A cura para a dor de cabeça de Platão envolvia:

uma certa erva, mas havia um feitiço que devia ser lançado com o remédio; se o feitiço fosse pronunciado no momento da sua aplicação, o remédio funcionaria de maneira perfeita; porém, sem o feitiço, a erva não teria nenhuma eficácia.

Atualmente, chamaríamos o “feitiço” que Platão indicava de placebo. Os placebos são conhecidos há milhares de anos e são a forma de tratamento mais estudada na história da Medicina. Toda vez que o seu médico diz que foi comprovado que o medicamento que você tomou funciona, ele quer dizer que funciona melhor do que um placebo. Cada centavo de dólar arrecadado em impostos ou economizado em seguros que seja destinado a tratamentos que “comprovadamente” funcionem, só funcionam porque (supostamente) são melhores do que um placebo.

Apesar da importância desses profissionais, os médicos não têm a permissão para usar placebos para ajudar no tratamento dos pacientes (pelo menos não oficialmente), e há muita discussão a respeito da necessidade dos placebos em estudos clínicos. Ainda assim, a ciência dos placebos se desenvolveu a ponto de levantar dúvidas se a nossa visão sobre os placebos deveria mudar – mas não mudou – o nosso preconceito contra os placebos na prática, bem como o lugar privilegiado que os placebos ocupam nos estudos clínicos.

Nessa turnê pela história dos placebos, vou apresentar os progressos alcançados e propor onde o conhecimento sobre os placebos pode nos conduzir em um futuro próximo.

De preces até tratamentos para agradar

A palavra “placebo”, tal como se aplica agora na Medicina, começou a ser usada a partir de uma tradução da Bíblia para o latim que fez São Jerônimo no século IV d.C.

No Livro dos Salmos 114, o versículo 9 foi assim traduzido ao latim: placebo Domino in regione vivorum. Nesse contexto, “Placebo” significa “Agradarei”, e o versículo então ficou assim: “Agradarei ao Senhor na terra dos vivos”.

Historiadores mais cautelosos sugerem que essa tradução pode não ser, digamos, precisa.

A transliteração do hebraico é “iset’halekh liphnay Adonai b’artzot hakhayim”, o que significa, “Na presença do Senhor, continuarei o meu caminho na terra dos vivos”.

Acredito que os historiadores estejam fazendo muito barulho por nada: por que o Senhor desejaria caminhar com alguém que não fosse agradável? Ainda assim, persistem discussões sobre essa “real” longevidade dos placebos.

Painting of Saint Jerome by Caravaggio.São Jerônimo retratado por Caravaggio. Acervo Caravaggio/Wikimedia Commons

Naquele tempo, e ainda hoje, a família que estivesse em luto oferecia um banquete a quem assistisse ao funeral. Atrás desses banquetes grátis, vinham parentes distantes e – essa é a parte relevante – pessoas que se passavam por parentes para assistir ao funeral, cantando “placebo”, só para conseguir comida. Essa prática enganosa levou Chaucer a escrever, “Esses bajuladores são os capelães do Diabo, sempre cantando Placebo”.

Chaucer também deu o nome de Placebo a um dos personagens de O Conto do Mercador.  O protagonista do conto chama-se Januário. Januário era um velho cavaleiro rico que desejava satisfazer seus desejos sexuais com uma mulher mais jovem, chamada May. Para legitimar esse desejo, pensou em se casar com ela. Mas antes de tomar uma decisão, ele aconselhou-se com dois amigos, Placebo e Justino.

Placebo, ansioso por conquistar a simpatia do velho cavaleiro, aprovou o plano de casamento do amigo. Justino, porém, mais cauteloso, limitou-se a citar Sêneca e Catão, filósofos que pregaram a virtude e a cautela na hora de escolher uma esposa.

Despois de ouvir os conselhos dos amigos, Januário disse a Justino que não daria a menor importância a Sêneca e que iria se casar com May. E eis que nessa história surge o tema relacionado ao engano, pois Januário era cego e jamais foi capaz de perceber as traições de May.

