Investidores estrangeiros e empresas multinacionais pressionam países como a Índia, a depender da importação de alimentos, e converter terras destinadas ao cultivo de grãos em cultivos que países imperialistas não podem produzir.

 

Por Prabhat Patnaik*

Os dois projetos de lei, apresentados pelo parlamento da Índia no dia 20 de setembro, eram ofensivos em todos os aspectos possíveis. O próprio fato da câmara Rajya Sabha estar sendo forçada a decidir sem votação, foi extremamente antidemocrático, apesar da reivindicação por uma divisão. O Centro gerou mudanças unilaterais e fundamentais nos acordos de comercialização agrícola enquadradas na Constituição, e foi um golpe contra a federação. Restaurar o acordo anterior à independência, no qual o agricultor era exposto ao mercado capitalista sem nenhum apoio do Estado, que o quebrou durante a Grande Depressão de 1930, foi uma traição à independência. Colocar milhões de pequenos camponeses contra compradores privados, como os projetos de lei propõem, é abri-los à exploração monopsonista, ou seja, exploração por um ou poucos compradores.

O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, naturalmente, alega que o Estado não está deixando os camponeses à mercê de monopsonistas, e a taxa garantida pelo governo, o preço mínimo de apoio (MSP, em inglês) prevalecerá. Contudo, os projetos de lei não abordam essas medidas, e o governo recusa-se a incorporar na lei, o que prova a má fé, o direito do agricultor a ter um preço mínimo de apoio; em acordo com a recomendação da Comissão Swaminathan, que põe o MSP a Custo C2 mais 50 por cento. Em suma, os camponeses são empurrados, conforme prevê o colonialismo, à mercê de um mercado onde as variações de preço têm uma amplitude altíssima. Além de travar uma luta contra sua queda em dívidas e miséria.

Em todo este debate, no entanto, um aspecto importante passou despercebido. A discussão foi inteiramente sobre a condição dos agricultores. Todavia, precisa-se levar em conta a questão da segurança alimentar, onde o imperialismo se destaca. O imperialismo, há tempos, tenta pressionar países como a Índia a tornarem-se dependentes da importação de alimentos, converter terras destinadas ao cultivo de grãos em culturas que países imperialistas não podem produzir, em razão destas se desenvolverem apenas em regiões tropicais e subtropicais. Isso faria os países tropicais e subtropicais abandonarem a segurança alimentar.

Em um país como a Índia, a segurança alimentar requer autossuficiência na produção. A importação de alimentos não substitui a produção local por diversos fatores. Em primeiro lugar, quando um país do tamanho da Índia se aproxima do mercado mundial de importação de grãos, os preços mundiais disparam e as importações tornam-se caríssimas. Em segundo lugar, além do país talvez não ter câmbio suficiente para pagar pelas importações, a população talvez não detenha poder de compra para adquirir alimentos importados com preços exorbitantes. Terceiro, como existem excedentes de alimentos com os países imperialistas, mesmo comprar comida a preços exorbitantes necessita das bênçãos do imperialismo.

Na verdade, negar alimento a um país em momento crítico é uma poderosa ferramenta nas mãos do imperialismo, para intimidar países às suas exigências.

Esse panorama não é um problema abstrato. A Índia importava grãos sob a Lei de Assistência e Desenvolvimento ao Comércio Agrícola nº480, da segunda metade da década de 1950. Quando ocorreram duas safras desastrosas, de 1965 a 1966 e de 1966 a 1967, Bihar, em particular, enfrentou condições de escassez; os Estados Unidos forçaram a Índia a se transformar em uma suplicante virtual pela importação de alimentos. Literalmente, tornou-se um caso de transporte de comida dos navios às cozinhas. Foi quando o ex-primeiro-ministro da Índia, Indira Gandhi, pediu a Jagjivan Ram, o então ministro dos alimentos, para acelerar os esforços à autossuficiência alimentar; e a Revolução Verde deu início. O país ainda está longe de ser autossuficiente e garantir alimentação adequada para todos. Ao menos não é mais dependente de importação, pelo contrário. O poder de compra reduziu tanto que as exportações solidificam-se todos os anos, apesar da população indiana ser uma das que mais passa fome no mundo.

Em contrapartida, o imperialismo persuadiu a África em abandonar a produção interna de grãos e alterar áreas para exportação de cultivos. As consequências, os recorrentes problemas de fome na África, são bem notórios para que se precise repetir.

