A pandemia criou uma situação sócio-histórica no qual as instituições ficaram ainda mais distantes dos territórios onde estão os sujeitos que sofrem os vários impactos, ainda mais duro nesse momento. Mas tal situação não pode criar uma esteira de afastamento da realidade, como vem ocorrendo em Brumadinho.
O crime humano e ambiental da empresa Ré – Vale S.A. assolou por completo as regiões atingidas pelos rejeitos do minério da barragem, trazendo um luto coletivo para todas as pessoas, entre as quais a grande maioria vive o impacto da lama em todas as dimensões. Todos aqueles que compreendem o espaço territorial de impacto da lama. Faz-se necessário lembrar que o processo do luto, encharcado de tristeza e fraqueza humana, que causa abalos emocionais nas pessoas próximas e conhecidas, abala a vida de centenas de pessoas.
No caso dessas pessoas o COVID 19 se encontra com a irresponsabilidade que gerou em toda redondeza a perda da existência do corpo e o sentimento de morte em vida. Ao Estado e suas instituições, ao menos nesse momento, cabe prezar defender e fazer a vida existir. Não há luxo em ter, apenas, o direito de viver. Mas, ao contrário, os poderosos atuam para ampliar o medo, a violência e o desrespeito em todas as esferas.
Por determinação do Juiz da 2° Vara de fazenda e Autarquias de Belo Horizonte – Sr Dr Juiz Helton Pupo – as instituições de justiça, juntamente com as Assessorias Técnicas, deverão apresentar até a data de 25 de setembro novos critérios para continuidade do pagamento emergencial. Note-se, isso desencadeará nessas centenas de milhares de atingidos (as) da Bacia do Paraopeba o novo desastre potencializado em níveis não mensurados.
O rompimento da barragem da empresa Ré – Vale S.A. em Brumadinho, um crime e não um acidente, destruiu por completo vários setores econômicos causando dependência ao pagamento emergencial. Mirem-se nos valores, o pagamento emergencial no Brasil, o que era R$ 600 reais, enquanto o salário mínimo é R$ 1.045,00 reais e o DIEESE afirma que o mínimo necessário deveria ser R$ 4.420,11, passará a ser R$ 300,00 reais. E se pode dizer que há quem pode ou quem não pode receber? Ainda mais nessas condições em que o crime irresponsável da política faz com que o vírus encontre o vilão que derruba barragens e aterra pessoas? Isso não pode ser sério e muito menos razoável ou aceito pelos reais sujeitos, a comunidade que vive no território.
Aliado a morosidade há ainda a negligência do poder público municipal e estadual diante a realidade econômica pós catástrofe ciclópica do derramamento da lama, o que está impregnado do conceito e da existência do Lucro, principalmente pela empresa Ré, e, mais uma vez, os poderosos colocam o lucro acima da vida. É hora de garantir que centenas de milhares de atingidos (as) tenham a possibilidade de ressignificar suas vidas.
Mas agora não podemos deixar que a situação se agrave ainda mais. Como se não bastasse a complexa situação diante os dois fatores desastrosos, dois crimes contra a vida, a queda da barragem e o avanço do vírus na vida das pessoas, essas centenas de milhares de atingidos (as) se deparam com mais uma violência. A visão unilateral das “Instituições de Justiça”, e de aparelhos desastrosos do Estado, pretendem impor um novo critério para que essas vítimas sigam com um amparo financeiro mínimo. Atenção, não se trata do básico, mas sim do mínimo, e será o mínimo que não terão direito. Esse mesmo mínimo que, na maioria das vezes, é a única fonte de reserva para suas subsistências.
Colocado de forma arbitrária, como se quaisquer danos econômicos fosse mais importante que a vida que precisa ser preservada e defendida, buscam reverter o ônus da prova. Assim querem que as pessoas atingidas – as que mais sofreram e sofrem todos os impactos, que são sujeitos e como tais devem ser vistos e tratados – precisaram ter que reapresentar comprovantes que sim são atingidos(as). É lamentável que se exponha assim, mais uma vez, essas pessoas a constrangedora situação de serem avaliados pela empresa que lhes impôs o dano. Assim aprofundam o lugar de vítima e mais uma vez empurram as pessoas, que nem tiveram direito de sentir suas dores, nem conseguiram superar o luto de cada uma delas, muito menos ressignificar suas vidas, para situações de morte cada vez mais desastrosas.
Sabemos pois, que o Estado, em sua organização atual, já não apresenta a perspectiva de zelar pela vida da maioria, com decisões que levam a violência ou ao silêncio para favorecer os que mais lucram, como é o caso da empresa Ré – Vale S.A. que atua para diminuir a vida e o tempo de viver para a grande maioria dessas pessoas. Muitas negações existem, desde informações que não chegam, as verdades que são invertidas e a vida que é atropelada. E o que está em questão, para nós, é defender os direitos fundamentais dessas centenas de milhares de atingidos(as), que devem assumir o papel de sujeitos e como tais ser reconhecidos e decidir por um critério que se aproxime da justiça que muito inexiste em todo esse contexto. Não podem transformar as pessoas em reféns de decisões tomadas em reuniões com portas fechadas por meio de vídeos-conferências onde a maioria das pessoas, das comunidades atingidas, não podem ter acesso a ferramenta tecnológica.
As informações chegam como uma mera notícia periódica, mas na verdade contém a profundidade de decisões que resolvem se as pessoas podem viver ou são condenadas a morte. Nós sujeitos, levantaremos a cabeça e reafirmaremos o direito à vida, com participação real e dignidade humana.
Cabe, finalmente, lembrar, que a divulgação realizada pela empresa causadora de danos realizou centenas de acordos com calúnia e irresponsabilidade. São muitas as pessoas que estão a mercê da decisão da empresa Ré em aceitar ou reiterar pedidos de documentações que comprovem a solicitação dos(as) atingidos(as) no possível acordo. E, nesta hora, muitos ao buscarem acordo, para assegurar a vida, são pressionados por atendentes da empresa Ré a desistirem. A destruição é completa e vai da dimensão emocional até os corpos de cada uma dessas pessoas. Isso é inaceitável e se passa em um quando onde centenas de milhares de atingidos possuem, até agora, somente cerca de R$ 500,00 reais como meio de subsistência.
Eis a situação, essas pessoas que precisam ser tratadas como sujeitos e não como vítimas, mas com a potência humana que há em cada uma delas e no embalo da comunidade, precisam de ações coletivas para superar o que já está exposto desde o dia 25 de janeiro de 2019. Os desmandos do Estado e da empresa causadora dos danos, hoje, inicia mais um desastre, causado pela negligência do poder judiciário em definir pela exposição das pessoas que sofrem o maior impacto de toda essa violência. De um lado deve-se exigir do Estado – em níveis federal, estadual e municipal – uma postura assertiva em defesa da vida, por outro nós temos que nos organizar e mostrar que, como sujeitos que somos, podemos mudar essa história. Vamos fazer, com coletividade e solidariedade, a vida ser mais importante que o lucro e fazer valer a pena viver.