O encontro virtual intitulado “Multiconvergências de Redes Globais”, realizado no dia 29.08.2020, contou com a presença de representantes de onze redes internacionais e transcorreu em uma alegre atmosfera de riquíssimas trocas. A grande diversidade de abordagens presente e a unidade no engajamento comum por um mundo justo, solidário, democrático e ecológico foram a marca da reunião. Estabeleceu-se uma bela conexão entre pessoas que preocupam-se com o bem comum tanto na plenária geral realizada em espanhol, quanto nas quatro salas de discussão por língua, espanhol, português, inglês e francês. Essa conexão foi enriquecida pelas práticas de pequenas meditações coletivas no início e no final do encontro, em metodologia proposta pelo Movimento Humanista, rede que organizou o evento. A torre de Babel da qual fez parte muitas dezenas de pessoas terminou com um divertido ensaio geral da música Imagine de John Lennon, tão representativa das aspirações de um mundo sem fronteiras onde as pessoas possam viver dignamente.
A perspectiva que agora se apresenta para a continuidade do encontro é a troca de informações entre as redes pela partilha dos contatos via e-mail das pessoas presentes e um novo encontro no dia 20 de setembro no quadro da rede Viral Open Space. Houve uma proposta de encaminhamento de uma carta comum para apresentação conjunta de documentos das redes presentes no encontro, já publicados por Pressenza para autoridades internacionais no sentido do fortalecimento mútuo. Do mesmo modo, as redes articuladas se empenharão em aproximar-se de outros processos de convergência da cidadania global hoje em andamento, para que se tenha maior impacto político pra fazer valer os generosos objetivos da cidadania organizada.
A perspectiva para os próximos meses é que outras redes vão assumindo outros encontros, para que se possa avançar em um processo co-construído, que fortaleça as redes que já estão no processo, assim como outras que virão.
A seguir continuaremos a dinâmica de publicar opiniões de pessoas representativas das redes participantes sobre o processo de multiconvergência dessa vez com a voz de Carminda Mac Lorin (Viral Open Space), de Alain Caillé (Movimento Convivialista International) e Andrea Caro Gomez (FSM Economias Transformativas).
– Como você se sentiu a respeito desse esforço de articulação entre as redes globais?
Carminda Mac Lorin: – Esse esforço de articulação alimentou minhas esperanças de realmente ver redes que se complementam, mas que nem sempre se comunicam sistematicamente, se aproximarem. Se queremos mudanças positivas e duradouras em nível planetário, aproximar diferentes perspectivas é fundamental – mesmo que isso represente um desafio metodológico. E devo dizer que estou particularmente entusiasmada com a experiência de encontros virtuais (essa também é a aposta do Viral Open Space). O que não teria sido possível há apenas seis meses está tomando forma, a planetaridade parece estar se expandindo.
Alain Caillé: – Senti como uma ótima notícia. Minha convicção é que não conseguiremos prevenir as catástrofes de todos os tipos que nos ameaçam (climáticas, ambientais, financeiras, econômicas, sociais e morais) se não conseguirmos provocar uma mudança radical na opinião pública global. É uma espécie de revolução moral que devemos realizar; e nenhuma de nossas redes pode fazer isso sozinha. Urge, portanto, unir as nossas forças e, para isso, a forma do arquipélago parece-me a melhor possível. Um grande obrigado, portanto, a Débora Nunes por tomar esta iniciativa.
Andrea Caro: – Acho importante que possamos encontrar tempo para trocar ideias, para compartilhar nossas realidades, para crescermos juntos em humanidade. As redes em torno da mesa parecem-me espaços promissores para continuar a fazer surgir um arquipélago de cidadãos globais e para continuar a fomentar a solidariedade entre os povos da Terra num espírito de globalidade unida.
– Que possibilidades você vê para o futuro desse processo de articulação e multiconvergência entre redes?
Carminda: – No atual contexto de pandemia e crises exacerbadas, esse processo de articulação pode desempenhar um papel importante. Pode mesmo abrir momentos para a experimentação de metodologias e para o real cruzamento de redes, no respeito das particularidades e no reconhecimento mútuo.
