RELATO
Por Alfredo Soares*
De uma hora pra outra me peguei com as flores e a horta do meu quintal. Converso com elas quando chego do trabalho e me ponho a molha-las. É uma terapia. Falo de tudo e ouço música.
Me lembro do meu primeiro trabalho. Seu Olavo cuidava do jardim da casa de dona Sônia, uma carioca, esposa do seu Damasceno, que tinha a melhor casa da rua. Na verdade era uma mansão se comparada as demais.
A casa era cercada de um jardim enorme e muitas plantas e árvores. Seu Olavo se esmerava, mas precisava de um ajudante. O tempo já lhe cobrava os anos passados.
Então lá fui eu a mando do meu pai. Seu Sebastião, astuto e inteligente, não pensou duas vezes quando pedi dinheiro pra ir a matinê de domingo, com meu tio/irmão José Carlos. Ele me influenciou, na adolescência, me apresentando seus discos de Beatles, Led Zepelim Black Sabath, entre outros.
Como a febre das discotheques estava só começando e eu não queria ficar de fora, agarrei a oportunidade de ganhar um trocado toda sexta feira e ainda comprar drops Ducora ou Mentex pra chegar nas cocotas.
Fiz 14 anos e Zé me levou a melhor matinê – era assim que se chamavam as tardes dançantes de domingo – da cidade. Meu pai, diante do meu pedido, me sugeriu que eu mesmo pagasse pela entrada no Clube Comary, onde acontecia a domingueira . Eu, sedento por não perder uma balada decidi aceitar.
Pela manhã estudava no C. E. Higino da Silveira e a tarde ia trabalhar com seu Olavo.
O jardim de dona Sônia era a parte boa. Seu Olavo fazia bicos pela vizinhança. Ele não rejeitava serviço. Por conta dele aprendi a limpar fossas, carreguei muita lajota escada acima, passei muito fios por dentro de conduítes, virei muita massa em obra. Mas o jardim era o que eu gostava.
A cada semana que dona Sônia subia, ela trazia uma planta nova. Pra ficar tudo arrumado era preciso regar as plantas, podar e, principalmente, limpar a grama chinesa que ficava debaixo de duas enormes árvores de eucalipto, que perfumavam o ambiente como numa sauna a vapor, e da grama esmeralda que ficava na subida de lajota por onde o carro entrava.
Em dias de vento era quase impossível deixar tudo limpo. Seu Olavo quase surtava com a demora. Ele mesmo não pegava no ancinho. Só gritava pra que eu não me atrasasse. Normalmente isto ocorria nas tardes de quinta ou sexta.
O jardim era lindo. Dona Sônia planejara cada cantinho. Gramara tudo e colocara trilhas de pedra para cada canto que a gente olhava. Seu Damasceno chegava dirigindo seu Dodge Dart Coupé V8, com dona Sônia ao lado e os filhos atras. Os mais velhos vinham em seus próprios carros. Dona Sônia também dirigia. Era uma mulher moderna. Moravam em Laranjeiras.
Em Teresópolis, a casa de assoalho tinha uma sala em dois pavimentos. Cada filho tinha seu quarto e Marcelo, seu filho mais novo, era amigo da molecada da rua. Ele sempre convidava os meninos pra encarar as aventuras do fim de semana. Eu, Marcelo de dona Noemia, Serginho e Antonio Luís não faltávamos ao encontro aos sábados e, quando as férias chegavam praticamente morávamos por lá. Nos dias de chuva íamos para o quarto dele brincar de Autorama.
Também tinha a briga pra andar na sua bicicleta alemã de nome bikeandor.
Na casa uma ladeira dava para o final da rua onde tinha uma rotatória, que fazíamos de campinho. Nosso desafio era descer a toda, montado na Bike, indo parar na rotatória
Não bricavamos no jardim, pois era quase todo Inclinado. Pra evitar acidentes, escalávamos um pra viajar a entrada e, principalmente, pra avisar da chegada de dona Sônia. Ela, como mãe, temia por nossas vidas. Seu Damasceno, elegante e altivo, era mais condescendente com a nossa bagunça.
Bem, aquele jardim da casa de cima – era assim que chamávamos a casa – era nosso parque de diversão. Não faltam boas histórias, ombros e penas raladas, sinais de um tempo bom. Vivemos a década de 70 distantes dos seus problemas. A gente só queria aproveitar a vida e ser criança, descobrindo e experimentando coisas e sentimentos.
O tempo passou, a democracia foi instalada e eu deixei de trabalhar com seu Olavo no jardim de dona Sônia. Crescemos. Meu pai me levou pra carpintaria e de lá fui tentar a vida no radio.
Mas o jardim me motivou a gostar das plantas. Hoje tentei entender o porquê de tanto querer comprar uma begônia aqui pra casa. Vê-la florir e colorir o quintal. Creio que tem a ver com aquele jardim da casa de cima da minha rua. Confesso que eu saí de lá, mas a rua na saiu de dentro de mim.
* Jornalista, radialista, escritor. Teresopolitano radicalizado em Campos/RJ. Instagram: alfredosoares49
** Pintor, cartunista e ilustrador. Também é professor de desenho. Instagram