A China tem sido o principal tópico de discussão nos corredores da política externa na maioria dos países. Alguns países classificaram suas políticas como expansionistas, alguns são críticos de suas políticas comerciais e de direitos humanos. Ao mesmo tempo, para alguns, o país é um aliado em qualquer situação. A China recentemente derrotou quase todos os países que criticaram sua conduta no tratamento da crise pela Covid-19, no envio de aviões de guerra ao estreito de Taiwan, confrontos com a Índia, problemas com o Canadá em relação à Huawei e o enfrentamento de manifestantes em Hong Kong. Com esses eventos, a China passa a ser uma causa de ansiedade e de um exaustivo pensamento estratégico para a comunidade diplomática em todo o mundo. Um tópico frequentemente discutido tem sido o que orienta, precisamente, a política externa chinesa, o que também nos permite examiná-la a partir de uma perspectiva histórica e atual.
Perspectiva histórica
Em 1949, os comunistas chineses venceram uma guerra civil nacional que acabou transformando a República da China (ROC) na República Popular da China (RPC). O governo nacionalista teve que encontrar um lugar em Taiwan. Com Mao no comando dos próximos dez anos, houve uma estreita cooperação, na verdade, uma aliança com a União Soviética (URSS) em assuntos internacionais. A cooperação deles foi visível de maneira formidável durante a guerra da Coreia. A hostilidade de Pequim em relação aos EUA e a reciprocidade de Washington intensificou a Guerra Fria na região.
Posteriormente, Deng Xiaoping seguiu um curso sem precedentes, em que reformas bem-sucedidas foram feitas para permitir a abertura para uma economia capitalista internacional, juntamente com a continuação do regime de partido único do Partido Comunista. O novo processo de pensamento, ou seja, “Marxismo-Leninismo-Mao Zedongismo”, ainda era a base da nova China. Mais tarde, as relações entre a China e a URSS se deterioraram logo depois, quando Khruschev estava no poder na URSS. Khruschev, segundo a liderança chinesa, havia adotado uma política de “indecisão” em relação ao Ocidente. Depois, com a visita do presidente Nixon a Pequim, os laços entre os Estados Unidos e a China melhoraram.
É essencial entender os objetivos da política externa de acordo com o Partido Comunista Chinês (PCC) para avaliar com precisão a relação da China com o mundo exterior. A construção da política externa do PCC repousa na adesão a princípios ideológicos, embora seja flexível. Depois de 1980, passou a ser mais flexível ideologicamente, ao mesmo tempo em que se abriu internacionalmente de maneira robusta. De acordo com Evan Medeiros, os objetivos da política externa da China são, principalmente, o desenvolvimento econômico, o acesso aos recursos naturais e a redução da aceitação de Taiwan.
Cenário atual
A China começou a se abrir para o mundo exterior em todas as direções e em todos os níveis. Muitos métodos novos foram empregados para exercer sua influência sobre outras nações. O objetivo principal é o desenvolvimento econômico robusto e o crescimento sustentável. A segurança em risco exigiria que a China desviasse recursos da reforma econômica, resultando em redução do crescimento no longo prazo. Consequentemente, ao contrário de outras nações que conquistaram a independência na mesma época, a China conseguiu desenvolver sua força militar junto com a economia. Iniciativas de política externa apoiadas por força militar estabilizaram sua segurança regional para enfrentar ameaças antigas e emergentes.
Um pilar essencial para a política externa da China hoje é expandir o acesso ao comércio, auxílio, investimento, recursos e tecnologia. Isso pode exigir a criação de blocos, o desenvolvimento de infraestrutura e a manutenção de relações políticas bilaterais. Um dos muitos exemplos é a iniciativa OBOR (“One Belt, One Road” ― Rota criada para interligar o Oriente ao Ocidente). Em 2013, o presidente Xi Jinping apresentou a iniciativa ‘One Belt, One Road’ (OBOR), que se concentra em reunir China, Ásia, Rússia e Europa. Também ligará a China ao Golfo Pérsico e ao Mar Mediterrâneo, através da Ásia Central e Ocidental.
Outro aspecto importante é o fator “sentir-se bem”, incorporado pela liderança chinesa no final dos anos 90. Eles perceberam que seus vizinhos asiáticos ficaram apreensivos com suas intenções. Tudo começou quando a China expressou disposição de buscar reivindicações territoriais em disputa, como as do Mar da China Meridional e Taiwan. O aumento do poder econômico e militar chinês gerou ansiedade nos países vizinhos e também em todo o mundo. Isso levou o estabelecimento chinês a se apresentar como uma potência regional responsável, que contribuiria para o crescimento e a prosperidade de seu vizinho. Tal fato contribuiu para que muitos países aproveitassem a ajuda chinesa em termos de finanças e conhecimento. E isso fez com que muitos mais países aderissem à iniciativa OBOR (“One Belt and One Road”).
Era importante para a China manter fácil acesso aos recursos naturais em todo o mundo para alimentar seu crescimento econômico contínuo. Isso incluía não apenas hidrocarbonetos, mas também cobre, madeira e cimento. De acordo com as projeções, a demanda da China pela maioria desses recursos deve crescer significativamente nos próximos 20 anos. Ela também gerou um novo entusiasmo no relacionamento da China com o Oriente Médio e muitos países ricos em minerais da África e da América Latina. Esse maior vigor no relacionamento, que acabou resultando na formação de blocos, é motivo de preocupação para outros países com os quais a China costuma ter disputas comerciais e concorrência.
No âmbito internacional, a China utiliza com frequência a “diplomacia do dólar” como engrenagem para obter os resultados desejados de política externa. Muitos especialistas citaram que pacotes de ajuda têm sido frequentemente usados para negar a Taiwan qualquer espaço ou status internacional, para torná-lo inclinado a Pequim. Essa estratégia funcionou bem com muitos países africanos e latino-americanos. Os melhores exemplos podem ser Costa Rica e Paraguai.
De acordo com relatos da imprensa, a China construiu o porto do Irã em Chabahar, que é crítico para um projeto de gasoduto que pode desafiar os esforços para proibir as exportações iranianas. A China também investiu US$ 400 bilhões para atualizar o setor petrolífero do Irã, o que impulsionaria significativamente sua economia. Segundo relatos, a presença chinesa também está de olho nos movimentos estratégicos em torno do Oriente Médio. Ela agora também controlará o porto de Hambantota, no Sri Lanka, pelos próximos 99 anos, o que a deixa em uma vantagem estratégica no Oceano Índico.
De acordo com uma reportagem do New York Times, cerca de 35 portos em todo o mundo foram financiados pela China. Eles estão distribuídos pela África, Ásia, Europa e até Austrália. Os investimentos chineses geralmente vêm em condições mais fáceis do que as impostas pelos doadores ocidentais.
Com tanta influência da China em todo o mundo, valerá a pena negociar com o país somente depois de fazer aliados e criar uma frente unida. A administração dos EUA vinha tentando fazer isso unindo (até certo ponto) o Japão, a Austrália e até a Índia. Espera-se que a China seja mais amistosa e razoável, uma vez que precisa lidar com uma frente combinada que representa mais da metade da economia mundial.
Entretanto, será difícil encontrar aliados, já que há interesses próprios em países ocidentais, considerando o enorme papel que a China tem na produção global e nos assuntos internacionais. Sem uma abordagem coerente, as democracias ocidentais terão extrema dificuldade em obter os resultados desejados com a China.
Nadeem Khan é uma autora e palestrante de Toronto.
Traduzido do Inglês por Luciana Leal / Revisado por Graça Pinheiro