Já no século XVIII, o termo “placebo” passou a integrar o vocabulário da Medicina, quando foi usado para descrever um médico. Em seu livro de 1763, o Dr. Pierce descreveu uma visita que fez a uma amiga, uma senhora que estava acamada. E eis que ele encontra o “Dr. Placebo” sentado à cabeceira do leito de sua amiga.

O Dr. Placebo era uma figura elegante. Seus cabelos compridos e encaracolados impressionavam. E ali estava o Dr. Placebo, sentado à cabeceira da cama, preparando, com toda a calma do mundo, um medicamento para a paciente. Quando o Dr. Pierce perguntou ao colega sobre o quadro de saúde da amiga, ela mesma respondeu: “Pura e imaculada, meu velho amigo, o doutor aqui tem me medicado com suas excelentes gotas”. Pierce percebeu de pronto que, qualquer resultado clínico positivo que o Dr. Placebo estivesse conseguindo, isso se deveria mais por conta dos seus excelentes modos à beira do leito da sua amiga, do que pelo verdadeiro conteúdo daquelas gotas.

E foi assim que a palavra “placebo” passou a ser usada para descrever alguma forma de tratamento. Em 1752, o obstetra escocês William Smellie foi quem primeiro usou o termo “placebo” para descrever um tratamento médico. Ele escreveu: “será apropriado prescrever um inocente Placemus, que ela poderá tomar em intervalos regulares, para esquecer-se do tempo e ocupar a mente”. (Placemus é outra forma da palavra “placebo”).

Os placebos nos estudos clínicos

Os placebos foram usados pela primeira vez em estudos clínicos no século XVIII, para desmascarar os conhecidos como charlatães. O que não deixa de ser paradoxal, porque os remédios indicados incluíam, naquela época, fazer sangria e alimentar os pacientes com matéria não digerida do intestino de um bode oriental. Esses tratamentos eram considerados tão eficazes, que nem havia necessidade de condução de estudos clínicos prévios.

O primeiro exemplo que recordo é um estudo que utilizou o controle por placebo denominado “Tractors de Perkins”. No final do século XVIII, um médico estadunidense chamado Elisha Perkins criou um aparelho composto por duas varetas metálicas que, segundo ele, tinham a capacidade de eliminar o fluido “elétrico” do corpo.

Naquele tempo, e ainda hoje, a família que estivesse em luto oferecia um banquete a quem assistisse ao funeral. Atrás desses banquetes grátis, vinham parentes distantes e – essa é a parte relevante – pessoas que se passavam por parentes para assistir ao funeral, cantando “placebo”, só para conseguir comida. Essa prática enganosa levou Chaucer a escrever, “Esses bajuladores são os capelães do Diabo, sempre cantando Placebo”.

Chaucer também deu o nome de Placebo a um dos personagens de O Conto do Mercador.  O protagonista do conto chama-se Januário. Januário era um velho cavaleiro rico que desejava satisfazer seus desejos sexuais com uma mulher mais jovem, chamada May. Para legitimar esse desejo, pensou em se casar com ela. Mas antes de tomar uma decisão, ele aconselhou-se com dois amigos, Placebo e Justino.

Placebo, ansioso por conquistar a simpatia do velho cavaleiro, aprovou o plano de casamento do amigo. Justino, porém, mais cauteloso, limitou-se a citar Sêneca e Catão, filósofos que pregaram a virtude e a cautela na hora de escolher uma esposa.

Despois de ouvir os conselhos dos amigos, Januário disse a Justino que não daria a menor importância a Sêneca e que iria se casar com May. E eis que nessa história surge o tema relacionado ao engano, pois Januário era cego e jamais foi capaz de perceber as traições de May.

Já no século XVIII, o termo “placebo” passou a integrar o vocabulário da Medicina, quando foi usado para descrever um médico. Em seu livro de 1763, o Dr. Pierce descreveu uma visita que fez a uma amiga, uma senhora que estava acamada. E eis que ele encontra o “Dr. Placebo” sentado à cabeceira do leito de sua amiga.

