Por Organização de base Palestina/Campanha Contra o Muro do Apartheid
Traduzido por Priscilla Ferreira

 

Em 26 de julho, os palestinos reiteraram sua solidariedade e apoio aos moradores das favelas que são violentados por brutalidade policial e discriminação, ao realizarem um webinar como parte dos eventos do Julho Negro que acontecem anualmente no Rio de Janeiro, Brasil. O webinar procurou aproximar suas experiencias, que são ao mesmo tempo diferentes, mas também  comuns ao cotidiano nas favelas e na Palestina. O fortalecimento das pontes de solidariedade entre a Palestina e as favelas visa combater as estruturas opressoras do apartheid, militarização, colonialismo, colonialismo por ocupação, hetero-patriarcado, capitalismo e neoliberalismo, que privam todos os palestinos, assim como os residentes nas favelas, os indígenas e negros de seus direitos humanos básicos, sejam eles educação, habitação, saúde, segurança e muitos outros. Os eventos do Julho Negro são um espaço para condenar a validação e exaltação das práticas excludentes dos regimes opressores e de apartheid.

Julho Negro é uma série de eventos que são organizados pelos movimentos de favelas no Rio de Janeiro, Brasil. Este ano, o Julho Negro estava em sua quinta edição anual. O Julho Negro é um espaço para combater o racismo, a discriminação e o apartheid e para enfatizar a natureza internacionalista do combate contra todos os regimes opressores em todo o mundo. A participação anual dos palestinos no Julho Negro este ano foi por meio de um webinar devido à propagação da pandemia COVID-19.  Nossa participação é uma demonstração de solidariedade com nossas irmãs e irmãos que vivem desafio nas favelas superlotadas no Brasil. Para enfatizar e reiterar a solidariedade mútua entre os palestinos e o povo das favelas, convidamos dois palestrantes do Brasil: Fransergio Goulart e Gizele Martins e um palestrante da Palestina, Jamal Juma ‘. Fransergio Goulart é ativista do movimento de favela e organizador dos eventos que acontecem no Rio de Janeiro. Ele apresentou aos jovens palestinos que participaram do webinar o propósito dos eventos do Julho Negro, a situação nas favelas e o envolvimento internacional nos eventos anuais. Gizele Martins é jornalista, residente na favela da Maré, no Rio de Janeiro, e uma das organizadoras do evento. Ela visitou a Palestina em 2017. O webinar foi um espaço para Gizele compartilhar suas reflexões sobre sua visita à Palestina, as semelhanças entre as práticas de apartheid de Israel contra os palestinos e as práticas genocidas do Estado brasileiro contra os negros e moradores de favelas. Jamal Juma ‘, um proeminente ativista popular da Palestina e Coordenador Geral da Campanha Pare o Muro. Compartilhou com o público sua experiência ao visitar uma das favelas no Brasil para o Julho Negro de 2018, bem como experiências em encontros na África do Sul e no Brasil com movimentos de luta contra a opressão, expropriação e exclusão. Jamal também afirmou a importância de construir e fortalecer pontes de solidariedade mútua com os povos indígenas, marginalizados e negros que vivem em periferias, trazendo a Campanha Mundo Sem Muros como exemplo.

Nosso inimigo comum fala a mesma língua.

Palestinos e moradores das favelas lutam contra a mesma matriz global de opressões intersetoriais. Para a população das favelas, Fransergio destacou: “26 de julho, primeiro dia dos eventos do Julho Negro, é importante porque é o aniversário do massacre de Acarí. Há 30 anos, em 26 de julho de 1990, a Polícia Militar do Estado do Rio chegou a Acarí, uma das favelas do Rio de Janeiro, e sequestrou 11 jovens, 7 deles menores, que foram desaparecidos para sempre. Escolhemos esta data para iniciar os eventos do Julho Negro para lembrar o que aconteceu. ” Fransergio também declarou que parte do propósito do Julho Negro é “lembrar nosso povo de nunca parar a luta pela liberdade e justiça”. Por isso, acrescentou, “temos que guardar a memória daqueles que sofreram com a brutalidade policial brasileira”. Em consonância com Fransergio, Jamal comenta que para os Palestinos “é importante nos lembrarmos daqueles que sofreram e das catástrofes que nos levaram à nossa atual situação de um regime de apartheid israelense entrincheirado”. Jamal continuou a dizer: “Em maio de 1948, Israel foi criado sob os destroços das casas do meu povo. Em junho de 1967, Israel ocupou o restante da Palestina e começou a construir seus assentamentos ilegais, consolidando o apartheid,  marginalizando nosso povo em guetos. ”Como a opressão israelense do apartheid é parte integrante dos sistemas político-econômicos globais interligados de supremacia branca e do racismo, a opressão israelense do apartheid compartilha com tais sistemas as mesmas técnicas subjugadoras e desumanizantes do genocídio, prisão em massa, discriminação e guetização. Para enfatizar como os dois sistemas opressivos exportam ideologias e práticas de discriminação, violência e exclusão entre si, Gizele argumentou que “a discriminação exercida tanto pelo governo brasileiro contra nós nas favelas quanto por Israel contra os palestinos faz parte de um sistema capitalista global para marginalizar e silenciar as pessoas. ” Relembrando sua visita à Palestina, Gizele comentou:

A semelhança mais notável entre a situação dos palestinos e do povo das favelas é o sistema de apartheid que os dois regimes opressivos  impõem – o governo brasileiro e o regime de apartheid israelense. Na Palestina, vi o Muro do Apartheid e os jipes militares em todos os lugares como manifestações do apartheid de Israel. Isso é parecido com as favelas. Tanto na Palestina quanto nas favelas, os dois regimes opressores usam a violência contra os povos racialmente oprimidos, incluindo a prisão de crianças. Como alguns lugares na Palestina, as favelas carecem de eletricidade e água, de que mais precisam durante a pandemia. A única diferença é que as práticas impostas pelo regime do apartheid israelense são mais repressivas e violentas.

