Por Daniel Willis*
Parlamentares e ONGs de toda a Europa assinaram declarações conjuntas pedindo aos bancos públicos de desenvolvimento que respeitem os direitos humanos e parem de financiar combustíveis fósseis.
Na semana passada,ocorreu o primeiro encontro internacional de instituições financeiras públicas, denominado Finance in Common Summit (Cúpula de Finanças em Comum, em tradução livre), em que bancos de desenvolvimento de todo o mundo buscaram chegar a um acordo sobre respostas conjuntas à emergência climática e à pandemia de COVID-19.
Entretanto, um grupo internacional de organizações da sociedade civil e parlamentares emitiu duas declarações conjuntas com duras críticas a essas instituições financeiras, argumentando que elas agravam a mudança climática e a desigualdade, ao mesmo tempo em que prejudicam os direitos humanos.
Ambas as declarações chamam a atenção para o caso da Feronia Inc., uma empresa canadense que opera várias plantações de óleo de palma em toda a República Democrática do Congo (como a The Ecologist já relatou anteriormente).
Compromissos
Feronia, que recebeu aproximadamente US$ 80 milhões do banco de desenvolvimento britânico CDC Group, é acusada de não pagar salários dignos, de colocar em risco seus trabalhadores ao oferecer-lhes equipamentos de segurança precários e de, sistematicamente, não fornecer a infraestrutura social prometida (tais como moradia adequada e instalações de saúde).
O mais chocante é que, em setembro, foi alegado que os trabalhadores das plantações tinham recebido ofensas racistas dos funcionários da Feronia e que o chicoteamento público tinha sido restabelecido ilegalmente em uma plantação (o CDC argumenta que essas alegações não têm fundamento).
Uma das declarações também chama a atenção para os altos valores de financiamento para combustíveis fósseis fornecidos por instituições financeiras de desenvolvimento (IFDs) e solicita o redirecionamento desses investimentos em prol dos interesses das pessoas e do planeta.
Daniel Willis, gerente de financiamentos na organização Global Justice Now, disse: “Esta Cúpula deveria ter sido uma oportunidade para repensar como os bancos de desenvolvimento poderiam estar agindo em prol do bem comum, no mundo não exatamente pós-COVID-19. Contudo, não houve nenhum compromisso conjunto para interromper o financiamento dos combustíveis fósseis ou para assegurar uma diligência adequada em matéria de direitos humanos. Ao invés disso, o que podemos esperar é a adesão contínua ao status quo – privatização e financeirização.”
“A Feronia é um caso em questão – esta empresa extrativista conta não apenas com o apoio britânico, o que colaborou com suas práticas laborais terríveis, mas também com o de inúmeras IFDs europeias. Agora, a Feronia será vendida para uma empresa de private equity sediada em um paraíso fiscal – reforçando a injustiça às comunidades na República Democrática do Congo”.
Impactos
A declaração da sociedade civil, assinada por mais de 80 organizações de todo o mundo, argumenta que as IFDs deveriam investir o dinheiro dos contribuintes no interesse público, e não no interesse das corporações: “Ao contrário dos órgãos de cooperação para o desenvolvimento, que fornecem subsídios e empréstimos aos governos do Sul Global”, a declaração argumenta, “os bancos de desenvolvimento investem no setor privado para obter retorno financeiro”.
“Alguns dos efeitos mais prejudiciais desses investimentos podem ser vistos na agricultura. As organizações condenam coletivamente o uso de fundos públicos para investir “principalmente em empresas do agronegócio e em um modelo industrial de agricultura, que é o principal motor tanto das pandemias quanto da crise climática”. Os bancos de desenvolvimento apresentam um histórico pobre de apoio aos sistemas alimentares controlados localmente ou à agricultura agroecológica liderada pelos camponeses”.
A declaração interparlamentar sobre os investimentos das IFDs, assinada por parlamentares da Alemanha, Holanda e Bélgica, ecoa esses apelos e argumenta que as IFDs “precisam mudar” para “contribuir para um desenvolvimento genuinamente sustentável”.
