Em seu despacho, Fachin pede as justificativas apresentadas pelo Executivo Fluminense ao Ministério Público para a realização de ao menos nove operações policiais que resultaram em 18 pessoas mortas e quatro feridas. O Ministério Público também foi intimado a prestar contas sobre as investigações realizadas até o momento a respeito das mortes decorrentes de intervenção policial.
A decisão acontece após denúncia enviada ao STF em 6 de novembro por entidades da sociedade civil, movimentos sociais das favelas fluminenses, mães de vítimas da violência policial e o PSB (Partido Socialista Brasileiro). No documento, as organizações pedem a intimação do governador interino do Rio de Janeiro, Claudio Castro, além dos Secretários de Estado de Polícia Militar e Polícia Civil para explicar as ações policiais ocorridas durante a pandemia de Covid-19.
Leia na íntegra a petição ao STF feita pela sociedade civil
Segundo levantamento feito pela Defensoria Pública do Estado do Rio e de movimentos e coletivos da sociedade civil, entre os meses de agosto e outubro, houve ações policiais no Morro dos Macacos, Morro da Coroa, Jacarezinho e Manguinhos, Lins de Vasconcelos e Conjunto de favelas da Maré, todas na capital fluminense, além de Viradouro (Niterói), KM 32 (Nova Iguaçu) e Mangueirinha (Duque de Caxias).
O pedido ao STF aconteceu após operação policial no Complexo da Maré, realizada em 27 de outubro, em que uma jovem grávida de quatro meses perdeu o bebê depois de ser atingida por disparo. De acordo com apuração realizada pela ONG Redes da Maré a partir dos relatos de vizinhos, não havia confronto no momento em que a jovem foi alvejada. Ela estava na porta de sua casa e foi socorrida pelos próprios moradores. Segundo a Redes da Maré, os agentes policiais responsáveis pela ação recolheram as cápsulas e limparam as manchas de sangue, descumprindo determinação do STF que exigia preservação da cena do crime.
Desde junho, após decisão do ministro Edson Fachin referendada em agosto pelo plenário do STF, as operações policiais no Rio foram suspensas durante a pandemia de Covid-19, salvo em hipóteses absolutamente excepcionais, que devem ser devidamente justificadas por escrito pela autoridade competente, com a comunicação imediata ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.
“O incremento das operações policiais descortina, em igual medida, a generalização das situações de descumprimento das determinações deste Supremo Tribunal Federal, colocando em risco as importantes conquistas que levaram à preservação de centenas de vidas nos últimos meses”, destacaram as entidades na petição ao STF. “Pretende-se, antes, conferir a esta Corte a dimensão da gravidade deste cenário de recrudescimento explícito da política de confronto armado, com consequências imensuráveis para a população negra, desproporcionalmente exposta à violência de estado”, declararam as entidades em petição encaminhada ao Supremo.
Segundo dados do Painel Coronavírus, do Ministério da Saúde, o Estado do Rio de Janeiro acumula mais de 340 mil casos de Covid-19 e 22.256 óbitos pela doença até o momento.
Recrudescimento da violência policial
De acordo com informações do ISP (Instituto de Segurança Pública) do Rio de Janeiro, o número de pessoas mortas por agentes policiais em outubro é o segundo maior já registrado para o mês em 23 anos desde o início da série histórica do ISP. Foram 145 mortes registradas no período.
O aumento de letalidade veio acompanhado do incremento do número de operações policiais. Relatório do GENI/UFF (Grupo de Estudo Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense) aponta o crescimento do número de operações policiais em outubro na Região Metropolitana do Rio de Janeiro – foram 38 operações em outubro em comparação com as 19 ocorridas em setembro.
O aumento da letalidade policial foi acompanhado do aumento de outros indicadores de violência, revertendo também a tendência de queda verificada nos meses anteriores. Segundo o estudo do grupo GENI, com base nos dados do ISP, entre os meses de setembro e outubro, os crimes contra a vida aumentaram 55% na Região Metropolitana do Rio, com destaque para o crescimento de 20% para os homicídios dolosos. Os crimes contra o patrimônio anotaram aumento de 9%.
Ação inédita no STF
Apelidada como “ADPF das Favelas”, a ADPF-635 (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) foi proposta pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro) e construída coletivamente com a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Educafro, Justiça Global, Redes da Maré, Conectas Direitos Humanos, Movimento Negro Unificado, Iser, IDMJR, Coletivo Papo Reto, Coletivo Fala Akari, Rede de Comunidades e Movimento contra a Violência, Mães de Manguinhos, todas entidades e movimentos sociais reconhecidas como amici curiae no processo.
A ADPF das Favelas pede que sejam reconhecidas e sanadas as graves violações ocasionadas pela política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro à população negra e pobre das periferias e favelas.