CONTO

 

 

Por Alfredo Soares*

 

A quarta-feira estava quente como quê. Nem parecia que o expediente na obra tinha ficado pra trás. O sol torrava o morro de frente. Nos casebres a roupa no varal servia como guarda sol protegendo quem estava dentro de casa. Das janelas abertas se ouviam os mais variados tipos de música. O povo do lugar gosta de barulho ostentação. Uma disputa ensandecida de ritmos. Subi a ladeira na disposição pra tomar um banho gelado, daqueles bem demorado. A ladeira apontava pro céu. Pelo caminho as vielas apertadas exalavam um cheiro de comida boa. Meu olfato me dizia: feijão com linguiça, carne assada, bolo de fubá, café forte… minha  intenção era tomar umas cervejas com os amigos no boteco do Madruga. Mas chegar em casa era preciso.

A tarde ardia em 40 graus. Dei boa tarde a todos que encontrei pelo caminho. Tinha o cara do bicho, o da boca, o padeiro, o fofoqueiro, as mulheres que desciam pra igreja. Passar batido, sem cumprimentar dava margens a especulações das mais variadas. Bastava passar sem falar pra acharem que você havia sido demitido, tinha levado um pé na bunda da mulher e por aí vai. Enfim cheguei.  A nega já sinhá saído para o supletivo. Sonhava com o serviço público. Antes de ir deixava o café fresco na garrafa e o pão com manteiga na mesa forrada por uma toalha branca com flores bordadas. Era impossível não comer depois do banho, mesmo querendo correr pra encontrar  Zequinha, Breu e Olégario. Com eles a cerveja descia refrescando e prolongava a resenha. Mas nesse dia resolvi dar uma olhada pela janela e vi que Leleo, meu parceiro dono do salão da quebrada, resolverá inovar. Ele levou seu salão pra cima da laje e lá estava a aparar o black da moçada. Dei uma olhada no retrovisor que tinha no banheiro e achei melhor mudar meus planos. O irmão era fera na arte de aparar o topete da negada. Naquela hora o vento sul tinha entrada trazendo uma brisa refrescante. Dei um berro, Leleo olhou, levantei o braço e gritei “– o próximo sou eu!”

Leleo reservou meu lugar e lá fui eu dar um tapa no visual. Quando a nega chegar vai me encontrar renovado, cheiroso, bonito. Com a breja no ponto na geladeira. Meus amigos encontro amanhã. Nada como aproveitar as oportunidades e rever a agenda pessoal. Vou só botar um vaso de flores artificiais na mesa aproveitando a toalha branca pra dar um clima.


* Jornalista, radialista, escritor. Teresopolitano radicalizado em Campos/RJ. Instagram: alfredosoares49
** Pintor, cartunista e ilustrador. Também é professor de desenho. Instagram