Não há momento melhor do que agora para enfrentar os níveis ridículos de riqueza e desigualdade de renda nos Estados Unidos. Isso pode ser feito facilmente através de uma tributação agressiva em relação ao pequeno grupo dos indivíduos mais ricos.
Por Sonali Kolhatkar
Enquanto democratas e republicanos disputam os detalhes de um novo pacote de estímulo econômico para enfrentar a devastação causada pela pandemia do coronavírus, durante o mandato do Presidente Joe Biden já é possível questionar: “quando vamos começar a tributar os ricos”? Ao entrar na Comissão de Finanças do Senado, a Senadora Elizabeth Warren (democrata, do estado de Massachusetts) prontamente anunciou que introduziria um imposto de 2% sobre as fortunas de mais de US$ 50 milhões para que os mais ricos “finalmente pagassem um valor justo em impostos”. A ideia de Warren é um passo na direção certa.
A “Tax Cuts and Jobs Act” de 2017 — legislação característica da administração Trump e do Senado, dominado pelos republicanos — prejudicou de forma desproporcional os americanos pobres e a classe trabalhadora, além de ter forrado os bolsos dos ultrarricos. Isso esgotou o Tesouro, estabelecendo as bases para justificar o corte dos benefícios da Previdência Social e do Medicare. De acordo com o Escritório de Orçamento do Congresso, estima-se que a lei vai causar um buraco de US$ 1,9 trilhão no Tesouro ao longo de 10 anos. A lei também foi escrita de maneira a incluir vários “ovos de Páscoa” que contêm novos incentivos fiscais para os ricos, programados para eclodir anos após sua promulgação. Agora, com um desses incentivos fiscais escondidos que beneficiarão os milionários prestes a entrar em vigor, mais de 100 democratas assinaram uma carta exigindo que esta lei fosse revogada. Outro passo na direção certa.
Mas é necessário muito, muito mais.
Enquanto os Estados Unidos permanecem paralisados por uma pandemia, o Congresso enfrenta taxas de desemprego permanentemente altas, fome generalizada e queda nas receitas estaduais e locais. O dinheiro está sendo sugado dos degraus inferiores da sociedade americana, fluindo sempre para cima, para as mãos de uma pequena elite rica. De acordo com uma análise do mês de janeiro feita pelo Inequality.org, 660 bilionários americanos viram sua riqueza coletiva aumentar em mais de US$1,1 trilhão nos primeiros 10 meses da pandemia. Isso representa um aumento de quase 40% na riqueza dos mais ricos.
Em resumo, os legisladores conservadores deram aos americanos ricos um presente enorme em 2017 à custa do Tesouro dos EUA. E, além disso, os ultrarricos tornaram-se escandalosamente mais ricos no intervalo de um ano de uma pandemia global devastadora. Há uma ligação direta entre a generosidade alucinante da qual as elites desfrutam e os destroços econômicos distópicos em que o restante de nós se encontra. Em poucas palavras, há dinheiro neste país — muito dinheiro — e ele está nas mãos de poucos. Simplesmente, temos que arrancá-lo deles à força. Uma maneira fácil e não violenta de fazê-lo é cobrar-lhes impostos expressivos.
Durante anos, os políticos conseguiram afirmar, ao contrário das evidências, que jogar dinheiro para os ricos era o caminho da prosperidade para todos. Para sustentar esta fantasia irreal, as elites ricas têm sido rotuladas de “criadoras de empregos”, e os americanos da classe trabalhadora têm sido frequentemente enganados, levados a acreditar que os cortes de impostos para os ricos são importantes porque, em algum futuro distante, eles poderiam ser igualmente ricos e, portanto, beneficiar-se dos referidos cortes. De acordo com uma análise global da London School of Economics, os 50 anos de insistência na chamada “economia trickle-down” (ou economia do gotejamento) não funcionou nem nos Estados Unidos, nem em outros países. Ou, pode-se dizer que elas funcionaram como se pretendia: beneficiando diretamente aqueles que já eram ricos.
Mesmo antes da pandemia, uma grande maioria dos americanos apoiava o aumento dos impostos sobre os americanos mais ricos para 70%, o que ainda é menor do que a alíquota de 90% que a nação já havia imposto aos cidadãos mais ricos. Alguns americanos ricos, constrangidos pela maneira como sua riqueza alimentou a desigualdade, estão pedindo para serem tributados com uma alíquota mais alta. A recente controvérsia sobre os usuários do Reddit, que pressionaram alguns gestores de fundos de hedge em Wall Street por meio de seus investimentos coletivos de pequena escala no GameStop, revelou uma concentração de indignação popular contra uma classe rica que produz dinheiro com facilidade. Tributar os ricos é consenso — exceto nos corredores do Congresso, onde as regras da economia são cuidadosamente manipuladas para garantir a estratificação financeira.
