RELATO
Ele se foi num domingo de manhã. O sol havia acabado de raiar por de trás da montanha. As árvores ainda soltavam a relva formando uma neblina que prenunciava um dia de calor. Nas ruas somente os feirantes e alguns ciclistas saindo pra pedalar pelas trilhas. Ele era gentil, não queria atrapalhar a noite daqueles que aproveitavam o sábado. Era o dia perfeito pra sair de cena, sem fazer ninguém faltar ao serviço por isso. Tinha o filho distante, daria tempo de chegar, assim como os demais parentes. Perfeito! Fechou os olhos e deixou o fio dourado puxá-lo em direção a luz. Não esperou sua amada perceber de início. Foi no silêncio das primeiras horas do primeiro dia da semana. A notícia correu a cidade e juntou os amigos em torno do corpo gelado, mas ele já não estava mais lá. Choramos, pois não chorar seria pedir demais. Mas todos ali sabiam que era melhor partir a ter que repartir a dor de ficar sem querer mais estar aqui. Ele tinha a altivez daqueles que não se iludem pelas aparências. Fez tudo que estava ao seu alcance sem verter as vaidades mundanas. Fora um homem básico naquilo que todo homem deve ser. Não negociou seus princípios e nos ensinou que a amizade vale mais do que mil reais. Simples e elegante. Até hoje ele ecoa na minha cabeça. Parece que sempre vem conversar comigo e discutir o melhor a fazer. Não se intromete. Só não nega opinião, goste eu ou não. Sempre deixou claro que a decisão é minha. Com o tempo não lamentamos sua partida, agradecemos sua presença. Por aqui seguimos em frente tentando manter a altivez do seu caráter. Missão que nos faz levantar todos os dias, sem esquecer daquela manhã de domingo. Eu adoro falar sobre ele. Meu pai vive dentro de mim. Faz 31 anos, mas não parece tanto tempo assim.