Eles não sabiam?
Essa foi a pergunta que todos se fizeram após os líderes das Forças de Defesa da Austrália afirmarem que não sabiam das atrocidades cometidas pelas forças especiais no Afeganistão.
A mesma pergunta vem sendo feita em relação aos líderes da Rio Tinto, empresa multinacional de mineração, depois que a mesma ignorou os pedidos dos povos Puutu Kunti Kurrama e Pinikura (PKKP) para não destruírem as cavernas que contêm heranças aborígenes, cujo valor é inestimável e datam mais de 46 mil anos.
Alguns executivos do alto escalão da Rio Tinto, incluindo o presidente, aparentemente não sabiam o que se passava, até ser tarde demais. Assim:
- apesar da empresa ter em mãos um detalhado relatório arqueológico sobre o valor patrimonial das cavernas
- apesar da representatividade e do significado das cavernas, as quais são preservadas pelos proprietários tradicionais das terras
- apesar da preocupação dos próprios funcionários da Rio Tinto sobre o patrimônio cultural existente na Austrália Ocidental.
1.19 A Rio Tinto continuou realizando escavações com explosivos mesmo após a reunião com a PKKP. Mais de 130 perfurações com explosivos foram feitas nos dias 16 e 17 de maio de 2020, e mais 22 foram detonadas em 19 de maio de 2020. 1.20 Em 18 de maio de 2020, a equipe da Rio Tinto encarregada dos cuidados ao patrimônio recomendou que todas as detonações planejadas dentro de um raio de 350 metros das cavernas Juukan 1 e 2 fossem temporariamente suspensas de modo a consultar o povo PKKP. 1.21 Ressalto que mais de 22 explosivos foram detonados no dia seguinte. |
Extraído do relatório do Comitê Permanente para as Questões do Norte da Austrália
Eles não sabiam? O inquérito levantado pelo comitê parlamentar permanente sobre a destruição das cavernas Juukan Gorge é a oportunidade que todos precisavam para obter uma resposta.
Infelizmente, o relatório preliminar deste mês só faz uma breve referência ao problema, e nenhuma das oito recomendações dirigidas à Rio Tinto aborda o assunto.
O mais próximo que se chega é uma nota de que a empresa tinha:
“uma organização estrutural que colocava os assuntos relacionados à proteção do patrimônio de lado, falta de supervisão da alta administração e nenhum canal claro de comunicação que permitisse aos executivos de Londres intensificar as preocupações com o patrimônio”.
Dean Smith, senador da Austrália Ocidental e membro do comitê de coalizão, foi mais longe ao anexar a seguinte observação ao relatório:
“minha opinião é que os membros do conselho permitiram que se criasse uma cultura comportamental na Rio Tinto, em que a gerência não se sentia capaz de informar aos superiores sobre o significado dos abrigos rupestres”.
O problema é que quando informações desagradáveis provindas dos níveis mais baixos das grandes organizações são anunciadas, o assunto, quando colocado em pauta, é tratado lentamente e acaba ficando “preso” em alguma parte do processo.
As informações desagradáveis não chegam até os superiores
Padres pedófilos, lavagem de dinheiro por bancos, deturpação fraudulenta por empresas automotivas, corrupção nos departamentos policiais, riscos inaceitáveis de segurança assumidos por empresas mineradoras, em cada um desses casos, quando surgem, os que estão no topo alegam que não sabiam nada sobre o assunto.
Há razões para esta falha na ciência dos fatos: as pessoas que estão no topo preferem não ouvir, e assim, as que estão abaixo evitam contar-lhes. Os denunciantes são excluídos e as pessoas “que sabem” permanecem em silêncio por interesse próprio ou lealdade equivocada. As bonificações incentivam focar no lucro à custa de tudo o mais.
Para saber mais, acesse: A investigação no sítio arqueológico Juukan Gorge coloca a mineradora Rio Tinto em alerta, mas sem mudanças drásticas, o problema poderá acontecer novamente.
Então, o que os líderes devem fazer para mudar essa situação? A primeira atitude é reconhecer que pode haver más notícias, problemas, desafios e situações inadequadas.
Na verdade, se más notícias não chegam até os superiores, significa que algo está errado.
Presidentes e membros do conselho precisam estar atentos se estão realmente recebendo a informação completa dos seus subordinados ou se há assuntos problemáticos não anunciados que podem, eventualmente, vir à tona. Eles precisam avaliar pessoalmente e recompensar àqueles que trazem informações reais.
Notícias ruins não devem ser camufladas
Também, precisam estruturar sua instituição de forma a fazer com que notícias não tão agradáveis cheguem aos ouvidos dos superiores. É preciso que grandes instituições comerciais como a Rio Tinto tenham alguém do comitê executivo cuja responsabilidade seja garantir que os riscos ambientais, sociais e de governanças não comerciais sejam gerenciados.
Não deve ser atribuído a esse gerente nenhum rendimento comercial ou recompensa, e ele deve ter canal direto com os membros do conselho administrativo.
Para saber mais, acesse: Disfunção corporativa em assuntos indígenas: por que “cabeças rolaram” na Rio Tinto?
O pessoal especializado sob o comando desse gerente deve estar incorporado aos níveis mais baixos da instituição e em cada uma das divisões da empresa.
O relatório preliminar conclui que a revisão do conselho administrativo da Rio Tinto não teve informações detalhadas sobre as questões da Juukan Gorge.
No entanto, a mineradora fez algumas mudanças positivas após a catástrofe.
Em primeiro lugar, reconheceu que o seu pessoal, responsável pelo patrimônio cultural na Austrália Ocidental, não estabeleceu nenhuma linha de comunicação com os superiores encarregados pelos assuntos de âmbito social. Na verdade, não houve nenhum encarregado responsável exclusivamente pelos impactos às comunidades.
O começo não linear da mineradora Rio Tinto
A empresa está criando uma seção de “desempenho social”, reportando-se a um diretor do grupo no comitê executivo corporativo.
Em segundo lugar, a Rio Tinto especificou que este diretor também será o ponto culminante nos relatórios sobre os novos “projetos” de mineração.
Os projetos são orientados pelo pessoal do comercial e da engenharia e podem vir a ser relevantes para a empresa, exigindo um foco maior do executivo em comparação às preocupações com saúde, segurança, meio-ambiente e assistência social.
Para saber mais, acesse: A Rio Tinto acabou de explodir um sítio arqueológico aborígene. Aqui está o porquê que isso foi permitido
Em terceiro lugar, a equipe de desempenho social será “incorporada” em grupos locais de gerenciamento de minas e produtos.
A questão crítica é saber se os relatórios desses especialistas em desempenho social serão minimizados quando forem encaminhados aos superiores. A melhor hipótese seria ter um canal direto de comunicação com um especialista na sede corporativa que represente o “grupo de gestão em desempenho social” no comitê executivo.
A Rio Tinto nomeou um conselheiro chefe de assuntos indígenas que se comunicará com o presidente, embora não esteja claro que tipo de autoridade a posição detém.
As mudanças anunciadas deixam muitas incertezas. O inquérito realizará novas audiências no próximo ano e terá oportunidade de adotar medidas adequadas.
Traduzido do inglês por Rubia Gomes / Revisado por Luciana de Carvalho Leal