Por Melinda Du Toit 

A África do Sul luta contra uma das maiores taxas de desemprego do mundo. Uma grande concentração de pessoas desempregadas vive em comunidades carentes e marginalizadas, onde a taxa de desemprego estimada é de 60%.

Muitos pesquisadores da área socioeconômica propõem o empreendedorismo como uma possível, mas não simples, panaceia para a crise de emprego. Entretanto, para iniciar um negócio de sucesso, uma pessoa precisa, dentre outras coisas, de financiamento, visão para os negócios, interesse pelo empreendedorismo, uma estratégia de marketing, um espaço ideal para atrair consumidores e uma sólida carteira de clientes.

Há inúmeros obstáculos para se iniciar um empreendimento como a falta de capital, a distância de um centro econômico urbano e o acesso inadequado à infraestrutura. Além disso, os potenciais clientes da comunidade estão, em sua maioria, em situação financeira precária, e seu poder de compra é limitado.

Existem muitos estudos sobre empreendedores por necessidade. Há uma lacuna, entretanto, no conhecimento sobre casos isolados que produziram resultados positivos mesmo contra as expectativas. Alguns indivíduos obtêm mais sucesso que outros na mesma situação desfavorável. Este fenômeno é conhecido como ‘desvio positivo’.

Para preencher esta lacuna, entrevistei quatro microempresários por necessidade informais que se definem como empreendedores “temporários”, pois empreenderam enquanto buscavam ativamente por um emprego formal e seguro.

O número de participantes envolvidos no meu estudo exploratório é pequeno, o que me permitiu ter uma compreensão aprofundada das experiências vividas por esses empreendedores. Também me permitiu coletar dados preliminares sobre as percepções dos empreendedores a respeito dos desafios e das oportunidades referentes aos seus negócios. Por fim, estudar um pequeno grupo permitiu a construção de um relacionamento sólido e forte com eles.

O desenvolvimento da pesquisa será realizado

A partir do estudo, concluí que esses empreendedores poderiam, inclusive, apontar soluções mais adequadas ao contexto das comunidades carentes, aos cientistas sociais e aos governantes para o enorme desafio que é o desemprego nas áreas carentes.

Os desvios positivos

O estudo exploratório surgiu de uma pesquisa sobre as experiências de indivíduos desempregados em dois assentamentos sul-africanos. A pesquisa forneceu dados preliminares para serem utilizados no desenvolvimento de um programa para desempregados em Orange Farm e Boipatong que ficam, respectivamente, a 45 km e a 60 km de distância da cidade de Joanesburgo.

Durante a pesquisa, descobriu-se que alguns dos indivíduos desempregados estavam engajados em pequenos negócios para sua sobrevivência. Eles fizeram isso enquanto procuravam um emprego seguro e mais estável. Esses pequenos empresários estavam garantindo uma renda em meio a um mar de desafios. Várias dessas pequenas empresas foram identificadas em Orange Farm e Boipatong, no entanto, poucas pertenciam a pessoas nascidas na África do Sul.

Esses empreendedores diagnosticaram o ambiente operacional que não é favorável à gestão de uma empresa. Por exemplo, eles disseram que não havia apoio do governo para pequenas empresas. Os participantes identificaram a falta de fundos, de conhecimentos e habilidades básicas de marketing e negócios como desvantagens cruciais para administrar e expandir seus empreendimentos. Cada empresário teve que aprender com a própria experiência. Eles não tinham mentores para orientá-los nem bons modelos a seguir. Isso ocorre porque empresários costumam deixar a região assim que se tornam bem-sucedidos.

Os empreendedores estavam determinados a superar os desafios individuais, sociais e estruturais para ter uma renda básica para suas famílias. Sua renda era escassa, mas eles expressaram a necessidade se tornarem independentes do auxílio financeiro de terceiros.

A falta de empreendedores nascidos em Orange Farm e Boipatong, na África do Sul, evidenciou a pequena parcela de sul-africanos que vive do empreendedorismo para sobrevivência. Eles são realmente muito incomuns.

Das entrevistas realizadas com quatro empreendedores por necessidade, foram identificadas nove características que destacam sua natureza incomum:

  • Eles acreditavam fortemente que ser um provedor faz parte das atribuições de um adulto responsável;
  • A visão inabalável de que a única maneira de adquirir dinheiro seria por meio de trabalho árduo, honesto e respeitável, criticando a espera passiva por auxílios previdenciários e doações;
  • Consideram que diligência, dedicação, empenho e perseverança são necessários para garantir o sucesso na vida. Um entrevistado afirmou: “Trabalho árduo e honesto. É assim que fui criado, foi isso que aprendi e é isso que estou fazendo. Eu trabalho 13 horas por dia, de segunda a domingo.”;
  • Esses indivíduos bem-sucedidos expressaram uma necessidade incondicional de autossuficiência, autonomia e independência. Um participante declarou de forma impressionante: “Não gosto de ser um mendigo. Estou acostumado a cuidar de mim mesmo.”;
  • Os participantes consideraram essencial o engajamento em empreendimentos significativos e com propósito. A ociosidade e a passividade eram inaceitáveis;
  • As narrativas de todos os quatro entrevistados continham evidências de seu caráter altruísta. Todos relataram que estenderam a mão para os membros e que se esforçaram para servir, de alguma forma, às suas comunidades;
  • Um atributo notável foi a perseverança apesar dos contratempos, esforços laboriosos e a incerteza do empreendedorismo informal. Quando um esforço falhou (o que aconteceu com todos em algum ponto), eles se recuperaram e começaram de novo;
  • Nas entrevistas, eles usaram palavras positivas como ‘esperança’, ‘inspiração’, ‘vitória’ e ‘motivação’. Seus relatos de experiências diárias em seus pequenos negócios exibiram claramente sua positividade;
  • Três dos quatro empreendedores revelaram sua firme crença na proteção e capacitação dos poderes divinos de Deus e dos ancestrais, o que permitiu o sucesso de seus pequenos negócios.

Essas características parecem permitir que o empreendedor informal e que empreende para sua sobrevivência empregue estratégias e comportamentos extraordinários e não convencionais para começar e perdurar em um ambiente não favorável.

Cientistas sociais e legisladores podem aprender boas lições e ampliar sua visão de vida como os microempresários. Isso pode gerar programas de desenvolvimento de soft skills para contextos específicos e soluções viáveis porque alguém já os está empregando naquele contexto.


* Bolsista de pós-doutorado no Centro de Desenvolvimento Social na África, Universidade de Joanesburgo

Traduzido do inglês por Magui Vallim / Revisado por Luciana Leal

O artigo original pode ser visto aquí