Em particular, esta declaração pede ações urgentes para acabar com quaisquer investimentos das IFDs que apoiem os combustíveis fósseis ou contribuam para o desmatamento. “As IFDs precisam excluir os combustíveis fósseis e o carvão de suas carteiras de investimento. Além disso, (…) as IFDs devem ter uma política clara para excluir quaisquer investimentos que contribuam, direta ou indiretamente, para o desmatamento ou outros tipos cruciais de perda de biodiversidade”.
A análise de maio deste ano mostra que o Grupo CDC proporcionou um bilhão de libras a projetos de combustíveis fósseis somente na última década.
Direitos
Entretanto, apesar da pressão, a declaração conjunta das organizações participantes da Finance in Common Summit deixou muito a desejar.
Os participantes concordaram que deveriam “considerar maneiras e meios de reduzir” os investimentos em combustíveis fósseis e “trabalhar para aplicar critérios de investimento mais rigorosos, como políticas explícitas para abandonar o financiamento do carvão”, porém, nenhuma proibição explícita dos combustíveis fósseis foi apresentada.
Da mesma forma, foram proferidas palavras calorosas sobre a necessidade de “compartilhar e aplicar as melhores práticas” em relação aos direitos humanos, ambientais e sociais, mas pouco se falou sobre a necessidade de tomar medidas contra aqueles investimentos que já prejudicam as comunidades.
O estudo de caso utilizado na declaração é o da Feronia Inc., uma empresa que, desde 2013, recebeu US$ 80 milhões do grupo CDC, uma IFD britânica. Apesar disso, a Feronia está agora falida e o CDC vai amortizar US$ 50 milhões do dinheiro dos contribuintes quando a empresa for vendida.
Uma ampla gama de preocupações foi suscitada sobre os investimentos de IFDs na Feronia em relação a uma série de questões, incluindo relatórios da Human Right Watch sobre as condições de trabalho perigosas e injustas, confrontos violentos entre os seguranças da Feronia e as comunidades locais e, mais recentemente, as alegações de trato racista a trabalhadores e o restabelecimento (ilegal) do chicoteamento em público.
A luta
Essas preocupações foram resumidas nas declarações conjuntas da seguinte maneira: “A Feronia tem um legado colonial muito difícil, que inclui conflitos de terra não resolvidos e um comportamento de gestão muito autoritário para com a população local. As IFDs prometeram que seu envolvimento produziria mais empregos, melhores salários e uma empresa próspera”.
“Nenhum desses objetivos foi alcançado. Pelo contrário: embora as IFDs tenham investido mais de 200 milhões de euros, a Feronia declarou falência há alguns meses. As condições de trabalho continuam muito ruins. Muitas pessoas ainda trabalham à base de diária e não recebem nem o salário mínimo. Os conflitos entre a empresa e a população local se agravaram várias vezes nos últimos anos, até o ponto de encontros violentos que deixaram três pessoas mortas e muitas outras presas”.
“[As IFDs] não tomaram medidas para resolver os conflitos históricos sobre os quase 100.000 hectares de concessões de terras ou as alegações de corrupção que assolam o projeto. Seus planos ambientais, sociais e de governança (ASG) não fizeram nada para aliviar a pobreza nas comunidades”.
“E o envolvimento de vários bancos não reduziu as violações desenfreadas dos direitos humanos contra os moradores ou trabalhadores. O que é pior, os bancos têm agido para minar as iniciativas da comunidade de usar os mecanismos de reclamação que eles próprios estabeleceram.”
Para as comunidades na República Democrática do Congo e as organizações da sociedade civil que trabalham em solidariedade com elas, a luta continua.
* Daniel Willis é gerente de políticas e campanhas com foco em desenvolvimento internacional e justiça climática na Global Justice Now.
Traduzido do inglês por Marcella Santiago / Revisado por Graça Pinheiro