MUSICA
Me seguro para não começar essa história com o clássico “era uma vez”, não porque o conto não mereça, mas pelo fato, dos dois personagens principais, habitarem esse mesmo tempo, em que passo a fazer essa narrativa.
Ricardo Killian e Vanessa Tiburski são dois artistas brasileiros. Ele, O Bardo e ela, a Fada. E essa história começou há duas décadas na cidadezinha de Santa Ângelo, no Rio Grande do Sul. Com apenas 19 anos, esses dois personagens começaram a escrever uma história cheia de música, amor, em suas mais possíveis variações, e ideias bem revolucionárias para não dizer, anárquicas.
No começo tudo parecia bastante normal – dois jovens que se encantam e se juntam para construir uma vida a dois. Dessa união, nascem duas meninas, Lavínia, de 15 anos e Mônica, de 11. Até aí tudo normal. Os dois trabalhavam cantando pelos bares, casas de show, vernissagens e onde mais pudessem levar a sua arte. E foi esse lugar comum, que impulsionou a decisão que o casal tomaria. Primeiro, passaram a ser os responsáveis pela educação das filhas. Os valores incutidos na educação formal não faziam parte dos planos de Ricardo e Vanessa para as meninas.
As relações profissionais que os dois cultivavam até então, também não. E a decisão foi ganhar as ruas. Levar a música que eles produziam para as pessoas comuns, tendo as ruas como o principal palco.
Pegaram então a Kombi, batizada de Elvira, o cachorro Rock e as duas meninas e se embrenharam Brasil afora. Elvira se transformou em transporte e uma casa completa, onde dormem, cozinham, compõem e mantêm vivos os laços de família.
Adeptos do poli amor, Bardo e Fada, são muito mais que suas escolhas afetivas ou sexuais, eles desafiam a lógica capitalista do apego às coisas e do desejo de possuir.
E é dentro dessa construção de si mesmo, dentro de um mundo acostumado aos padrões, que o casal segue criando e conquistando fãs com sua musicalidade. Fada é a voz – vibrante na emissão e nas performances, Bardo é um músico, o andarilho e o protetor da família.
Nas redes sociais, o casal publica suas aventuras pelas ruas das pequenas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Bahia. Para Bardo o brasileiro tem bom gosto musical e infelizmente os meios de comunicação formais massificam um produto musical de baixa qualidade, impedindo que o povo tenha acesso a outras possibilidades mas, quando têm, as pessoas gostam e se identificam com o que ouvem.
Além das músicas autorais, o casal investe também na linha cover, apresentando, principalmente clássicos do rock internacional.
Sobrevivem passando chapéu durante as apresentações e também vendendo os produtos, como os cds da banda na loja montada no site bardoefada.com.br.
O casal nesse momento está com uma campanha para aposentar Elvira e comprar um ônibus, pois as filhas estão precisando de mais espaço e melhores acomodações. Para juntar dinheiro estão vendendo os cds e pretendem vender a kombi para complementar.
Nessa aventura pelo interior do Brasil o casal já passou por vários perrengues, e atualmente, prefere rodar pelas estradas secundárias e na hora de dormir estacionar Elvira em postos de gasolina para garantir a segurança de todos.
Por onde passam, Bardo e Fada deixam sua marca.
Durante a pandemia redobraram os cuidados com a segurança e mantêm o distanciamento, preferindo as apresentações, através das lives próprias ou como convidados de outros artistas.
Bardo confessa, que nos últimos quatro anos, presenciou o ódio nas ruas e acabou temendo por ele e a família. Para ele a disputa política influenciou negativamente o comportamento das pessoas, mas acredita que isso ficou para trás e acredita que no Brasil, político é apenas uma foto na parede e uma faixa no peito, não serve para nada.
O casal fala que a cada 100 quilômetros rodados descobre um Brasil diferente. As nuances do povo, o humor vivo do brasileiro, que apesar de falarem o mesmo idioma, sofre uma variação muito grande à medida que eles vão se aprofundando pelo interior do país. Completamente anti-sistema, Bardo e Fada preferem passar distante das discussões políticas ou de tomarem partido desse ou daquele candidato, pois acreditam que as transformações que precisamos enquanto sociedade, passam mais pela evolução individual, do que pela ação dos políticos.
Enquanto escrevo sobre esses personagens, me vem a mente, uma canção de Chico Buarque que retrata brilhantemente a vida de um artista nômade e mambembe:
No palco, na praça, no circo, num banco de jardim
Correndo no escuro, pichado no muro
Você vai saber de mim
Mambembe, cigano
Debaixo da ponte
Cantando
Por baixo da terra
Cantando
Na boca do povo
Cantando
Mendigo, malandro, moleque, mulambo bem ou mal
Cantando
Escravo fugido, um louco varrido
Vou fazer meu festival
Mambembe, cigano
Debaixo da ponte
Cantando
Por baixo da terra
Cantando
Na boca do povo
Cantando
Poeta, palhaço, pirata, corisco, errante judeu
Cantando
Dormindo na estrada, no nada, no nada
E esse mundo é todo meu
Mambembe, cigano
Debaixo da ponte
Cantando
Por baixo da terra
Cantando
Na boca do povo
Cantando.
Assim como começo essa história querendo usar o “era uma vez”, agora que estou terminando gostaria de usar o “ e foram felizes para sempre”, mas sei que nessas fábulas modernas é melhor acreditar num final surreal, onde Bardo, Fada, Lavínia, Mônica e Rock conquistem o sonho mais imediato de comparem o ônibus, já batizado de Borboleta de Metal e sigam pelas estradas fazendo aquilo que gostam e os fazem felizes.
Mais informações sobre essa aventura musical nômade confira no site ou nas redes sociais dos artistas.