Por Thaís Cavalcante*/NPC

 

No início do século XX a região de Manguinhos, Zona Norte do Rio de Janeiro, foi escolhida para abrigar o Instituto Soroterápico Federal, inaugurado para fabricar soros e vacinas contra a peste bubônica. Esse instituto é hoje a Fundação Oswaldo Cruz. Durante este período de pandemia, a relação da comunidade com a Fundação e as organizações locais se manteve firme, o que tem sido muito importante para combater a doença e fortalecer ainda mais os moradores.

Se tem uma coisa que a pandemia mostrou, além do descaso e da incompetência do atual governo, foi bem a força e a vitalidade da organização popular. Incontáveis iniciativas mobilizadoras surgiram nas favelas, morros e comunidades buscando socorrer aqueles que se encontram em dificuldades para sobreviver depois que perderam sua renda por causa do isolamento social.

Esse movimento de solidariedade foi fundamental no Complexo de Manguinhos, que tem pouco mais de 36 mil moradores e é localizado na Zona Norte do Rio de Janeiro. Moradores, instituições, organizações e campanhas se lançaram na busca de soluções para diminuir o impacto negativo da pandemia na vida da comunidade.

Em março, quando a pandemia fez a sociedade entrar em quarentena, as dificuldades e necessidades dos moradores de Manguinhos, assim como em outras favelas cariocas, já começavam a se fazer sentir. Inicialmente trabalhadoras da Fiocruz que participavam de um grupo virtual se articularam para recolher dinheiro e comprar alimentos e produtos de higiene pessoal.

A iniciativa rendeu uma parceria com as lideranças locais femininas, que já tinham suas campanhas. Isso foi fundamental para o fortalecimento da campanha e para entender a necessidade dos moradores. Uma vaquinha coletiva deu retorno em menos de uma semana, e todos os itens comprados foram distribuídos para os moradores de Manguinhos.

Jussara Angelo, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) e uma das coordenadoras da ação Solidariedade em Manguinhos conta que a campanha foi toda pensada nas necessidades dos moradores: “Agora já entramos no ritmo, mas foi um período de aprendizado para todo mundo. Discutimos qual a melhor forma de distribuir, quais seriam os critérios para a entrega e as demandas que mudaram ao longo do tempo, como a necessidade de fraldas e frutas para o lanche das crianças, por exemplo”.

Voluntárias trabalham na distribuição de alimentos durante a pandemia da covid-19. Imagem Divulgação-NPC

Em quase quatro meses, a Campanha já distribuiu 6.659 itens. Entre eles: cestas básicas, kits de higiene e limpeza, entre outros. “Não se trata de uma ação de fraternidade. Nosso objetivo é garantir dignidade humana nesse momento de distanciamento social, que é a única estratégia capaz de reduzir a transmissão. Considerando que o contexto é difícil e a gente vive uma crise sanitária, a gente deseja que esse distanciamento seja feito com a garantia digna para toda a sociedade”, garante Jussara.

Manguinhos Solidário

Outra ação importante na comunidade é a Manguinhos Solidário, formada pela

Associação de Moradores do Mandela 1, grupo Fala Manguinhos, que inclui o Ballet Manguinhos e a Associação de Moradores do Mandela 2. “A gente nessa pandemia está passando por muitos problemas, mas, para a honra e glória do Senhor, eu quero agradecer a todos do projeto Manguinhos Solidário, que pôde nos ajudar com as máscaras maravilhosas, que puderam contemplar muitas famílias”, afirma Jaqueline de Paula,  presidente da Associação de Moradores.

Paloma Gomes, professora e uma das organizadoras da campanha Manguinhos Solidário, tem trabalhado incansavelmente não só na comunidade, mas também na articulação com outras favelas cariocas. “Não desistimos e seguimos firmes. Pessoas precisam de nossa ajuda. Sei que não resolveremos todos os problemas com cestas básicas, mas a urgência de sanar a fome das pessoas nesse período é agora e não podemos esperar”, conta.

A internet é hoje uma das principais ferramentas de comunicação de todos os projetos nas favelas; seja para divulgar, informar, ensinar ou até agradecer. André Lima, do Conselho Comunitário de Manguinhos continuou se comunicando com os moradores através de vídeos para pedir que não saíssem de casa sem necessidade. Já Gagi Silva, coordenadora do projeto As Minas da Bola, incentivou o compartilhamento da campanha e as doações pelas redes.

Fórum Social de Manguinhos e Mães de Manguinhos

O Fórum Social de Manguinhos reúne moradores e organizações, formando um movimento popular de favela, agindo em benefício da comunidade e apoiando seus moradores. Não seria diferente nesse momento de pandemia.  Juntos, o Fórum e o movimento Mães de Manguinhos, formado por mães da favela cujos filhos foram vítimas da violência policial, se uniram para arrecadar doações para as famílias da comunidade que vivem em maior situação de vulnerabilidade. Já foram distribuídos mais de 200 itens, como cestas básicas, água, álcool gel e máscaras.

De acordo com a atualização do Painel Covid-19 nas Favelas do jornal Voz das Comunidades (15/07), Manguinhos tinha 207 casos de moradores com coronavírus, 49 mortes e 176 recuperados. Esses números colocam a favela na sétima posição em relação às demais comunidades do Rio de janeiro em relação ao número de casos e mortalidade. Os casos continuam, e a luta popular também.


* Thaís Cavalcante faz parte da Rede de Comunicadores Populares do NPC.

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