A Minga Nacional se reuniu na cidade de Bogotá, diante do fato de o presidente Duque não ter cumprido o dever de discutir os pontos da sua agenda. Decidiu fazer uma sentença contra o presidente da Colômbia, pelo não cumprimento das garantias de proteção, de defesa da Vida, da Paz, do Território e da Democracia, conferidas pela competência que lhe são atribuídas pela Constituição Política e os convênios internacionais. A seguir reproduzimos o texto completo da sentença.

Sentença Nº.001 de 19 de outubro de 2020

Mediante exercício legitimo dos Juízes Naturais e Constitucionais representados pelos povos indígenas do Sudoeste Colombiano, no âmbito da Jurisdição Especial Indígena emitem uma sentença contra o Presidente da República da Colômbia, Iván Duque Márquez, pelo descumprimento das garantias de proteção na defesa da vida, da paz, do território e da democracia.

Competência dos Juízes Naturais

De acordo com a competência da Jurisdição Especial Indígena, usos e costumes, com o Direito Natural, o Direito de Origem, o Direito Maior, o Direito Próprio, reconhecidos pela Constituição Politica de 1991, adotados e reafirmados pelos Acordos e Tratados Internacionais, e em uso das atribuições de caráter especial, legal e jurisdicional; evocando o contexto da Minga Nacional pela Vida, pela Paz, pelo Território e pela Democracia, ideais defendidos pelos povos indígenas, afros, camponeses e organizações sociais e populares do sudoeste colombiano, entre eles CRIC, CRIHU, CRIDEC, ORIVAC, KWESX KSXA´W, CNA CAUCA- PCN- ACONC, COCCAM, ERPAZ, CUT CAUCA, FENSUAGRO, SINDESENA, PUPSOC, OS SEM TETOS-POVO DIVERSO, CONGRESO DOS POVOS, CIDADE EM MOVIMIENTO, CUT VALLE DEL CAUCA, MOVIMIENTO DE ESTUDANTES, MARCHA PATRIOTICA, ASJUDICIAL, NOMADES E CIMA, que durante a caminhada pacífica em direção a Bogotá visitaram as cidades de Armênia, Calarcá, Ibagué e Fusagasusá, o que permitiu a interação de maneira voluntária no âmbito dos principais pontos enfocados, formando a “Minga Nacional”, o presidente da República foi convcado a um debate público, visando o cumprimento e garantias para a defesa da Vida, da Paz, do Território e Democracia.

Nessa reunião, o mandatório omitiu o seu dever constitucional e legal de escutar as inúmeras denúncias das organizações mencionadas, frente as situações que desarmonizaram e colocaram em risco a sobrevivência dos povos indígenas, afros, camponeses, setores sociais e populares. Portanto, diante da inoperância do Estado à frente do governo Nacional, assim como a falta de garantias dos direitos fundamentais, a Minga Nacional Pluriétnica e Intercultural, como Constituinte Primária, habilita a Jurisdição Especial Indígena para adiantar o julgamento e emitir respectiva sanção frente ao descumprimento de seus deveres constitucionais como Chefe de Estado, Chefe de Governo e Autoridade Administrativa Suprema (Artigo 189 C.P),

Considerando:

Que no Marco Legítimo dos Povos Indígenas é pensamento passado de geração a geração, como um exercício de memória coletiva, que cada povo e cada cultura têm para se relacionar com a natureza e com outros povos, a Lei de Origem , que se manifesta nas indicações dadas pelos espíritos da natureza, nos usos e costumes e na forma de pensar e se relacionar entre os seres, convertendo-se em normas guiadoras que mantêm vivas as expressões culturais, os processos de identidades, a harmonia e o equilíbrio comunitário;

Que desde as origens, os povos ancestrais indígenas nos falam de espíritos protetores, da manutenção do equilíbrio social, espiritual e cultural com a terra, e que por isso o exercício de governar e de aplicar justiça estão muito ligados aos princípios de regulação e autorregulação de acordo com os deveres e normas transmitidas pela natureza e outros seres que fazem possível a vida integral;

Que os povos indígenas, desde o seu processo político-organizacional têm mantido relações com outros povos indígenas, afros, agricultores, setores sociais, populares e sindicais, cooperando na defesa da Vida, da Paz, do Território e da Democracia, para alcançar o bem viver e a sobrevivência dos mesmos;

Que no dia 19 de outubro de 2020, a Minga Nacional, através dos setores étnicos, sociais, populares e sindicais apresentou, de forma verbal, ante os juízes naturais e constitucionais uma denúncia formal, afirmando a violação massiva e sistemática dos direitos ancestrais, milenares, fundamentais e constitucionais – a Vida, a Paz, o Território e a Democracia; e que em função disso, esses mesmos juízes, reunidos na praça principal do Distrito Capital de Bogotá, Simon Bolívar, admitiram as denúncias instauradas, ao tempo em que evidenciaram a continuação de inconstitucionalidades declarada pela Ilustre Corte Constitucional na sentença T-025 de 2004 e nos autos de seguimento.

