Não é nenhuma novidade o fato de que, nos últimos anos, movimentos de direita e de extrema direita estejam conseguindo desestabilizar a democracia em várias áreas do Planeta, inclusive nas Américas, como são os casos dos Estados Unidos e de alguns países latino-americanos como Brasil, Argentina e Bolívia, por exemplo. Mas é também verdade que esses movimentos têm provado que são passageiros, como nos evidenciam os resultados eleitorais dos últimos pleitos, tanto no país rioplatense, como no Estados Unidos e na Bolívia. E a direita, comprovadamente anti-democrática, não aceita as regras. E prefere jogar sujo.
O acirramento das disputas políticas em várias partes do mundo tem evidenciado uma tendência, há muito latente, e que conseguiu impor-se em alguns países, sobretudo por meio da disseminação do ódio e da violência. Esses movimentos, que se encontravam submersos, lograram emergir com certa força, ainda que efêmera, e desestabilizar sociedades cujos sistemas políticos, si bem não significavam nenhuma perfeição, não chegavam a semear a discórdia de modo explícito; e através dos seus representantes no âmbito do Legislativo e do Executivo, como o fazem os extremistas.
Oposição irresponsável e suja
A ascenção de Maurício Macri à Presidência da Argentina, em 2015; a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, em 2016; a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro no Brasil, em 2018 e o golpe de Estado que colocou Jeanine Áñez como presidenta da Bolívia em 2019 representam marcos desses movimentos de direita, em alguns casos de extema direita, os quais criaram verdadeiros desastres nesses respectivos países. No entanto, nas eleições posteriores (exceto no caso do Brasil onde o mandato do extremista de direita ainda está na metade) o eleitorado respondeu à altura, dizendo não à continuidades desses grupos. Em uma verdadeira disputa democrática, quem perde se retira e conforma-se em fazer oposição madura, centrada e construtiva. Mas não está sendo o caso.
Na Argentina, por exemplo, Maurício Macri e quem o apoia têm feito de tudo para desestabilizar o mandato de Alberto Fernández, sobretudo a mídia hegemônica, forte aliada e impulsionadora de uma oposição irresponsável e, sobretudo, suja. Usam até a pandemia, não importando-se com as milhares de vidas ceifadas pela Covid-19. Naquele país rioplatense a direita já realizou oito mobilizações contrárias ao governo empossado no dia 10 de dezembro de 2019, todas com bandeiras difusas, numa demonstração de que o objetivo principal é mesmo estabelecer o caos.
Tudo começou no processo eleitoral, quando tentaram disseminar rumores de fraude. E recentemente esse discurso tem retornado à cena, provavelmente uma preparação para o futuro. Não bastasse isso, estão ideologizando uma questão de saúde pública, quando criticam a compra da vacina russa Sputinik-V, pelo governo de Fernández, que já fechou negócios com outros países/laboratórios, pois, não diferentemente de outros governantes, o intuito do mandatário argentino é trabalhar para que a população de seu país tenha acesso à primeira vacina disponível e segura, e impedir que o caos gerado pela Covid-19 possa se prolongar por muito tempo.
Na Bolívia, após a vitória do Movimento ao Socialismo (MAS), a direita afirmou que não aceitará a derrota. E prometeu incursões contra o governo eleito democraticamente, em uma franca demonstração de que não aceitam o jogo democrático, do mesmo modo que os vizinhos direitistas argentinos. O presidente eleito Luis Arce, assim como o seu vice-presidente David Choquehuanca, que venceram com 55% dos votos, em seus discursos de posse deixaram patente sua disposição em lutar, com o povo, para impor a vontade popular e governar o país de modo a torná-lo mais justo. Provavelmente esta será uma tarefa árdua, porque a direita, como já declarou, não aceita a derrota.
Reação anti-democrática
Nos Estados Unidos, país considerado por muitos/muitas “a maior democracia do mundo”, Donald Trump já disse que não se conforma com o resultado eleitoral. Tem esperneado, gritado através do Twitter que o pleito foi fraudulento, típico discurso de mau perdedor. Semeador do caos, Trump conseguiu eleger-se usando o medo como estratégia, assim como utilizando o discurso de “América para os americanos”, de modo a gerar e/ou ampliar o sentimento de desprezo por imigrantes, por países de outros continentes com diferentes regimes politicos, como a China, por exemplo; tudo isso através de enunciados sofismáticos e desestabilizadores, os quais tocaram mais fortemente na Pensilvânia, em Wisconsin e em Michigan, estados cujas economias tinham sofrido um abalo muito forte e seus apelos conseguiram reverberar mais contundentemente.
Nas últimas eleições, no entanto, o eleitorado decidiu mudar de rumo e dar a vitória aos democratas, representados por Joe Biden e Kamala Harris. Os resultados oficiais somente serão conhecidos no próximo mês de dezembro, mas a imprensa já publicou a vitória democrata. Inclusive, vários governantes já enviaram seus cumprimentos a Biden e a Harris, reconhecendo, portanto, a respectiva vitória. Impulsionados pela reação antidemocrática de seu líder, os grupos partidários de Trump têm saído às ruas em diversos estados daquele país para expressar seu inconformismo com a derrota, porque o milionário não acostumado a perder se recusa a retirar-se do jogo.
No Brasil, em 2018, antes do resultado da disputa presidencial, Bolsonaro, que é admirador fervoroso de Trump, afirmou que não aceitaria caso não lhe fosse favorável. Infelizmente, o eleitorado brasileiro o elegeu e ele ainda tem dois anos de mandato. Mas, “pelo andar da carruagem”, caso lhe aconteça no próximo pleito o que aconteceu a Trump, tudo indica que ele e seus grupos de seguidores não acatarão a vontade popular. Por agora, trata-se apenas de uma especulação, porque o fato ainda não ocorreu. Fiquemos no aguardo.
Ao acompanhar essas atitudes anti-democráticas de Trump, Macri e todos aqueles e aquelas que se recusam a perder em um jogo democrático me vem à lembrança a minha infância, quando ouvia dos meus irmãos narrações que davam conta de que garotos maiores, mais velhos e muitas vezes mais ricos chegavam no campo em que estavam jogando futebol com os amigo e diziam: “se a gente não entrar, o jogo acaba”. Significava que, ou os “valentões” tomavam a bola e a levavam com eles; ou a destruíam; ou ficavam com a bola, colocavam os garotos menores para correr e iniciavam um novo jogo, somente entre eles.