Alain: – O segundo Manifesto Convivialista foi assinado por cerca de 300 intelectuais e ativistas de 33 países diferentes. Se esse arquipélago de redes cidadãs globais realmente surge e se afirma, poderemos pedir a cada uma delas que mobilize-se internamente e venha a aderir. Eu acho que isso poderia rapidamente representar muitas pessoas.
Andrea: – Parece-me que o processo deve aportar momentos de encontros que nos façam continuar a trocar até o FSM 2021 no México para poder daí continuar a fazer emergir cooperações.
– Quais são as dificuldades que você encontra em tal processo de articulação global de redes?
Carminda: – Este processo, como todos os outros que aspiram a abrir espaços de aproximação às várias redes, apresenta a meu ver um importante desafio metodológico. Como estarmos juntos sem que as palavras de uns ocupem mais espaço do que a de outros? Como sair da lógica da competição que impera hoje em grande parte dos círculos, mesmo nas chamadas iniciativas progressistas? Não acredito que haja uma solução mágica. Em vez disso, acredito que a busca por metodologias participativas deve ser um caminho para perseverar. Provavelmente a exploração será tortuosa, cometeremos erros, depois nos veremos exaltados pela doçura das trocas, celebraremos encontros profundos e significativos, e então refaremos nossos passos, com nossos velhos hábitos e nossos egos … E mesmo aí, teremos que continuar, porque é esse caminho repleto de paradoxos que nos permitirá aprender a agir juntos.
Alain: – A primeira dificuldade é fazer compreender que o que mais nos penaliza perante o neoliberalismo que domina o mundo é a ausência de uma doutrina capaz de se sobrepor às grandes ideologias políticas da modernidade (liberalismo, socialismo, comunismo e anarquismo, para não mencionar a diversidade de religiões herdadas). Essas ideologias funcionaram como “religiões seculares”. Por isso eles conseguiram mobilizar e canalizar paixões. Estas são novas paixões (a paixão de proteger os seres vivos e a humanidade) que temos que criar.
Andrea: – A principal dificuldade para mim é que nos fechemos e deixemos de trabalhar com todas as partes interessadas, incluindo as instituições, embora os ritmos sejam diferentes. É por isso que me parece importante dedicar tempo e regularidade através do Viral Open Space, por exemplo (espaço aberto para intercâmbio via internet no espírito do FSM).
– Sabendo que as redes globais são multifacetadas e não focadas em um único tema, em qual tema você acha que a rede da qual participa deve se concentrar para a ação conjunta das redes globais?
Carminda: – São tantos os temas que devem ser levados a sério, como a situação dos refugiados, os perigos da energia nuclear, a discriminação sistêmica, a desinformação, o populismo e o fascismo, só para citar alguns. No entanto, acredito que o coletivo organizador do Viral Open Space deve permanecer focado na construção de espaços abertos, onde várias pessoas, grupos e redes possam se sentir próximos e aprender uns com os outros. Isso permitirá, espero, multiplicar reaproximações eficazes, do local ao global.
Alain: – O postulado do convivialismo é que o principal desafio que temos de enfrentar (aquele do qual todos os outros derivam) é dominar finalmente o que os gregos chamam de hubris, o desejo de onipotência, do qual a dominação planetária do capitalismo rentista e especulativo e a explosão insana de desigualdades que isso acarreta são a expressão mais óbvia.
Andrea: – O Fórum Social Mundial de Economias Transformadoras é um assunto importante em si mesmo, acho que a visão de uma economia política que não explore a vida dos humanos e que respeite a natureza é, sem dúvida, uma das alavancas importantes para formar humanidade juntos. Sobretudo porque é na encruzilhada de seus dois temas que podemos trabalhar as bases essenciais, os valores que queremos ver crescer na sociedade. O trabalho sobre estes valores fundadores adotados por todos faz com que possamos definir um território de valores. Essa comunidade política humana seria capaz de adotar um novo pacto socioambiental que pode ser baseado por exemplo nos princípios fundadores que os povos nativos americanos chamam de buen vivir.
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