A comunicação é condição essencial em qualquer processo político. E a promoção e fortalecimento da democracia necessitam que essa comunicação seja plural, que respeite a diversidade e, sobretudo, não seja porta-voz dos grupos hegemônicos. Neste momento em que a democracia está sendo “sequestrada” em várias partes do mundo, e em especial na América Latina, vale a pena refletir sobre o papel da comunicação na promoção da paz e dos direitos humanos. Mas, como garantir essa democratização, considerando que a concentração da propriedade dos meios de comunicação é uma realidade cada vez mais consolidada?
Como garantir uma comunicação plural, quando as grandes corporações, nacionais e/ou transnacionais obstacularizam o livre acesso à informação? O pesquisador argentino Guillermo Mastrini, em um estudo realizado em 2017 oberva que o resultado geral das políticas de comunicação dos governos progressistas latino-americanos foi incipiente.
O estudo de Mastrini demonstra que, embora tenha havido alguns avanços democráticos em relação à difusão e acesso de novas tecnologias da informação, isso não foi suficiente para alterar o quadro geral da comunicação na América Latina, cuja concentração da propriedade é incontestável, sobretudo porparte de alguns grupos, a exmeplo de Globo e Abril, no Brasil; Televisa, no México; Clarín, na Argentina; e Cisneros, na Venezuela (embora neste caso contenha atividades desenvolvidas nos EUA).
O fato é que em toda a região latino-americana a comunicação massiva está controlada por elites não interessadas na pluralidade de vozes, mas na formação de consensos que as mantenham no controle político, econômico e cultural dessas sociedades. As tentativas de golpe perpetradas na Venezuela são um exemplo. A participação da mídia massiva foi crucial nesse processo de sublevação – que felizmente não chegou a derrotar completamente os governos (de Hugo Chávez e de Nicolás Maduro) eleitos democraticamente, mas tem abalado de modo significativo o processo democrático naquele país.
Na Argentina, a atuação do grupo Clarín, assim como de outros grupos de mídia, como América, por exemplo, foi decisiva para a eleição de Maurício Macri em 2015, que, não por acaso, logo que assumiu a Presidência do país anulou, por Decreto, a Lei 26.522/2009, mais conhecida como “Lei de Meios (em espanhol Ley de Medios), estabelecida no governo de Cristina Fernández de Kirchner, que concebia a comunicação sob o critério da diversidade.
E no Brasil, não podemos nos esquecer do papel preponderante exercido pelas Organizações Globo, pelo Grupo Abril, entre outros, no impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016. Os jornais, os telejornais, as emissoras de rádio, os portais de notícias desses grupos hegemônicos de comunicação “prepararam o terreno” para a direita “semear” e “colher” o golpe disfarçado de impedimento, o qual abriu caminho para a subida da extrema direita ao poder.
As mobilizações populares realizadas no Chile, na Colômbia, no Equadror, na Bolívia – decisivas neste país para a vitória do “Movimento al Socialismo” (o partido MAS) nas eleições celebradas neste otubro de 2020, em resposta ao golpe que exilou o presidente eleito democraticamente Evo Moralres – têm sido cobertas por todas essas mídias hegemônicas latino-americanas a partir de uma perspectiva depreciativa, que busca enfatizar certas movimentações distúrbicas isoladas, provocadas por grupos radicais (ou grupos infiltrados), buscando desqualificar esse processo de lavantamento de povos que se rebelam contra as mais variadas opressões perpetradas por governos antidemocráticos.
Esses fatos demonstram que urgem medidas democratizantes no que tange ao acesso à comunicação e à informação, as quais sejam capazes de auxiliar a construção de uma opinião pública consistente em nossos países. Por agora, a esperança fica posta na Argentina e na Bolívia.
No país rioplatense, o presidente eleito em 2019, Alberto Fernández, ainda não deu mostras de que está disposto a enfrentar os “coronéis” da mídia, ainda que seu governo esteja sofrendo ataques sistemáticos desde que assumiu, desferidos principalente pelo Grupo Clarín, inconformado com a derrota de Maurício Macri. Já são 10 meses na Casa Rosada, sem que qualquer iniciativa neste sentido tenha sido sinalzada por Fernández, o que, inclsive, põe em perigo a continuidade de sua administração. Mas ainda há tempo.
Quanto à Bolívia, cujo presidente eleito Luis Arce deverá assumir ainda este ano, fica a esperança de que, ao contrário de seu colega argentino, não tarde em adotar medidas que visem democratizar a comunicação, porque, caso contrário, as possibilidades de sufocamento da democracia crescem, o que, consequentemente, dificulta a luta pela promoção da paz e dos direitos humanos.