Fatos que fundamentam a sentença

No dia 5 de abril de 2019 a Minga do Sudoeste convocou, em Monterilla, o Presidente da República de Colômbia, Iván Duque Márquez, a um debate político e reivindicativo pela defesa da Vida, do Território, da Justiça, da Democracia e da Paz. O mandatário argumentou que, por motivos de segurança, não pôde comparecer ao lugar combinado, e por isso mudou para o município de Caldaño. Segundo o relato dos denunciantes, uma vez estando na área urbana de Caldaño, o Presidente manifestou, de forma injustificada, sua decisao de não participar no debate público com a Minga.

Diante do primeiro descumprimento, ocorrido em 2019, a Minga do Sudoeste convocou, novamente, de maneira escrita, no dia 5 de outubro de 2020, o senhor presidente da República da Colômbia, Iván Duque Márquez, a um debate de caráter público, pela defesa da Vida e Paz, do Território e da Democracia, na cidade de Cali. O mandatário enviou uma comissão, Composta, entre outros, por cinco (5) ministros, dois (2) vice-ministros, Diretores de entidades, Comandante das Forças Militares e Poliícia Nacional, Alto Comissariado para a Paz, Comissão chefiada pela ministra de Interior Alicia Arango, que se manifestaram ter a vontade de fazer a proposta pela Minga, representando o Presidente da República, ao que os delegados desta esclareceram que a referida comissão não tinha competência para suprir as atribuições do Presidente da República.

Devido à negação do presidente em participar do debate proposto pela Minga do Sudoeste na cidade de Cali, no dia 14 de outubro de 2020 os delegados na instância da Comissão Política da Minga e da comunidade presente determinam marchar, de maneira pacífica, até a cidade de Bogotá, fazendo várias paradas nas cidades de Armênia, Calarcá, Ibagué e Fusagasugá, onde, em cada uma, esperou o anúncio oficial do Presidente da República sobre a data e a hora em que que se encontraria com a Minga Nacional para proceder ao debate sobre as questões estruturais levantadas.

Em 19 de outubro de 2020, A Minga, que é inicialmente convocada por organizações do Sudoeste da Colômbia, a exemplo de CRIC, CRIHU, CRIDEC, ORIVAC, KWESX KSXA´W, CNA CAUCA- PCN- ACONC, COCCAM, ERPAZ, CUT CAUCA, FENSUAGRO, SINDESENA, PUPSOCP, LXS SIIN TETOS, POVO DIVERSO LGBTIQ, CONGRESSO DOS POVOS, CIDADE EM MOVIMENTO, CUT VALLE DEL CAUCA, MOVIMENTO ESTUDANTIL, MARCHAPATRIOTA, ASSONAL JUDICIAL, NOMADES E CIMA, as quais, durante a manifestação foram integrando-se voluntariamente ao eixo principal das reivindicações, formaram a “Minga Nacional”.

Análise dos fatos

Enquanto Chefe de Estado, Chefe de Governo e Autoridade Administrativa Suprema, é dever do Presidente da República promover o bem-estar da comunidade, garantir a eficácia dos princípios, direitos e deveres consagrados na Constituição, facilitar a participação do constituinte principal nas decisões que os afetam, desde a vida econômica, política, territorial, administrativa e cultural do Estado Social e Democrático de Direito. Porém, diante da relutância em convocar a Minga, foi “declarado ausente” e responsabilizado diretamente acerca das diferentes desarmonias que estão ocorrendo no território nacional contra a Vida, a Paz e a Democracia, as quais negaticamente as comunidades indígenas, camponeses, afro, bem como aos setores sociais, populares e sindicais do país.

A Constituinte Primária é a base fundamental da democracia das nações e, no caso da Colômbia, exigir direitos por meio da manifestação pacífica é garantia de sobrevivência multiétnica e intercultural das comunidades étnicas, sociais, populares e sindicais. Na essência, esta expressão se constitui como um direito fundamental para demonstrar o caráter sistemático das políticas socioeconômicas e territoriais  concentradas em um único poder: o Executivo, que, de forma autoritária, se sobrepõe às demais competências: legislativa e judiciária, o que põe em perigo o Estado Social e Democrático de Direito.

Diante dos atuais e iminentes atos de agressão sistemática evidenciados e denunciados em cada uma das regiões de origem da Minga Nacional, reafirma-se a existência de um plano de “estigmatização”, intenção de restringir, limitar e processar os protestos sociais, assim como evitar o debate público, a única garantia encontrada por esses grupos afetados. A Minga Nacional interpela o Presidente da República, para que no quadro das suas funções constitucionais e jurídicas, cumpra o Acordo de Paz como Política de Estado; impeça a reconfiguração da guerra que afeta diretamente os territórios rurais e urbanos; e adote medidas suficientes e racionais contra a deterioração e o aquecimento global da casa comum – “Mãe Terra” –, destruição gerada pelo desenvolvimento e implementação de políticas que operacionalizam o modelo neoliberal, extrativista mineiro-energético, propostas desde a abertura econômica iniciadas com o Governo de Cesar Gaviria Trujillo e até hoje a continuidade ao presente que culpa o Governo de Iván Duque Márquez.

