mais cantado no mundo e que representa bem a treta de que trata este texto.
No ano passado professoras e professores foram obrigados a ocupar um espaço que, até então, não os pertencia de fato. Foi como se tivesse passado um tsunami na sala de aula e todos fossem obrigados a se refazer em cacos. Cacos deixados pelo medo, ansiedade e insegurança que instalados com a chegada de uma doença que não se sabe ao certo de onde veio e até onde pode chegar. O que se sabe é a potência letal que ela tem.
Ao mesmo tempo, somos obrigados a lidar com um governo negacionista e suas políticas institucionais que desvalorizam a presença do profissional de educação em qualquer espaço que ele esteja. Nesse contexto, vamos caminhar até a terra de Paulo Freire e seu colegas – Recife. O cenário que o sindicato dos professores apresenta é um cenário desastroso, desrespeitoso, catastrófico. E não é mimimi…
Por aqui, professores e professoras apontam a ilegalidade apresentada por donos de escola, por meio do possível descumprimento da clausula 44ª da Convenção Coletiva do Trabalho, a CCT, e que tira da categoria o direito ao gozo dos dias de feriado das festividades de MOMO para professores do Estado. Brinque não, vum…. Por aqui, carnaval é coisa séria!
Penso que teríamos uma melodia para essa bagaça, que é a própria música de Siba Veloso: Avise ao pessoal/Que eu não estou normal/Pode acabar-se o mundo/Vou brincar carnaval…
De acordo com o sindicato dos professores de Pernambuco, tudo começou em 2020 quando foi perceptível e declarado que o momento de pandemia os colocava diante de muitas incertezas econômicas e jurídicas a partir das decisões tomadas pelo Governo Federal. Com isso, e muito preocupados com a salubridade e a segurança sanitária dos profissionais da Educação, foram alteradas algumas cláusulas do Decreto, que lidava exclusivamente com as questões de escolas particulares.
As mudanças dizem respeito às férias escolares, que foram antecipadas para o período de lockdown no Estado – entre abril e maio de 2020. O objetivo era fazer com que os efeitos somáticos do período pudessem ser minimizados, principalmente na vida dos professores já adoecidos mentalmente e/ou que possuem comorbidades. No entanto, muitas escolas exigiram que as atividades fossem executadas de forma remota, levando a escola para dentro de suas casas, o que foi alvo de várias ações apresentadas ao ministério público pelo Sindicato dos Professores, o SINPRO.
Segundo a CCT, firmada entre donos de escolas, representados pelo Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino (SINEPE), e professores, este representados pelo SINPRO Pernambuco. A questão é que os acordos realizados entre os donos de escolas e os professores não estão sendo respeitados pelo setor privado do estado de Pernambuco. Na convenção ficou acertado que: “O calendário escolar iria de 02 de maio de 2020 a 15 de janeiro de 2021 e que o primeiro semestre letivo de 2021 teria início em 01 de fevereiro deste ano”.
Mas, na real, não é assim que os clarins tocam, até porque esse ano os clarins nem vão tocar! Sim, não haverá Carnaval na terra do Frevo, mas terão aulas remotas ou em regime hibrido, como tem sido na maioria das escolas particulares.
O que acontece é o seguinte, em favor do capital e contra a saúde mental de estudantes e professores, os donos de escola particulares, exigiram que professores apoiassem seus alunos e alunas a fazerem as provas do ENEM e do Sistema Seriado de Avaliação (SSA), da Universidade de Pernambuco (UPE). Tirando deles o direito ao descanso dado por lei dos meses de janeiro. Emendando as atividades no mês de fevereiro de 2021, para quando estava agendado o início das aulas, de acordo com o calendário criado na CCT, em 2020.
Nesse meio de caminho, restam os dias de folga legitimados pela comissão como feriados e dias santos, como apresentado na cláusula 44ª da CCT que diz: “Dos Feriados, Dias Santificados e Pequenos Recessos, consta de maneira expressa que aos professores é vedada a regência de aula, trabalho e exames na segunda, terça e quarta-feira de carnaval.”
No entanto, os donos de escolas particulares querem descumprir a 44ª cláusula da CCT 2020/2021, modificando o calendário escolar e retirando o descanso de professores/as e estudantes previsto para os dias 15, 16 e 17 de fevereiro. No intuito de satisfazer seus interesses pessoais, esquecendo que os trabalhadores e trabalhadoras também têm interesse em gozar esses dias de recesso.
Na perspectiva de que esse descumprimento não aconteça, o SINPRO convoca toda sociedade para apoiar essa causa e denunciar mais essa arbitrariedade em favor de um sistema que oprime e silencia todas as vozes que ecoam por justiça e igualdade de direitos para todas as classes. Assim como declaram os clarins de momo pelas ruas de todo Estado de Pernambuco, que mesmo sem carnaval, sabe da importância cultural e energética que esses dias de descanso e folia tem para nossas vidas.
Não poderia ir embora sem saudar essa festa, como fez Dom Hélder Câmara em 1° de fevereiro de 1975, durante sua crônica radiofônica “um olhar sobre a cidade”, na Rádio Olinda AM, que ele fundou como meio de evangelizar em massa e garantir pautas na comunicação como direito para o povo que luta por direitos. Disse ele:
“Carnaval é a alegria popular. Direi mesmo, uma das raras alegrias que ainda sobram para a minha gente querida. Peca-se muito no carnaval? Não sei o que pesa mais diante de Deus: se excessos, aqui e ali, cometidos por foliões, ou farisaísmo e falta de caridade por parte de quem se julga melhor e mais santo por não brincar o carnaval. Brinque, meu povo querido! Minha gente queridíssima. É verdade que na quarta-feira a luta recomeça, mas ao menos se pôs um pouco de sonho na realidade dura da vida! ”
É isso!
Juntem–se ao manifesto, compartilhem esse desrespeito.
Leia a nota do SINPRO PERNAMBUCO na integra. Clique AQUI.
*Domênica Rodrigues – Professora, negra, mãe de uma menina, filha e neta de professora e agricultora, matuta da zona da mata, moradora da Cidade, feminista pelo cuidado e o auto Cuidado, co-coordenadora da coletiva CAIANA, Coord. do GT de Ancestralidade da ABA- AGROECOLOGIA, integrante do GT – MULHERES – ABA-AGROECOLOGIA Educadora Griô e curiosa. Hoje educadora pedagógica da ETAPAS e pesquisadora do núcleo de Artes e Letras da UFSB- Porto Seguro-BA.