O Dr. Placebo era uma figura elegante. Seus cabelos compridos e encaracolados impressionavam. E ali estava o Dr. Placebo, sentado à cabeceira da cama, preparando, com toda a calma do mundo, um medicamento para a paciente. Quando o Dr. Pierce perguntou ao colega sobre o quadro de saúde da amiga, ela mesma respondeu: “Pura e imaculada, meu velho amigo, o doutor aqui tem me medicado com suas excelentes gotas”. Pierce percebeu de pronto que, qualquer resultado clínico positivo que o Dr. Placebo estivesse conseguindo, isso se deveria mais por conta dos seus excelentes modos à beira do leito da sua amiga, do que pelo verdadeiro conteúdo daquelas gotas.

E foi assim que a palavra “placebo” passou a ser usada para descrever alguma forma de tratamento. Em 1752, o obstetra escocês William Smellie foi quem primeiro usou o termo “placebo” para descrever um tratamento médico. Ele escreveu: “será apropriado prescrever um inocente Placemus, que ela poderá tomar em intervalos regulares, para esquecer-se do tempo e ocupar a mente”. (Placemus é outra forma da palavra “placebo”).

Os placebos nos estudos clínicos

Os placebos foram usados pela primeira vez em estudos clínicos no século XVIII, para desmascarar os conhecidos como charlatães. O que não deixa de ser paradoxal, porque os remédios indicados incluíam, naquela época, fazer sangria e alimentar os pacientes com matéria não digerida do intestino de um bode oriental. Esses tratamentos eram considerados tão eficazes, que nem havia necessidade de condução de estudos clínicos prévios.

O primeiro exemplo que recordo é um estudo que utilizou o controle por placebo denominado “Tractors de Perkins”. No final do século XVIII, um médico estadunidense chamado Elisha Perkins criou um aparelho composto por duas varetas metálicas que, segundo ele, tinham a capacidade de eliminar o fluido “elétrico” do corpo.

Cartoon of a quack treating a patient with Perkins Patent Tractors.
Um charlatão tratando um paciente com os Tractors patenteados por Perkins. Acervo de James Gillray/Wikimedia Commons,CC BY

Em 1796, Perkins recebeu a primeira patente médica expedida nos termos da Constituição dos Estados Unidos, pela invenção desse aparelho. Os tractors foram muito populares e dizem até que George Washington comprou um.

Os tractors chegaram à Grã-Bretanha em 1799 e se tornaram populares em Bath, cidade que já se constituía em centro de tratamento médico, devido às águas termais e spas, usados desde os tempos do Império Romano. Entretanto, o Dr. John Haygarth achava que os tractors eram uma bobagem e propôs testar seus efeitos em um estudo clínico. Para tanto, confeccionou alguns tractors de madeira que foram pintados de modo que ficassem idênticos aos tractores de metal de Perkins. Porém, como eram de madeira, não seriam capazes de conduzir eletricidade.

Em uma série de dez pacientes (cinco tratados com os tractors de verdade e cinco com os de madeira), os tractors “placebo” funcionaram tão bem quanto os de metal.

Com isso, Haygarth concluiu que, na verdade, os tractors não funcionavam.

O curioso é que o estudo não demonstrou que os tractors não beneficiavam os pacientes. Simplesmente revelou que eles não produziam benefício algum através do uso de eletricidade no tratamento. O próprio Haygarth reconheceu que os tractors de madeira funcionavam muito bem. Ele atribuiu esse fato à fé que as pessoas tinham no tratamento.

Outros exemplos de estudo placebo-controlados testaram os efeitos de comprimidos homeopáticos, comparando-os com comprimidos feitos de pão. Um desses primeiros estudos demonstrou que não fazer nada era melhor do que a medicina homeopática quanto alopática (a medicina convencional) juntas.

