Desde a época das descobertas e do Iluminismo no século 18, a história mundial traz a marca da Europa, incluindo a dos Estados Unidos, cuja intelectualidade está firmemente conectada com a Inglaterra e a Europa. E essa história mundial é uma história do dinheiro, escreve Günter Ogger, autor do livro de não ficção sobre a história dos Fuggers “Kauf Dir einen Kaiser” (“Compre um Imperador” em tradução livre).
Os europeus e norte-americanos devem se acostumar com a ideia de que o umbigo do mundo, ou a origem do progresso humano, está presente em muitas mentes de homo sapiens e não tem localização geográfica. Os gregos, com seus onfalo em Delfos, certamente veem esse assunto de maneira um pouco diferente.
A abordagem científica dita que o futuro do mundo só deve ser pensado em conjunto com Ásia, América Latina e África.
É uma realidade histórica que os povos não europeus deram até hoje uma contribuição considerável para a história humana. Eles desenvolveram matemática de forma significativa (introdução do zero, sistemas de calendário criados por China, México, Israel, números arábicos). Garantir o futuro da nutrição mundial seria impensável sem que o setor agrícola dos demais países estivessem em pleno funcionamento, o que assegura o abastecimento de arroz, milho, batata, tomate, especiarias. A escrita tem sua origem na China, no Oriente, no México etc. Edifícios históricos e sistemas de irrigação podem ser encontrados em todo o mundo (Muralha da China, Angkor no Camboja, pirâmides do Egito, Timbuktu no Mali, edifícios maias e astecas no México, Machu Picchu no Peru e muitos mais).
A Lista de Patrimônios Mundiais da UNESCO é impressionante.
Todos os continentes e países contribuíram conjuntamente para o progresso de toda a humanidade e para a melhoria das condições de vida, ainda que não da mesma forma em todos os lugares. O atraso nos países em desenvolvimento na África, Ásia e América Latina ainda é motivo de preocupação.
Com a Revolução Industrial nos séculos 18 e 19, a Europa alcançou resultados brilhantes. A era da máquina no mundo foi inaugurada e criou muitos empregos e oportunidades de ganho, mas também um proletariado com condições de vida indignas. A indústria elétrica, a produção de automóveis, os serviços químicos e mecânicos da Europa tornaram-se os blocos de construção do progresso mundial. O comércio internacional beneficiou-se da construção naval europeia. A organização mundial da ONU traz a assinatura dos EUA e da Europa.
Desde o início da formação dos países no mundo, as comunidades humanas foram divididas em classes dominantes e dependentes. Com as guerras, vemos até hoje as várias tentativas de uso da força para minimizar as consequências da falta de terra para o cultivo de alimentos, acesso a matérias-primas ou aumento de renda. A época do colonialismo capitalista que começou na Europa e as duas guerras mundiais foram paradas intermediárias desastrosas. Uma longa guerra fria entre os campos do capitalismo e do socialismo se seguiu e ainda não acabou.
A política do presidente estadunidense, Donald Trump, de priorizar interesses dos EUA a todo custo, materializada pela política do “America-First”, alinha-se nas disputas atuais. As políticas nacionalistas são um legado criminoso, diante dos arsenais que já devastaram o mundo e que se espera que não voltem jamais pois não pertencem a nenhum catálogo de valores humanos voltado para o futuro.
Com sua pólis de democracia, a Grécia europeia criou um princípio de ordem social que deveria abolir a divisão da sociedade. A democracia do povo é um alicerce necessário para a coexistência futura. Assim como a liberdade pessoal dentro de limites legais constituídos democraticamente. A democracia, a liberdade e a solidariedade são outros elementos de um futuro Estado que pode proporcionar às pessoas uma vida digna.
A liberdade precisa do esforço de pessoas como Assange e Snowden para chamar a atenção para os preparativos de guerra e possíveis desastres bélicos. Ambos cumprem seus direitos e um dever humano, conforme exigido por lei
O pensamento do futuro global corresponde às recomendações da comunidade da ONU, com seus 17 objetivos de desenvolvimento até 2030 e o programa de proteção climática até 2050.
O estado atual do conhecimento científico permite simular cenários de necessidades nutricionais, energéticas e de matérias-primas em proporções mundiais e compará-las com as possibilidades numéricas da capacidade de produção dos países. Mas uma aproximação com a realidade futura só pode ser esperada se a paz se tornar uma certeza. A falta de ação na política é muito maior do que a falta de conhecimento sobre o futuro.
Vale a pena para os políticos olhar para além das fronteiras da Europa a fim de seguir o caminho alternativo para o futuro almejado pelas maiorias:
Em 1967, 33 países latino-americanos conseguiram criar a primeira zona livre de armas nucleares do mundo. Em 1974, o México propôs a criação de uma “Nova Ordem Econômica Mundial” para a ONU. O programa de ação recomendado pela ONU com 14 pontos individuais e uma proposta de estatuto dos direitos e obrigações econômicas dos países com conteúdo voltado para o futuro que valha a pena colocar na ordem do dia.
O primeiro decreto de Lenin propôs a paz. O primeiro decreto do presidente Trump previa a construção de uma muralha na fronteira com o México. O princípio de “coexistência pacífica entre países” vem da Rússia. A UNESCO o incluiu em sua Lista de Patrimônios Mundiais. Depois de 1990, o país retirou tropas e equipamentos da Alemanha. Em 2020, o poder militar da OTAN atingiu as fronteiras com a Rússia. Os orçamentos nacionais dos países da OTAN privam áreas civis, como educação e saúde, e destina cada vez mais recursos financeiros a favor do orçamento militar.
Com um planejamento estatal de grandes proporções, a China vem alcançando conquistas surpreendentes na economia nacional e nas condições de vida da classe média. A ciência do país e o sistema educacional estão dando saltos para patamares cada vez mais altos. Outras perspectivas a respeito de direitos humanos e seus componentes sociais poderiam ser úteis para o país.
Os processos evolutivos na natureza levam milênios, já as mudanças sociais precisam de gerações até que o processo de aprendizagem que verdadeiramente gera reformas ou desencadeia alternativas reais se concretize. As forças motrizes de alteração social, assim como a ciência, são experiências da história vivida. A experiência contida nos livros não é suficiente pois, muitas vezes, contem a versão dos vencedores.
Não se deve esperar que futuros governos e administrações possam organizar uma vida digna por conta própria. Somente um esforço conjunto da política, parlamento e governo com a ajuda ativa das classes dependentes poderia trazer as visões do futuro perto da realidade. Mas nem tudo que os desejos individuais estarão disponíveis na vida prática.
Traduzido do alemão por Renata Dourado