9 de fevereiro de 2021. El Espectador

 

Esquecer os mortos que a violência nos deixou é matá-los duas vezes; tirar deles seu direito de caminhar pela memória e condenar-nos a cometer os mesmos horrores. Não pudemos salvar-lhes a vida, mas podemos preservar a memória dos que se foram.

O esquecimento é uma agressão crônica e passiva contras as vítimas; e a memória – esse mar infinito e profundo – tem que ser patrimônio das pessoas. Por isso, o trabalho proposto pelo seu Gustavo, pai de Trípido, um jovem grafiteiro assassinado por um policial, é tão valioso. O Conselho Superior dos Direitos das Vítimas, Paz e Reconciliação, o IDARTES e o Centro da Memória têm acompanhado e liderado o projeto para honrar tantos jovens mortos pela violência de rua, pela violência institucionalizada, a proibida, a coonestada, a consentida… É preciso dizer que, no atual desgoverno nacional, os nomes que descrevem a violência são fortes e múltiplos, enquanto muito frágeis e solitárias são as ações destinadas a lhe dar um fim.

A Prefeitura de Bogotá fez com que a cidade, a paz e a arte de rua transformassem a frieza do cimento em relatos de cores para honrar os mortos causados pela violência policial, pelo conflito armado, a perseguição a líderes sociais e a maldade contra ex-guerrilheiros que aderiram ao Acordo de Paz também conhecido como Plano Colômbia.

A curadoria conjunta que foi realizada reuniu 26 artistas urbanos para retratar os 25 rostos de jovens assassinados, uma radiografia de uma dor impossível de reproduzir.

Esta cidade – capital da reconciliação – vive, cresce, respira, sofre e ressuscita 2.600 metros mais perto das estrelas: reconhece as vidas de quem deu tudo para romper os ciclos de violência; tem mais de 350.000 feridos de corpo ou alma pelas nossas guerras fratricidas.

Na Colômbia, a brutalidade policial não é norma de conduta, mas já cobrou tantas vítimas mortais! Não vamos permitir que as escondam debaixo do tapete. No dia 9 de setembro, morreram assassinados pela polícia 12 jovens que exerciam seu direito cidadão de protestar. E que nem o novo ministro da defesa, nem o novel presidente (cuidado para não confundir novo com Nobel) se surpreendam: na Colômbia, não é problema protestar nas ruas, nas praças; protestar sem violência e com presença da população em massa; e não… não vamos nos apertar como sardinhas em um “protestódromo”, porque somos vida, somos crítica, somos consciência, somos oposição, quando for necessário, e apoio, quando for merecido; somos voz e somos um montão de nostalgias revestidas por peles de diversas cores. E não… tampouco precisamos de mão de ferro. Urge receber mãos solidárias, mãos desarmadas – não desalmadas – mãos conciliadoras, que curem feridas e cumpram promessas.

Milhares de ex-combatentes, que entregaram as armas graças ao Acordo de Paz, seguem esperando que o governo o cumpra o que foi acordado e que a sociedade os acolha. Apesar de esse acordo ter sido feito pelo Estado, fica claro que manter a palavra não é o forte do atual inquilino da Casa de Nariño.

A ponte da Rua 80 é a primeira de um projeto de pedagogia pela paz. Remuneram-se os artistas urbanos e, além disso, ela fará em Bogotá o que Vladimir Rodríguez, um Alto Conselheiro para as Vítimas e o verdadeiro construtor da paz, chamou de um “Museu de Memória a Céu Aberto”.

Muitos jornalistas já foram lá deixar registrada sua homenagem. Soube que uma das repórteres gráfica, anos antes, havia sido guerrilheira do bloco oriental das FARC. Hoje – debaixo da ponte da memória, como fotógrafa dos COMUNES (o partido político das FARC) e comprometida com a paz – apontou para uma das imagens pintadas no cimento, preparou sua câmera e disparou o click… um fuzil, nunca mais.


 

Traduzido do espanhol por Graça Pinheiro / Revisado por José Luiz Corrêa

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