Jamal argumentou que a  brutalidade estrutural dos dois regimes opressores, conforme notada por Gizele, “está sendo consolidada e justificada por um processo constante de demonização e difamação de palestinos, negros e indígenas”. Ele acrescentou que “a grande mídia desempenha um papel importante em demonizar e desumanizar os povos que os regimes opressores procuram subjugar e dominar”. Fransergio afirmou que o governo brasileiro uniu seus interesses ao regime de apartheid de Israel e ao militarismo ainda mais ao permitir que Israel implemente projetos de diferentes tipos no Brasil. O mais notável deles é a exportação de ideologia de militarização, treinamento, serviços e técnicas de vigilância de Israel para a polícia brasileira perseguir, intimidar e atirar para matar defensores dos direitos humanos e pessoas nas favelas. O Brasil é um dos maiores clientes da Companhia Israelense de Segurança, Sistemas de Segurança e Defesa Internacional (ISDS). A ISDS está profundamente enraizada nos contínuos crimes de guerra de Israel e na consolidação das práticas de apartheid israelense contra o povo palestino. A ISDS comercializa suas armas e outros serviços como fazendo a propagando que foram “testados no campo” contra palestinos.

Vítimas passivas?

Não mais em meio à solidariedade mútua!  As semelhanças abordadas pelos três palestrantes ao longo do webinar mostram como as lutas dos palestinos e dos moradores das favelas por autodeterminação e justiça são esforços inextricavelmente interligados.  Como a Palestina, as pessoas que vivem nas favelas são sitiadas de uma forma ou de outra por meio da violência do policiamento, opressão sancionada pelo Estado, assassinatos brutais, prisão arbitrária, sistemas de vigilância, muros e controle de tantos outros aspectos da vida.  A experiencia de luta diária, afirmou Gizele com tom de irmandade, “torna a defesa dos direitos dos palestinos o mesmo que defender os direitos dos indígenas e dos negros no Brasil”.   Ela acrescentou que “a luta de ambos os povos é contínua, assim como a solidariedade mútua”.  Como parte dos esforços para internacionalizar as lutas das pessoas marginalizadas em todo o mundo e reforçar a solidariedade mútua entre elas, Jamal trouxe à tona a centralidade da Campanha do Mundo Sem Muros (WWW) como uma tentativa de unir diferentes povos contra a proliferação de muros globalmente. WWW foi lançada em 2017 pela Stop the Wall  (Parem com os Muros) e por movimentos indígenas no México como uma resposta à construção do muro da vergonha dos EUA em terras indígenas no México. Hoje, existem mais de 70 muros em todo o mundo, simbolizando como nosso mundo controlado pelo imperialismo, capitalismo, neoliberalismo e hetero-patriarcado substitui a justiça, liberdade e igualdade por muros de exclusão, discriminação, alteridade e exploração.

A disseminação da pandemia COVID-19 intensificou os muros visíveis e invisíveis definidas para controlar a vida dos palestinos, dos moradores das favelas e de outras pessoas marginalizadas em todo o mundo. As práticas discriminatórias do governo brasileiro estabeleceram um muro entre as pessoas marginalizadas que vivem nas favelas, as afastando ainda mais do acesso a medidas de proteção contra a pandemia, de do seu direito ao cuidado de saúde. Fransérgio comentou que “foi um desafio para os moradores das favelas garantirem as necessidades mínimas para se protegerem da pandemia, incluindo ter acesso alimentos e desinfetantes, porque o governo brasileiro não ofereceu nenhum apoio aos moradores das favelas durante a crise do COVID 19. Devido à pandemia, algumas pessoas nas favelas morreram de fome ”.

A violência intensificada da ocupação israelense e as práticas de apartheid durante a pandemia fizeram com que o sofrimento dos palestinos com a pandemia não fosse diferente do sofrimento das pessoas que moram nas favelas.  No entanto, em tempos difíceis e sombrios, a solidariedade mútua e os vínculos entre os povos oprimidos prosperam e crescem ainda mais. Por esse motivo, a WWW lançou uma exposição online intitulada “Walls in Times of Pandemic” (Muros em Tempos de Pandemia). A exposição inclui contribuições de muitos movimentos, inclusive dos movimentos de favelas, e compartilha as experiências do sofrimento das pessoas com a propagação da pandemia e com o número crescente de muros de repressão. Seu objetivo é fortalecer as redes entre essas pessoas e movimentos e por em diálogo as aspirações que buscam construir um #MundoSemMuros.

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