No dia 15 de novembro deste ano de pandemia, as pessoas no Brasil conviverão com mais de um milhão de candidatas e candidatos para o parlamento e para o executivo municipal. Serão mais de 100 mil vagas disputadas em todo o país. Há, nesse país chamado Brasil, 5.568 municípios onde serão disputadas vagas para prefeitas ou prefeitos, com as respectivas vices, e vagas para vereadoras e vereadores. O município com mais vagas para a câmara é a cidade de São Paulo, com 55 cadeiras, a quantidade máxima apresentada pela Constituição de 88, que já foi alterada pela emenda constitucional 58 de 2009. A quantidade de vereadoras e vereadores, nas câmaras, é determinada pelo número de habitantes que há em cada município. Assim sendo, a partir de 2009, a câmara com menor número de parlamentares passou a possuir 9 vagas, em municípios com até 15 mil habitantes (menor que a favela da Maré no Rio), e a com maior número possui 55 vagas, municípios com mais de 8 milhões de habitantes.
Vale dizer que as três maiores câmaras municipais em quantidade de parlamentares e em orçamento são: São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. As três juntas reúnem, aproximadamente, um orçamento mensal de 200 mil reais por gabinete. Salário que pode chegar a 21 mil reais, garantido pelo Estado, além de estrutura com pessoas, profissionais ou não, que trabalhem para cada vereador ou vereadora. Em São Paulo essa “verba de gabinete” chega nos 130 mil por mês. E, afinal, para ser vereadora ou vereador tem que ter 18 anos completos, ser nacional do país, alfabetizada ou alfabetizado, estar em dia com as obrigações eleitorais, estar em “pleno exercício dos poderes políticos” e, caso seja macho, estar em dia com o serviço militar. Ou seja, é um “bom negócio” ser vereador ou vereadora.
Nem vamos avançar para o que pode vir, pois como em geral a política foi reduzida, pela força do senso comum, a uma carreira, fica fácil ouvir que “ser político é um bom negócio”. Assim se começa na vereança, já se esperando chegar nas assembleias legislativas ou na Câmara Federal e, quem sabe – com um pouco mais de impulso do capital, do dinheiro ou de padrinhos –, pode-se chegar até a prefeitura, o governo, o senado ou a presidência. É, pode parecer que a carreira é grande, e não é para menos, pois haverá, nas eleições de 2020, mais de um milhão de pessoas concorrendo em todo o Brasil. E não é porque acabaram as alianças para “proporcional”, mas sim porque é um “cargo desejado”.
Mas, afinal, disputar uma eleição virou um “bom negócio” por quê? E para quem? Por que, afinal, a política se reduziu, em última instância, à disputa de carreiras? O que é a política, o que é fazer política e quem é da política? Qual é a diferença entre os que possuem cargos eletivos, os que votam e os que não votam? Afinal, a fim e a cabo, teríamos que nos perguntar o que é fazer política, para onde queremos ir e o que faremos como sujeitos políticos nas eleições. Nós que defendemos a vida, apesar da onda do empreendedorismo político que tomou conta ideologicamente das pessoas, temos o dever de fazer valer todos os cargos eletivos que defendem a vida, de modo a ocupar o lugar daqueles que defendem a morte para que eles não cheguem.
Pode-se afirmar que essa é uma tarefa difícil, em todos os sentidos. Mas uma tarefa necessária. Nós que somos a multidão do mundo, em quantidade inquestionável a multidão do Brasil, precisamos nos construir coletivamente como sujeitos das transformações para a vida melhor. Nossa unidade em sabedoria coletiva, que pode ser terra para transformações do mundo, fazendo sustentar a vida, é o grande desafio que temos nesse modelo desastroso chamado e escrevivenciado como capitalismo.