Em meados do século XX, os estudos controlados por placebo eram prevalentes o bastante para que Henry Knowles Beecher produzisse um dos primeiros exemplos de “revisão sistemática” que estimava o poder do placebo. Beecher serviu no Exército dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Enquanto combatia na linha de frente, no sul da Itália, o estoque de morfina estava acabando e Beecher teria relatado que testemunhou algo que o surpreendeu. Em vez de injetar morfina em um soldado ferido antes de uma cirurgia, uma enfermeira injetou solução salina no paciente. O soldado pensou mesmo que era morfina e não aparentou sentir dor alguma.

Depois da guerra, Beecher revisou quinze estudos placebo-controlados de tratamentos para a dor e para várias outras enfermidades. Os estudos foram conduzidos com 1.082 pacientes e demostraram que, em geral, 35% dos sintomas dos pacientes eram aliviados apenas pelo uso do placebo. Em 1955, Beecher publicou o estudo no seu famoso artigo O Poderoso Placebo.

Nos anos 1990, pesquisadores questionaram os dados de Beecher, com base no fato de que as pessoas que melhoraram depois de tomarem placebo poderiam ter se recuperado mesmo se não tivessem tomado. No campo da filosofia, a inferência possivelmente equivocada de que o placebo levou à cura é conhecida como a falácia post hoc ergo propter hoc (depois disso, então, é causado por isso).

Para saber se os placebos realmente são capazes de fazer com que os pacientes se sintam melhor, temos que comparar pessoas que usam placebo com outras que não recebem tratamento algum. Isso foi o que fizeram os pesquisadores dinamarqueses Asbjørn Hróbjartsson e Peter Gøtzsche. Eles observaram estudos cujos desenhos tinham três ramos: incluíam o grupo que recebia o tratamento ativo, o grupo controlado por placebo e grupos que não recebiam tratamento algum. Eles, então, observaram para checar se o placebo era melhor do que não fazer nada. E descobriram um pequeno efeito do placebo que poderia ter sido causado por um viés. Concluíram que “há pouca evidência de que os placebos, em geral, têm efeitos clínicos poderosos” e publicaram os resultados em um artigo, cujo título questionava se O placebo é ineficaz?, o que contrastava diretamente com o título do trabalho de Beecher.

Com isso, Hróbjartsson e Gøtzsche corrigiram o erro de Beecher, criando outro. Eles incluíram qualquer coisa rotulada como placebo em estudos para diversas condições clínicas. Tal comparação, como a de maçãs com laranjas, não pode ser adequada. Se observássemos o efeito de um tratamento para qualquer condição e encontrássemos que havia um mínimo efeito, mediano que fosse, mesmo assim não poderíamos concluir que os tratamentos não foram eficazes. Eu expus esse erro em uma revisão sistemática e agora já se aceita que, da mesma maneira que alguns tratamentos são eficazes para algumas queixas mas não funcionam para todas, alguns placebos são eficazes para alguns sintomas – especialmente a dor.

Cirurgia placebo

Recentemente, passou-se a realizar estudos de cirurgias placebo-controladas.

No estudo que talvez seja o mais famoso dessa área, o cirurgião estadunidense Bruce Moseley analisou 180 pacientes que sentiam uma dor no joelho tão forte, que até mesmo os melhores remédios não funcionavam. Na metade dos pacientes, Moseley fez uma artroscopia verdadeira e, na outra metade, somente uma artroscopia-placebo.

Os pacientes no grupo da artroscopia-placebo receberam anestesia e realizou-se uma pequena incisão nos seus joelhos, porém sem artroscópio, sem reparação da cartilagem afetada, nem limpeza de fragmentos ósseos soltos.

Para que os pacientes não soubessem em que grupo estavam, os médicos e enfermeiros conversavam durante o procedimento real, como se estivessem realizando o procedimento placebo.

A falsa cirurgia funcionou tão bem como a “verdadeira”.  Uma revisão de mais de 50 estudos de cirurgias controladas por placebo chegou à conclusão de que a cirurgia placebo era tão boa quanto a cirurgia real em mais da metade dos estudos clínicos.

