Mariana Reis*

Desci do avião: que terra úmida! Eu estive em Manaus no final de 2017. Cheguei com muita dor da endometriose, doença que eu ainda não sabia que tinha. Suava sem parar. A primeira coisa que notei foi o sorriso das pessoas. Quando a gente está com dor, trombar com um sorriso espontâneo é como ganhar um abraço.

Nesse mesmo dia, no final da tarde, fui com alguns amigos até a praia da Ponta Negra. Entrei devagarzinho que era para sentir a água aliviando meu ventre-árvore. O sol já se punha e aquela escuridão que surgia se misturava com o rio negro. Perdi o fôlego.

Minha pele amanhecia emocionada. Nas ruas, nos pontos turísticos e no meio daquela gente sorridente, minha pele continuava a lacrimejar. Demorei um pouco para me acostumar com o pulmão do mundo. Respirar pelas camadas da derme é um misto de sufoco e alívio.

No mirante, vi a floresta lá do alto, o ar entrando e saindo dos meus pulmões, aves de tudo quanto era espécie querendo se fazer ouvir e, sabe-se lá quantos outros animais escondidos pelos brônquios dos troncos, numa reza rouca.

Manaus tirou minha dor que transpirou. Sabores me salivavam o peito que subia e descia, no mesmo ritmo da cidade. No mercadão, conheci um senhor que vendia tudo quanto era de curar. Atrás do balcão, cercado pela alquimia ancestral, disse que a copaíba era a seiva sagrada da árvore. Que coisa bonita para se dizer para quem gosta da poesia das palavras-remédios.

Ontem li o relato de um médico sobre a situação da pandemia em Manaus. Ele dizia que era terrível ter formação, residência e doutorado e não ter oxigênio para salvar pessoas. No pulmão do mundo, homens e mulheres ficaram sem respirar, por asfixia do Estado.

Penso que, o verdadeiro paradoxo é viver num país que tem o privilégio de existir pulsando com a maior floresta tropical do mundo, mas seus governantes não a consideram como parte da nossa existência. Assim como, desconsideram a saúde pública, universal e de qualidade, prevista na Seguridade Social, da Constituição Federal de 1988.

Tanto a floresta, como o SUS são de todos/as nós. É inadmissível que falte oxigênio em um hospital público. É dever preservarmos nossa floresta. E que seja autorizado perdermos o fôlego, apenas, em contemplação pelo espetáculo da natureza.

Eu dormi um dia na Floresta Amazônica nessa mesma viagem. Acordei um pouco mais humana, foi como deitar na terra-mãe e acordar raiz.

Desejo essa humanidade aos nossos governantes. Honro os/as profissionais que tem feito o impossível para que as pessoas continuem pulsando, assim como a floresta.

Por Manaus, eu sinto muito.

Por isso, escrevo.

 

 

*Mariana Reis é Assistente Social, Mestra em Serviço Social e Políticas Sociais. Poeta, educadora, escritora e incentivadora da leitura, como ato de amor revolucionário. Poesia em Travessia é seu primeiro livro, inspirado em Guimarães Rosa e Manoel de Barros. Fala sobre livros e literatura no Instagram @sobretudolivros. Lives com autoras nacionais é seu mais novo projeto literário, com objetivo de divulgar escritoras mulheres. No sertão mineiro foi batizada Caliandra na ciranda de luas-mulheres, que de todas as partes do Brasil, nutrem a terra com seu sangue e sua luta.