“Proud Boys, recuem e esperem”, declarou o presidente dos Estados Unidos Donald Trump em seu primeiro debate presidencial contra Joe Biden. O apresentador da Fox News, Chris Wallace, pediu a Trump que condenasse os supremacistas brancos. Em vez disso, Trump incitou os Proud Boys, um grupo de extrema direita composto de partidários do presidente e formado em 2016, promovendo a violência política abertamente.
Uma mensagem ficou clara durante o debate: Trump está desesperado para semear a divisão entre os eleitores e a desconfiança no sistema eleitoral do país, e está recrutando vigilantes violentos para ajudar. “O Trump basicamente nos disse pra f***r com eles. Isso me deixa tão feliz”, escreveu Joe Biggs, um proeminente integrante do grupo Proud Boys, nas redes sociais.
“É absolutamente claro para os Proud Boys o que Trump estava pedindo: pressão e violência contínuas contra o que ele está chamando de ameaça da esquerda”, disse Christian Picciolini na hora de notícias do programa Democracy Now!. Picciolini, ex-skinhead neonazista e co-fundador do projeto Free Radicals, que tem o intuito de prevenir o extremismo global, disse: “Não há ameaça da esquerda… Nos últimos 25 anos, extremistas de direita – desde neonazistas a supremacistas e nacionalistas brancos – são responsáveis por quase 100% da violência, 100% das mortes e 100% do medo, da retórica e da propaganda que induz esse tipo de violência”. Dois relatórios recentes do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais indicam que, entre 1994 e 2020, ativistas de extrema direita mataram 335 pessoas nos Estados Unidos, principalmente minorias étnicas.
Trump afirmou durante o debate: “Quase tudo o que vejo vem da esquerda, não da direita”, acrescentando: “Alguém tem que fazer alguma coisa quanto aos antifa e à esquerda”. Antifa, abreviatura de antifascista, é um movimento que tem suas raízes nas lutas antifascistas europeias do século XX.
Esta não é a primeira vez em que Trump apoia grupos violentos de extrema direita. Ele sugeriu que o adolescente branco que matou dois manifestantes em um protesto do movimento Black Lives Matter em Kenosha, no estado de Wisconsin, agiu em legítima defesa. Defendeu os grupos dos neonazistas, da Ku Klux Klan e o Proud Boys (que se haviam se reunido em Charlottesville, no estado da Virgínia, em agosto de 2017 para participar do comício denominado “Una a Direita”), chamando-os de “pessoas muito boas”. Isso aconteceu apenas três dias depois de o neonazista James Fields Jr. ter atirado seu carro contra uma multidão de manifestantes antirracistas, matando Heather Heyer e ferindo outras 19 pessoas.
Nesta semana, o jornal The Nation publicou uma matéria a respeito de um memorando interno, vazado do gabinete local do FBI em Dallas, que prevê um aumento no potencial de violência dos membros do chamado “Boogaloo”, um movimento que se posiciona contra o governo, com “uma propensão para a violência e aquisição de armas que causam casualidades em massa, por parte de um pequeno número de agressores”. Em maio passado, o policial dos Serviços de Proteção Federal David Patrick Underwood foi baleado e morto durante os protestos antirracismo em Oakland, na Califórnia. O principal suspeito do assassinato é Steven Carillo, um sargento ativo da Força Aérea e membro do movimento Boogaloo. O vice-presidente dos EUA, Mike Pence, invocou a memória de David Underwood em seu discurso na Convenção Nacional Republicana, culpando os protestos pela sua morte. Ele se esqueceu de mencionar que foi um extremista de direita que matou David.
Há apenas duas semanas, num comício em Bemidji, Minnesota, Trump voltou a incitar o racismo entre seus seguidores, dizendo à multidão quase totalmente branca: “Vocês têm bons genes… É a teoria dos cavalos de corrida. Vocês acham que somos tão diferentes assim? Vocês têm genes bons em Minnesota”. Carin Mrotz, do grupo Jewish Community Action, comparou as observações de Trump com “a ‘ciência racial’ usada pelos nazistas para justificar o extermínio de tantos de nossos ancestrais”.
Donald Trump não esconde que é um aspirante a autocrata, gabando-se de que será presidente por “mais 12 anos”. Ele instigou seus seguidores a vigiarem a mesas de voto em distritos onde há predominância de democratas no dia das eleições, o que claramente intimidaria e desencorajaria os eleitores. Também ameaçou enviar a polícia armada, delegados e até mesmo o exército para “proteger” locais de votação. Seu filho, Donald Trump Jr., tuitou um vídeo chamando “todos os homens e mulheres capazes de se juntar [ao] exército para a operação de segurança eleitoral de Trump… Precisamos que você nos ajude a vigiá-los”.
E, em meio à pandemia de Covid-19, que devastou desproporcionalmente as comunidades não brancas, Trump tem tentado desacreditar a prática de votação por correio – que, além de ser algo popular, agora pode também salvar vidas. Um número recorde de democratas deve votar pelo correio, enquanto os republicanos, que acreditam no discurso de Trump minimizando os riscos da pandemia e que zombam de máscaras e das regras de distanciamento social, devem preferir votar pessoalmente – enquanto o próprio Trump vota pelo correio.
Há cem anos, Benito Mussolini, na Itália, recrutou jovens para se juntarem ao Squadrismo, uma força voluntária que ficou mais conhecida como Camisas-negras, grupo que aterrorizava e matava os adversários de seu líder. Hitler formou os Camisas-pardas, que espancavam e assassinavam brutalmente os inimigos dele. Nenhum dos dois ditadores teria conseguido tomar o poder sem essas milícias de criminosos leais. Quando Donald Trump pede a grupos como os Proud Boys que “recuem e esperem”, temos de levá-lo a sério. Temos de estabelecer um limite para que não voltemos a cometer erros do passado. Nem aqui, nem agora, nem nunca mais.
Traduzido do inglês por Grazielle Almeida / Revisado por Thais Bueno