Assim como muitos de seus colegas democratas, o presidente Joe Biden expressou o desejo de nivelar o campo de atuação e propôs um plano fiscal que vai na direção certa, aumentando os impostos sobre aqueles que ganham mais de US$ 400.000 por ano e revogando os cortes de impostos dos que os mais ricos agora desfrutam. Como a legislação tributária só precisa de uma maioria simples para ser aprovada pelo Senado dos EUA, Biden não precisa de apoio republicano para mudar as leis tributárias — assim como os republicanos não precisaram, em 2017, que os democratas assinassem sua doação fiscal para os ricos.
Biden deveria considerar a possibilidade de acrescentar à sua proposta um imposto sobre transações financeiras sobre vendas a descoberto — uma ideia que foi revivida pela recente controvérsia do GameStop. Um pequeno imposto sobre cada transação financeira não apenas reduziria a volatilidade do mercado de ações, mas também ajudaria a redistribuir riqueza e gerar centenas de bilhões de dólares em receitas fiscais, de acordo com o Economic Policy Institute.
Alguns sugeriram que a mera ação de aumentar o financiamento da Receita Federal permitiria ao governo federal fazer cumprir as leis fiscais já existentes e gerar receitas consideráveis. Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro na presidência de Barack Obama, insultado de maneira secreta pelos progressistas como “economista amante da plutocracia“, escreveu um documento concluindo que “investir menos de 100 bilhões de dólares na Receita Federal ao longo de uma década gerará de US$ 1,2 trilhão a US$ 1,4 trilhão em receitas fiscais adicionais, principalmente de indivíduos de alta renda, que são desproporcionalmente responsáveis pelo pagamento insuficiente das obrigações fiscais devidas”.
Alguns estados estão agora de olho nas pilhas de dinheiro sobre as quais seus residentes mais ricos vivem. O estado de Washington está considerando um imposto extremamente modesto sobre a riqueza que cobraria apenas 1% de imposto sobre os ativos financeiros, e não sobre a renda de seus residentes mais ricos. Iria até mesmo isentar o primeiro US$ 1 bilhão em valor tributável. Apenas cerca de 100 pessoas em todo o estado seriam impactadas e, por tão pouco, que dificilmente notariam. Embora a conta seja tão modesta, há tanta riqueza sendo acumulada por poucos que isso geraria US$ 2,5 bilhões por ano em impostos estaduais. No entanto, os republicanos atacaram descaradamente a ideia, com o deputado estadual Drew Stokesbary caracterizando o projeto de lei como “sete milhões de cidadãos de Washington conspirando contra os nove mais ricos”. Ele temia que os ricos simplesmente deixassem o estado.
O impulso também está crescendo no estado New York para tributar a renda de seus residentes mais ricos. Um grupo chamado Alliance for Quality Education está pressionando o governador Andrew Cuomo a apoiar uma medida fiscal que arrecadaria US$ 50 bilhões em receitas. Como no caso de Washington, Cuomo teme que o aumento dos impostos sobre os ricos os obrigue a sair do estado. O estado de Massachusetts aparentemente tem perdido alguns de seus bilionários para estados com impostos baixos, como a Flórida. Mas há uma solução fácil para a fuga das elites: se a administração de Biden aumentasse os impostos federais sobre a riqueza e a renda dos mais ricos para distribuí-las aos estados, eles não teriam onde se esconder.
Claro, os ricos poderiam transferir seu dinheiro para o exterior, como muitos fazem rotineiramente. Mas fechar as brechas fiscais para impedir tais práticas também é simples. Há quase uma década, o senador Bernie Sanders (independente, do estado de Vermont) e o deputado Jan Schakowsky (democrata, do estado de Illinois) apresentaram projetos de lei no Senado e na Câmara para fechar essas brechas. Para cada avanço das elites ricas a fim de acumular dinheiro, os legisladores podem simplesmente contra-atacar e tirá-lo deles.
Sonali Kolhatkar é a fundadora, apresentadora e produtora executiva do programa de rádio e televisão “Rising Up With Sonali”, que vai ao ar nas estações Pacífica e na Free Speech TV. Ela escreve para o Economy for All, um projeto do Independent Media Institute.
Traduzido do inglês para o português por Marcella Santiago / Revisado por Graça Pinheiro