Após o período de 1966 a 1967, um acordo foi elaborado nos termos do MSP, preços de aquisição, preços de emissão, operações de compras executadas nos mercados agrícolas, um sistema de distribuição pública e subsídios de alimentos foi concedida para garantir os interesses de produtores e consumidores, bem como conceder ao país a produção de alimento suficiente a fim de evitar importações. Esse mecanismo é, sobretudo, antiético ao neoliberalismo. Não há de se estranhar que esteja enfraquecido, através, por exemplo, da distinção iniciada em meados da década de 1990, entre populações acima da linha da pobreza e abaixo da linha da pobreza, e apenas o segundo grupo admissível para grãos subsidiados. Contudo, fez com que o país não se transformasse em um pedinte por comida na economia mundial.

O imperialismo realizou grandes esforços para desfazer esse acordo, sendo a mais óbvia, a Rodada Doha de negociações da Organização Mundial do Comércio. Segundo os Estados Unidos, as operações de compras da Índia a um preço previamente anunciado são contra os princípios do livre comércio e deveriam ser encerradas. Nenhum governo na Índia até hoje foi tão intimidado ou ingênuo ao ceder às pressões imperialistas, devido a qual a Rodada Doha está em impasse. Infelizmente, na atualidade, a Índia tem pela primeira vez um governo ou com muito medo ou ignorância para confrontar o imperialismo nessa questão. Em nome da “modernização dos mercados agrícolas”, “tecnologia do século 21” e afins, a Índia volta aos dias coloniais enquanto a produção per capita de grãos declina, à medida que as terras convertem-se ao cultivo da exportação. Na realidade, impulsionam-se os interesses imperialistas.

De fato, magnatas empresariais como os Ambanis e os Adanis, serão beneficiários imediatos da nova política de mercado agrícola. Entretanto, eles irão firmar acordos agrícolas não apenas para grãos, mas também para frutas, vegetais, flores e uma variedade de outras culturas, as quais não venderão apenas no mercado interno, mas também serão processados para exportação. Uma mudança na área de cultivo de grãos alimentícios para grãos não alimentícios é um resultado essencial do contrato agroindustrial por monopsonistas privados; assim como aconteceu na era colonial, uma série de cultivos de exportação, como ópio e índigo, substituíram a produção de grãos alimentícios na antiga Província de Bengala.

E a exploração de camponeses pelos comerciantes de índigo, reconhecida na peça do século XIX, “Nil Darpan” de Dinabandhu Mitra, é exatamente o que deixa os camponeses de hoje apreensivos e desejam evitar.

Destaca-se no acordo até o momento, atender aos interesses dos camponeses, embora de modo inadequado, preveniu a conversão em larga escala do uso da terra em culturas de exportação e grãos não alimentícios. O desfecho daquele acordo não irá apenas lesar o agricultores, mas também direcionar a conversão de áreas produtoras de grãos para cultivo de grãos não alimentícios e culturas de exportação, desse modo minando a segurança alimentar do país.

A questão, na verdade, é simples. Como a terra é um recurso escasso, seu uso deve ter controle social. Esta não deve ser ditada pela iniciativa privada. É verdade, já que a terra pertence aos camponeses, eles dever ter amparo mesmo quando o uso desta tem controle social. Em suma, eles precisam ter um preço lucrativo mesmo sob controle social. O acordo existente tentou alcançar o que o governo atual quer extinguir. Qualquer falha precisava ser retificada com o âmbito do próprio acordo. Ao derrubar o acordo, sem ao menos certificar-se da indispensabilidade do controle social em relação ao uso da terra, demonstra a ignorância associada ao Bharatiya Janata Party (BJP) no poder. O imperialismo aprecia a desordem, e o governo de BJP é favorável a satisfazê-lo.

Kerala, foi a única região em todo o terceiro mundo não socialista a demonstrar consciência alinhada com a necessidade de ter controle social no uso da terra. Além de decretar uma legislação contra o direcionamento de lavouras de arroz para outros propósitos. A legislação foi perspicaz, e os projetos de lei agrícolas do governo de BJP mostram exatamente o contrário.

Este artigo foi produzido por Globettroter.


* Prabhat Patnaik is an Indian political economist and political commentator.

 

Traduzido do inglês por Elena Britto / Revisado por Rubia Gomes