Ganhei o ingresso de um amigo. Fui. E estou lá até hoje. Daquela sala de concerto nunca mais sai. Minhas perguntas continuaram sem resposta, como notas agudas suspensa no infinito, como um acorde dissonante sem resolução harmônica. No palco, o piano de cauda. Duas mãos imensas a desvendar mundos, abriam trilhas na selva sonora dos ouvidos daquele garoto que eu era.
Chick Corea apresentava à minha ingenuidade toda a complexidade da música contemporânea, desde os inovadores eruditos do começo do século XX, até o jazz, passando pelos ritmos latino para chegar à criatividade extemporânea da música aleatória, improvisada na hora.
Novos mundos ao meu dispor. E nunca mais sai.
O concerto de Chick Corea terminou com silêncios interrompidos pela maravilhosa incredulidade de quem vê o nunca visto, de quem ouve o impossível. Saiu do palco se arrastando sem mais força de se sustentar, apoiado ao ombro de um assistente, as luzes da enorme sala lotada não afastaram o público. O palco vazio tremia debaixo da saraivada dos aplausos da multidão. Porque parou parou porque. Cinco, dez minutos, talvez mais. Chick Corea reaparece. De roupão e chinelo. Senta em frente ao piano e recomeça a tocar. Para mim e a multidão.
Depois de 41 anos, hoje, leio na tela do celular a notícia que nunca queria ter lido. Chick Corea morreu. Morreu Chick Corea, um dos maiores pianistas e músicos de todos os tempos. Tinha 79 anos.
Tocou com todos, criou música, arte. Escreveu harmonias, melodias e ritmos, gravou discos fundamentais, tocou com os melhores. Mestre e ponto de referência. Eletrificou teclados infernais, acariciou pianos clássicos, ritmos latinos, jazz de vanguarda, e as melodias mais lindas brotaram como luas, flores, marés. Discos memoráveis, solos sem fim, páginas de história escritas para o mundo e para mim também, garoto de dezessete anos, naquela sala de concerto de onde nunca mais saí.
Chick Corea, música em toda parte.