A responsabilidade do Governo Nacional chefiado pelo Presidente Iván Duque Márquez traduz-se na violação sistemática dos Direitos Humanos, e vai contra as decisões proferidas pelo Ilustre Tribunal Constitucional no Julgamento T-025 de 2004, que declarou inconstitucional o extermínio físico, cultural e espiritual dos povos multiétnicos e interculturais. En face a esse estado de coisas, a Minga Nacional,

Ordena:

PRIMEIRO:  Declarar o Governo Nacional à frente do Presidente da República Iván Duque Márquez, responsável por violar os Milenares Direitos Constitucionais Ancestrais e Fundamentais dos Povos Indígenas, Afrodescendentes, Camponeses, dos setores sociais rurais e urbano-populares e sindicatos da Minga Nacional;

SEGUNDO:  Ordenar o Presidente da República da Colômbia Iván Duque Márquez que altere e restaure os Milenares Direitos Ancestrais, Fundamentais e Constitucionais, gerando condições suficientes para o cumprimento e implementação do acordo de paz como política de Estado, e, consequentemente, capacitar as regiões para promover diálogos humanitários com uma perspectiva de paz, a fim de salvaguardar os planos de vida, o território e garantir a integridade dos seres;

TERCEIRO: Adotar e implementar uma verdadeira reforma agrária integral, estrutural, a partir das necessidades dos povos, comunidades, setores sociais e populares do país para conservar e proteger a “casa comum” ou “Mãe Terra”;

QUARTO: Ordenar o cancelamento de todos os tipos de concessões e licenças ambientais para projetos de mineração-energia que ameacem a vida e o equilíbrio natural onde vivem povos, comunidades, setores sociais e populares;

QUINTO: Adotar e implementar modelos e planos de ordenamento territorial comunitário, urbano e rural como alicerce da visão de mundo e concepção dos povos, e alternativas políticas e jurídicas em oposição ao modelo extrativista neoliberal que ameaça a vida;

SEXTO: Adotar e operacionalizar políticas públicas para o cumprimento da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Camponeses e Outras Pessoas que Trabalham na Zona Rural;

SÉTIMO: Proibir a pulverização aérea com glifosato e outras substâncias químicas, para evitar o envenenamento dos territórios das comunidades rurais e garantir de forma concertada os planos políticos e económicos de desenvolvimento comunitário no âmbito dos planos de vida ou planos das diferentes comunidades;

OITAVO: Implementar um modelo de desenvolvimento da transição mineração-energética que avance na superação do modelo extrativista e expropriação dos territórios, adotando e regulamentando o Acordo de Escazú (Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe);

NONO: Ordenar, no âmbito da Constituição e da Lei, para além da Lei de Origem, o Direito Maior, a implementação de mecanismos jurídicos e técnicos que garantam o respeito só direito fundamental à consulta prévia, livre e informada, de forma integral e vinculativa para os povos e comunidades étnicas; assim como gerar as garantias para o reconhecimento e adoção das Consultas Populares como um direito legítimo e legal das comunidades para decidir sobre seus territórios;

DÉCIMO: No quadro da Constituição e da Lei, o Direito Maior e a Lei de Origem, reajuste a institucionalidade para que garanta a soberania do Constituinte Primário, em busca do seu bem-estar e bem viver;

DÉCIMO PRIMEIRO: Ordenar o estabelecimento de garantias e respeito aos mecanismos de participação política e jurídica do Constituinte Primário, reconhecido na Carta Política;

DÉCIMO SEGUNDO: Adotar as diretrizes e mandatos emanados dos espaços coletivos e comunitários dos territórios que tecem seus próprios sistemas, que dinamizam a vida econômica, social, cultural, espiritual e ambiental para o bem viver das comunidades que permitem enfrentar as economias ilícitas;

DÉCIMO TERCEIRO: Ordenar a promoção de uma iniciativa legislativa com o objetivo de realizar uma ampla reforma político-eleitoral e transparente nos mecanismos de nomeação de cargos eleitorais populares;

DÉCIMO QUARTO: Ordenar a Revogação do Decreto 1174 de 2020, emitido pelo governo nacional durante a declaração de emergência, através do qual se adicionou o Capítulo 14 ao Título 13 da Parte 2 do Livro 2 do Decreto 1833 de 2016, para fins de regulamentação do Piso de Proteção Social para pessoas com renda inferior a um Salário Mínimo mensal vigente;

DÉCIMA QUINTA MEDIDA DE PRECAUÇÃO:  Notificar as Organizações Nacionais e Internacionais de Direitos Humanos como observadoras do cumprimento da presente Sentença proferida pelos Juízes Naturais e Constitucionais;

DÉCIMO SEXTO: Encarregar o secretário da Presidência da República de traduzir esta norma a todas e cada uma das línguas faladas em território colombiano pelos povos indígenas Rom, Palenqueros, Urbanos, Raizales e demais comunidades coabitantes do território colombiano.

NOTIFIQUE-SE E CUMPRA-SE.

Plaza de Bolívar, 19 días do mês de outubro de 2020


Traduzido por Ivy Miravalles / Revisado por Verbena Cordula Almeida