Assim, algumas atuações são fundamentais para que aqueles que defendem a vida e lutam contra as diversas desigualdades estruturais e institucionais possam ocupar os lugares na vereança e nos poderes executivos municipais e fazê-los, de fato, valerem, para além de reduzi-los a uma carreira política personalizada e que de nada modifica o estado atual de coisas: a primeira requer a utilização desses espaços para a ampliação, cada vez mais volumosa e mais profunda, de seu caráter público. Para tal é necessário ir desfolhando o Estado e o seu conteúdo patrimonialista, privatista, racista e sexista. Para isso, os programas, as formulações de políticas públicas, a fiscalização do executivo e a formulação de legislações só terão sua força transformadora se esse espaço jurídico-político for ocupado, sob a força da representatividade, por uma base cada vez mais ampla. Mas para que essa base se amplie, é necessária, em segundo lugar, a organização política. Os partidos precisam existir e funcionar, com formas e estéticas cada vez mais amplas, como os organizadores coletivos, que atuam, organizam, formam, asseguram, identificam e produzem a identidade coletiva. Significa dizer que eles precisam se tornar a estrutura identitária das pessoas, a partir da qual elas se organizam, se identificam, se formam e atuam. Sem uma organização política identitária que produz confiança e segurança coletiva, a representatividade no espaço estatal se reduzirá, cada vez mais, à disputa de carreiras personalizadas ou a clubes de amigos, sob o risco de sua própria morte como representação e possibilidade de atuação. Isso requer não somente o fortalecimento das organizações políticas, partidárias e da sociedade civil, mas, sobretudo, de sua unidade política.
E, atenção, a mudança de método é um processo fundamental. A convivência na diversidade é a força para a unidade. Assim, a disputa eleitoral não pode se reduzir a uma disputa interna no interior do mesmo campo de atuação, mas ao contrário, precisa se transformar em ampliação deste campo de atuação, com mudança e ampliação de seu método e de seu conteúdo. Assim será possível acumular forças para mudar o Brasil e o mundo.
Sabemos que no modelo atual predomina a ideologia dominante cuja função jurídico-política é a organização do parlamento e do poder executivo para fins de destruição e com práticas que colocam a exploração como mais importante do que a vida. Essa mistura cínica de exploração, dominação, controle e poder não abre espaço para o amor e para a vida. Eis, então, nossos desafios colocados, votar em pessoas que se construam como sujeitos em defesa da vida, da dignidade humana, da ampliação e do aprofundamento da democracia, em todos os aspectos e em todas as dimensões. Mas, para além disso, temos o desafio de construir campanhas que não se sustentem em narrativas e propagandas mentirosas ou que se aproveitem da ignorância imposta. Se apropriar da ignorância política que o Estado impõe para fazer valer a mentira sobre a relação das pessoas entre si e com o mundo não pode ser prática aceitável, ao contrário, precisamos superá-las com prática coletivas, solidárias e verdadeiras. Desfolhar o Estado e organizar a força coletiva e ampla como base de atuação são dois pilares fundamentais para que as eleições e a representação parlamentar, em todos os cargos eletivos, não corram o risco de, em nome da mudança, reproduzir o que há de pior na política que predomina no capitalismo sob o manto místico de uma representatividade e de narrativas que, apesar de necessárias, limitar-se-ão à reprodução do óbvio. Seremos, portanto, nós, os defensores e construtores de uma consciência contemporânea transformadora que se sustenta no verdadeiro e na solidariedade.
E, para falar das flores, é preciso lembrar que no ano de 2020 a eleição que vai impactar o Brasil, para ventos de continuidade degradante desta neocolônia ou com ondas de possibilidades de mudanças em favor da vida, será, principalmente, a dos EUA. É lamentável que o império decadente tenha tanto impacto e força para impregnar os rumos políticos que podem destruir ainda mais a vida ou abrir o oxigênio para respirar superações. Que o oxigênio tome toda a vida e que o atual presidente dos EUA não seja reeleito. Assim, quem sabe, seguimos o mesmo movimento para que o daqui do Brasil também não seja reeleito em 2022. E que os “dois patinhos na lagoa” aglomerem uma multidão por mudanças em defesa da vida e da dignidade em todas as dimensões.