A cirurgia placebo do joelho funciona tão bem quanto a real. Foto de Angelo Esslinger-Pixabay

Placebos  sinceros

Um placebo pode funcionar mesmo que o paciente não acredite que seja um tratamento “real”.

Dos primeiros estudos abertos com placebo que conheço (quando os pacientes sabem que estão recebendo placebo), dois médicos de Baltimore, Lee Park e Uno Covi, deram placebo a quinze pacientes neuróticos que sabiam que estavam recebendo placebo. Eles mostraram os comprimidos de placebo aos pacientes e disseram: “Muitas pessoas que têm a mesma doença que vocês melhoraram com comprimidos de açúcar e nós consideramos que esses comprimidos podem ajudar vocês também”.

Os pacientes tomaram o placebo e muitos deles melhoraram depois de tomar os comprimidos – mesmo sabendo que era placebo. Porém, os pacientes eram neuróticos – e um pouco paranoicos, digamos –, por isso, não acreditaram nos médicos. Depois da melhora pelo uso do placebo, eles pensaram que os médicos haviam mentido e que estavam lhes dando remédio com o princípio ativo.

Recentemente, vários estudos de maior qualidade confirmam que os placebos administrados abertamente podem funcionar. Estes placebos “sinceros” podem funcionar, porque os pacientes apresentam uma resposta condicionada a uma consulta com o médico.

Da mesma maneira que um corpo aracnofóbico pode reagir negativamente a uma aranha, ainda que saiba que a aranha não é venenosa, algumas pessoas podem reagir favoravelmente ao tratamento prescrito por um médico, mesmo sabendo que esse médico está receitando um comprimido de açúcar.

A história do aprendizado sobre como funcionam os placebos

Um estudo antigo, que investigava a farmacologia interna dos mecanismos do placebo, de autoria de Jon Levine e Newton Gordon, data de 1978. O estudo, conduzido com um grupo de 51 pacientes, versava sobre a extração de dentes molares inclusos. Todos os 51 pacientes tinham recebido um analgésico chamado mepivacaína para auxiliar no procedimento cirúrgico. Passadas 3 e 4 horas após a cirurgia, os pacientes receberam morfina, placebo ou naloxona. Os pacientes não sabiam o que estavam recebendo.

A naloxona é um antagonista de opioide. Isso significa que ela bloqueia os efeitos de medicamentos como a morfina e endorfinas. Literalmente, a naloxona bloqueia os receptores celulares, de maneira a impedir que a morfina (ou endorfinas) se ligue a esses receptores. A naloxona é usada para tratar a overdose por morfina.

Os pesquisadores descobriram que a naloxona bloqueava os efeitos analgésicos dos placebos. Isso revelou que os placebos provocam a liberação de endorfinas analgésicas.

Desde então, muitos experimentos confirmaram esses resultados. Centenas de outros comprovam que tratamentos com placebo afetam o cérebro e o corpo de diferentes maneiras.

Os principais mecanismos através dos quais se acredita que os placebos funcionam são a expectativa e o condicionamento.

Em um estudo bastante abrangente sobre os mecanismos da expectativa e do condicionamento, publicado em 1999, Martina Amanzio e Fabrizio Benedetti dividiram 229 participantes em 12 grupos. Os grupos receberam uma variedade de medicamentos, foram condicionados de diversas maneiras e receberam distintas mensagens (para induzir mais ou menos expectativa). O estudo demonstrou que os efeitos do placebo eram produzidos pela expectativa e pelo condicionamento.

Apesar do progresso, alguns pesquisadores afirmam – e eu discordo desses argumentos – que há algum mistério relacionado ao funcionamento dos placebos. Em um comunicado, o doutor Dan Moerman, médico antropologista e etnobotanista, explicou de maneira bastante clara, muito melhor que eu o faria, que:

a partir da observação de ressonâncias magnéticas, sabemos que é muito fácil ver o que ocorre no interior das amígdalas cerebrais, ou de que outra parte do cérebro que também possa estar envolvida. Porém, o que afetou a amígdala… bem, isso requer muito trabalho.

