O protesto Ende Gelände mobilizou milhares de pessoas na Alemanha no último fim de semana (de setembro), com o intuito de advertir sobre o uso de carvão e gás. Houve também o desenvolvimento de táticas para proteger os ativistas da transmissão do novo coronavírus.

 

A oitava manifestação Ende Gelände avançou na garoa e no frio pela região da Renânia, na Alemanha no último fim de semana. Por dois dias, mais de 3.000 ativistas atravessaram as barreiras policiais para acabar com uma série de locais associados à mineração de carvão e combustível fóssil na região.

Nos últimos cinco anos, o movimento Ende Gelände tem mobilizado regularmente milhares de ativistas para bloquear fisicamente a hegemonia de carvão na Alemanha. Apesar da imagem verde do país no cenário internacional, a Alemanha ainda possui uma vasta indústria de carvão em que o linhito ou “carvão marrom” – extremamente poluente – compõe uma parcela considerável de fonte de energia.

A maior parte do carvão é queimado dentro das fronteiras da Alemanha, mas uma quantidade significativa da eletricidade gerada é exportada para países vizinhos que não são obrigados a responder pelo CO2 emitido pela sua produção na Alemanha. O governo alemão criou a “Comissão do Carvão” – com representantes da indústria do carvão, membros do Greenpeace e da Federação Alemã para o Meio Ambiente e Conservação da Natureza (BUND, em alemão) – após pressão de ativistas. A Comissão concordou com uma eliminação gradual do carvão até 2038.

Combustíveis fósseis

No entanto, o Ende Gelände argumentou que as forças do mercado resultariam no colapso da indústria do carvão muito mais cedo. As indústrias e os funcionários do governo que trabalham para a eliminação gradual até 2038 estão, na verdade, favorecendo a continuação prolongada dessa indústria.

O principal argumento do Ende Gelände tem sido o de que para evitar os piores efeitos das mudanças climáticas e aceitar um aumento na temperatura menor que 2 graus, uma eliminação gradual até 2038 é simplesmente tarde demais.

O movimento Ende Gelände, até o momento, tem apenas como alvo a indústria do carvão, mas pela primeira vez desde a sua criação, os organizadores bloquearam com êxito a indústria de combustível fóssil durante esta última ação. Dois grupos de ativistas bloquearam a construção de um gasoduto e outro grupo bloqueou o local de uma usina de gás.

Os ativistas reconheceram uma das principais lições aprendidas com seus antecessores antinucleares, com a luta britânica contra o carvão e o fracking (fraturamento hidráulico) e a Rede Europeia de “Gastivistas”:  exigir o fim de uma fonte ecocida de energia não significa necessariamente que o governo e a indústria irão escolher uma fonte renovável.

De fato, apesar das vitórias dos movimentos verdes sobre os nucleares na Alemanha e do carvão no Reino Unido, o capitalismo fóssil resultou na expansão do carvão na Alemanha e na mudança para o gás e biomassa no Reino Unido. A adição da indústria de gás ao conjunto de metas para o Ende Gelände foi um marco para o desenvolvimento significativo em relação a orientação estratégica do movimento.

Coronavírus

Mobilizar três mil ativistas para este Ende Gelände em meio a pandemia do coronavírus, foi uma decisão significativa para os organizadores que teve de ser refletida com cautela.

O Ende Gelände organiza regularmente protestos em larga escala, atingindo um pico de cerca de 7 mil participantes em junho do ano passado. Desta vez, os organizadores desenvolveram “Medidas de Higiene” para o coronavírus que diferenciou essa mobilização dos anos anteriores.

Em vez de um grande acampamento, uma grande quantidade de acampamentos menores e espaços de convergência urbana foram criados para reduzir o risco de infecção. O modelo de grupo por afinidade para organização da ação direta teve um significado ainda maior, pois os participantes foram autorizados a se misturar com seu grupo de afinidade, mas mantiveram-se distantes uns dos outros e passaram o menor tempo possível em espaços fechados.

Junto com os sistemas unidirecionais e a lavagem regular das mãos, os organizadores desenvolveram seu próprio sistema anônimo de rastreamento “Corona” com o objetivo de rastrear infecções em caso de fuga.

Houve uma redução significativa dos ativistas internacionais em relação aos últimos anos, uma vez que pessoas de áreas específicas da Europa, como França e Bruxelas, foram proibidas de participar. A Medida de Higiene era inegociável para todos os ativistas.

Justiça

Essa Medida de Higiene também foi essencial para as próprias ações. O Ende Gelände usa um modelo de “trava”, em que centenas ou até mesmo milhares de pessoas marcham juntas para atravessar as barreiras policiais e ocupar os seus alvos. Desta vez, houve significativamente mais “travas” para reduzir o risco de Coronavírus.

No total, catorze travas entraram em ação. Além da indústria de gás, as travas bloquearam os trilhos de trem responsáveis pelo transporte de carvão, minas e acabaram com o funcionamento de uma usina de carvão.

Entre esses travas havia as de “feministas-queer” com o objetivo de criticar concepções masculinas de heroísmo climático; uma trava acessível projetada para ativistas com necessidades de acesso físico e uma trava anticolonial, antirracista coorganizada em solidariedade aos migrantes e aos ativistas do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) e idealizada para conectar as intersecções do clima, ecologia e raça.

O Ende Gelände tem usado uma abordagem de justiça climática, tanto na teoria quanto na prática, para se organizar de modo explícito como anticapitalista e interseccional, mobilizando constantemente milhares de pessoas.

Policiamento

O Ende Gelände utiliza o grande número de pessoas mobilizadas para criar um nível de “segurança em número” ao enfrentar a polícia. Essa postura também reduz as consequências legais de tal ato de desobediência civil ao tentar deliberadamente evitar a prisão e a repressão legal. De fato, esse modo de agir não levou a nenhuma condenação do movimento Ende Gelände nos últimos cinco anos. No entanto, com uma quantidade de “travas” menores este ano, muitos experimentaram um nível mais alto de brutalidade policial.

Em relação ao ano passado, um número significativo de pessoas jovens participou dos protestos, incluindo adolescentes e pessoas na casa de seus vinte anos, estimulados pelo movimento Fridays for Future (movimento internacional criado pela jovem Greta Thunberg, do qual os estudantes faltam às aulas nas sextas-feiras para participarem de manifestações em prol do meio ambiente), e marchando com a trava “Jovens Anticarvão”.

Muitos desses jovens foram perseguidos por cavalos, espancados por cassetetes, dispersados por spray de pimenta e outras violências da polícia, enquanto lutavam por um futuro justo e viável para suas próprias e futuras gerações.

Veja imagens da manifestação aqui. 


Sobre a Autora

Alice Swift tem sido uma ativista climática radical há 10 anos. Ela participou da fundação do movimento Fossil Free UK e é estudante de Doutorado em “Movimento Climate Camp na Europa”, pela Universidade de Manchester. Siga-a no Twitter: @swiftnotswallow.

 

Traduzido do inglês por Larissa Dufner /Revisado por Isabela Gonçalves