O Solstício do Inverno, considerado o dia mais escuro do ano, já passou, entretanto, dias mais escuros da pandemia do coronavírus ainda estão por vir. A COVID-19 matou mais de 320.000 pessoas nos Estados Unidos, que possui quase 18 milhões de casos. As mortes e as hospitalizações quebram os recordes em uma base diária. Embora duas vacinas tenham sido aprovadas para uso nos Estados Unidos, as remessas iniciais estão aquém das doses esperadas. Afro-americanos, Latinos e comunidades nativo americanas foram atingidas duramente e de forma desproporcional pela pandemia, sofrendo uma convergência do sistema racista, sem acesso ao cuidado adequado de saúde e, muito frequentemente, expostos às fontes de poluição, que aumentam os riscos de contaminação pelo COVID-19.  

“O que nós devemos focalizar é na distribuição igualitária,” Dr. Taison Bell, médico de cuidados intensivos e de doenças infecciosas, da Universidade de Virgínia em Charlottesville, declarou no Democracia já!, hora das notícias, pouco tempo depois de ter recebido sua primeira dose de vacina da Pfizer. “Pensando em nossos provedores de maior risco… fornecendo atendimento na linha de frente contra o COVID.”

O Dr. Bell, de origem afro-americana, explicou em uma entrevista na revista New Yorker como, durante os protestos que explodiram após o assassinato de George Floyd pela polícia de Minneapolis em maio, ele estava dividido entre suas obrigações como médico e como cidadão: “Racismo e COVID, são fatores que competem entre si, estão matando minha comunidade. É muito injusto não poder lutar contra os dois ao mesmo tempo”.

Ele ainda, no Democracia Já!, descreveu um detalhe perturbador acerca da distribuição da vacina da Pfizer-BioNTech:

“Meharry Medical College e seu hospital afiliado, Nashville General, foram omitidos para as remessas iniciais de vacinas da Pfizer. Meharry é o maior centro privado de ciências acadêmicas historicamente negras do país. Eles têm liderado o combate ao COVID-19, e seus trabalhadores são de risco extremamente alto. Além disso, seu presidente e CEO, Dr. James Hildreth, está no comitê consultivo da Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês), que inicialmente revisou e aprovou a vacina.”

A Meharry, fundada em 1876 durante a Reconstrução, também está realizando seus próprios testes de vacinas, recrutando pessoas de diferentes etnias para participar, garantindo que qualquer vacina aprovada também seja segura para essas comunidades fortemente afetadas.

Uma pesquisa recente do Pew Research Center descobriu que apenas 42% dos afro-americanos estão inclinados a tomar a vacina, em comparação com mais de 60% de pessoas brancas e da população latina.

“Os experimentos antiéticos e abusivos com a vacina, especialmente no mundo em desenvolvimento, chamaram a atenção de afro-americanos e outros [e] têm sido muito preocupantes”, Harriet Washington, especialista em ética médica e autora de “Medical Apartheid: A História Sombria dos Experimentos Médicos com Americanos Negros”,” declarou no Democracia Já!

Entre os exemplos documentados está a notória experiência do Estudo da Sífilis Não Tratada de Tuskegee.. De 1932 a 1972, o Serviço Público de Saúde dos Estados Unidos prometeu tratamento para a sífilis a 400 homens afro-americanos, depois mentiu para eles, os injetando com placebos. As autoridades então estudaram como a doença progredia quando, propositalmente, deixada sem tratamento. Muitos homens morreram.

Harriet Washington também detalhou os entusiasmados experimentos de vacinação contra a varíola conduzidos por Thomas Jefferson – em seus escravos. Em 1801, Washington escreve, “Jefferson passou o verão vacinando 200 escravos pertencentes a sua família e a de seus vizinhos’. Somente depois que sobreviveram à doença é que Jefferson vacinou sua própria família, em Monticello.”

O Dr. Taison Bell mudou-se para Charlottesville pouco antes do comício da supremacia branca “Unite the Right”( “Unir a Direita”) em 2017, que protestava contra a proposta de remoção de uma estátua do general confederado Robert E. Lee. Uma contra manifestante antifascista, Heather Heyer, foi morta por um supremacista branco, e muitos outros ficaram feridos. 

Esta semana, conforme o Dr. Bell recebeu sua dose da vacina do coronavírus, a Comunidade da Virgínia substituiu a estátua de Robert E. Lee no Statuary Hall do Capitólio dos Estados Unidos pela estátua de uma mulher negra, Barbara Johns. Aos 16 anos, em 1951, Barbara Johns e outros alunos afro-americanos do ensino médio organizaram uma greve na zona rural do condado de Prince Edward, na Virgínia, protestando contra suas instalações escolares grosseiramente desiguais em comparação às fornecidas para estudantes brancos. O caso foi levado pela Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP na sigla em inglês), em seguida, o caso foi julgado pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos, na decisão Brown v. Board of Education (a decisão considerou inconstitucional as divisões raciais entre estudantes brancos e negros em escolas públicas), encerrando a segregação escolar oficial nos EUA. 

“Não passou despercebido que trabalho em uma instituição fundada por um membro da sociedade que era muito estimado, mas achava que pessoas como eu não mereciam ser educadas”, disse o Dr. Bell em Democracia Já!, referindo-se ao fundador da Universidade de Virgínia, o presidente dos Estados Unidos Thomas Jefferson. “Temos que tirar nossos símbolos que honram legados que não concordam com a verdadeira natureza da democracia americana,” ele acrescentou, “mas nós também temos que nos certificar de que nossas ações falam por nossas palavras… focalizando na distribuição equitativa, pensando nas comunidades negras e pardas desde o início.”

Equidade na saúde significa distribuição gratuita e justa de vacinas e tratamentos para a COVID-19. Qualquer coisa menos que isso, será mais um marco do racismo na América.


Traduzido do inglês por Mychelle Patrícia de J. M. Medeiros / Revisado por Luma Garcia Camargo