História da ética no uso do placebo

Na prática clínica, a visão atual é de que os placebos não são éticos, porque envolvem uma ideia de prática enganosa. Essa visão ainda não é completamente aceita, porque há evidência de que não precisamos enganar ninguém para que os placebos funcionem.

Entretanto, a história da ética dos grupos placebo-controlados nos estudos é bem mais complexa. Agora que temos muitos tratamentos eficazes, podemos comparar os novos com os tratamentos comprovados. Por que um paciente aceitaria participar de um estudo de comparação entre um novo tratamento com o uso de placebo, quando poderia muito bem participar de um estudo de um novo tratamento comparado com um já comprovado?

Os médicos que participam desses estudos podem estar violando seu compromisso ético de ajudar e de evitar danos aos seus pacientes. Inicialmente, a Associação Médica Mundial proibiu estudos placebo-controlados caso estivesse disponível um tratamento já comprovado.

Porém, em 2010, a associação reverteu esse posicionamento e afirmou que, às vezes, necessitávamos estudos placebo-controlados, ainda que um tratamento já comprovado estivesse disponível. A associação alegou que havia razões “científicas” para isso.

Essas razões “científicas” foram apresentadas utilizando conceitos obscuros (para a maioria das pessoas), como a “sensibilidade do teste” e a “dimensão do efeito absoluto”.

Em bom português, estão reduzindo tudo a duas (equivocadas) afirmações:

  1. Dizem que somente podemos confiar nos controles com o uso de placebo. No passado, isso foi verdade. Historicamente, tratamentos como a sangria e a cocaína eram usados para tratar um grande número de enfermidades, ainda que na maioria dos casos fossem prejudiciais. Digamos que tivéssemos realizado um estudo comparando a sangria com a cocaína para o tratamento da ansiedade e fosse constatado que a sangria era melhor do que a cocaína. Não seria possível inferir que a sangria era eficaz: ela poderia ter sido pior do que usar um placebo ou não fazer nada. Nesses casos históricos, teria sido melhor comparar aqueles tratamentos com um placebo. Mas, agora, temos tratamentos eficazes que podem ser usados como parâmetros de referência. Assim, se aparecer um novo medicamento para o tratamento da ansiedade, poderíamos compará-lo com o tratamento eficaz comprovado. Se fosse comprovado que o novo tratamento é, pelo menos, tão bom como o anterior, então poderíamos dizer que ele é eficaz.
  1. A associação afirma também que somente o controle com placebo oferece um valor de base constante. Isso tem fundamento na visão errada de que tratamentos com placebo são “inertes” e, portanto, têm efeitos constantes e invariáveis. Isso, também, é um equívoco. Em uma revisão sistemática de comprimidos de placebo usados em estudos de úlcera, a resposta do placebo variou de 0% (sem nenhum efeito) a 100% (cura completa).

À medida que as teses que apoiam os estudos placebo-controlados estão sendo questionadas, existe agora um movimento que demanda a Associação Médica Mundial a dar outra meia-volta e assumir novamente sua posição inicial.

Placebo: tomar ou não tomar?

Por séculos, a palavra “placebo” esteve fortemente relacionada à ideia de enganar e satisfazer as pessoas. Estudos recentes que usaram abertamente o placebo mostram que eles não necessitam ser enganadores para que funcionem. Muito pelo contrário, os estudos com placebo mostram que eles não são inertes ou invariáveis. Assim, a fundamentação da Associação Médica Mundial acabou sendo enfraquecida. A história recente dos placebos parece preparar o caminho para que tratamentos com placebo sejam cada vez mais uma opção na prática clínica e menos nos estudos clínicos.

Agradeço à Biblioteca James Lind, aos escritos de Ted Kaptchuk e Jeffrey Aronson e à orientação de Dan Moerman.  


Traduzido do inglês por Graça Pinheiro / Revisado por José Luiz Corrêa

O artigo original pode ser visto aquí