CONTO

 

 

Por C. Alfredo Soares

 

 

O sol ardia impávido no céu que nem o vento forte aliviava o calor. A seca ajudava a levantar uma poeira que dificultava a visão. Mesmo assim era preciso caminhar léguas até chegar à propriedade.

Se bem que pra’quele homem nada justificaria meu corpo mole. Sua disposição era tanta que incomodava quem se indispunha às condições climáticas.

Seu sítio era um oásis em meio ao roçado tombado preparando a terra para a próxima safra.  Chegando lá a água da cacimba, estocada na talha de barro, era um bálsamo que descia macio refrescando o peito. Era assim que ele recebia os bem vindos. Um bom dia vigoroso é uma caneca na mão direita, que nos repassava e enchia com a moringa noutra mão.

A casa simples, de muitas janelas e um alpendre, era fresca. No quintal uma enorme mangueira despejava mangas maduras pelo chão, servindo também como um grande sombreiro para as conversas jogadas fora, regadas com muitas risadas e cantoria. Por ali haviam passado seus antepassados. Nós apenas estávamos repetindo um habito do local – Suspeito que nessas inúmeras reuniões muita gente que já se foi, volte pra acompanhar a prosa do alto dos galhos da árvore frondosa – Me lembro da história da cobra que errou o bote. Sentamos no banco e puxamos conversa.

Ele tirou o chapéu e começou a falar. A gente incentiva querendo saber detalhes. De vez em quando alguém acrescentava algo e apimentava a história. Ali não se julgava se era fato ou mentira, só queríamos desfrutar daquela presença e sabedoria. A oralidade se fazia presente perpetuando o saber do lugar. Algo imemorial que nem aqueles homens sabiam existir.

Ele era um griô natural do lugar.

Naquele dia contava que certa vez foi dormir e percebeu que tinha algo a mais no seu quarto. Pegou a lamparina e vasculhou os quatro cantos da casa. Não encontrou nada. Resolveu deitar, não sem antes rezar seu Pai  Nosso e pedir proteção aos seus santos. Por hábito ele colocava uma peixeira em cima da caixa de madeira que servia de criado mudo e no chão um litro de cachaça, ao lado de um copo com uma dose da pinga. A peixeira era para algum imprevisto e a pinga para amolecer o corpo caso não conseguisse dormir. Mas a sensação de que havia algo de estranho no espaço continuava. Sua intuição não falhava. Foi quando ele ouviu algo roçando no chão espreitando  debaixo da cama.

Imediatamente ele pegou a peixeira e a lamparina, que ficava acesa até o querosene acabar. Ato contínuo deu um pulo da cama, mas continuou sem encontrar o que ou quem estava ali com ele.

Pensou que era um espírito do mato, ouvia sempre a seu avô falar deles, mas sempre respeitou as crendices por saber que na mata não tem só bichos.

Foi então que a bicha chocalhou o rabo. Era uma cobra das grandes. Naquela luz difusa ele não conseguiu vê-la antes de ser visto. Pensou: é hoje que vou morrer. Uma picada ali seria fatal. Seu vizinho mais próximo ficava distante. A cobra armou o bote e se lançou contra a sua perna. Ele, estático de medo, não conseguiu sair do lugar.

Foi quando a peçonhenta esborrachou a cara na parede errando a sua perna, a pouco metros de distância. O erro foi fatal pra ela. O homem era ágil na peixeira. Diante da oportunidade de se manter vivo, meteu a peixeira abaixo da cabeça da cobra e a matou num golpe só. Perguntamos a ele como havia conseguido tal proeza. No que ele respondeu:

– Sabe a dose de pinga que deixo sempre aos pés da cama, ao lado da garrafa? Ela tombou e lambeu a marvada todinha. Foi a minha salvação.  Ela errou o bote e acabou indo pra panela virar torresmo.

A cobra estava de fogo e eu não.

A gente ria até dar dor na barriga e sair lágrimas dos olhos. Mas ninguém se atrevia duvidar da veracidade do causo.

Até por que o próximo encontro já estava marcado e ninguém iria perder a chance de se renuncie debaixo daquela mangueira pra ouvir seu Jorge com suas prosas que dão sentindo a nossa existência.