CULTURAS
Recentemente fiquei dois meses na Amazônia brasileira, mais exatamente no Estado de Roraima onde vivi por 18 anos sempre trabalhando com e para os indígenas. Viajei sem alimentar qualquer tipo de expectativa: só queria experimentar se, tendo quase 72 anos e depois de 9 anos da anterior, era em condição de levar a cabo uma laboriosa viagem internacional. Aquilo que aconteceu foi bem além de qualquer possível expectativa.
Quando espalhou-se a notícia que estava na cidade, os meios de comunicação me envolveram em entrevistas para jornais, rádio, emissoras locais. O Instituto de Antropologia da Universidade Federal de Roraima organizou a apresentação de Yanomami para brasileiro ver. Escrito em português e generosamente imprimido na Itália em 1994 pela Comunidade de Capodarco de Fermo, é um livro etno-fotográfico que introduz à vida e cultura dos índios yanomami, e é dirigido aos estudantes. Aproveitando das viagens minhas e de minha mãe, no decorrer dos anos os livros foram levados ao Brasil. Dos 500 imprimidos, tinham ficado 60 exemplares que transferi durante a recente viagem. Os amigos tinham me ajudado a divulga-lo, porém o Instituto de Antropologia quis organizar, vamos dizer, a apresentação oficial; só que, quando chegou o dia estabelecido, só tinham ficado 12 exemplares. Em seguida, a editora da universidade manifestou a vontade de curar a reedição.
À apresentação do livro seguiu uma mesa redonda intitulada “Povo yanomami: desafios e perspectivas”. Do meu lado quis a presença do doutor Marcos Pellegrini, médico que operou longamente entre os yanomami. Eu reconstruí a dramática situação deste povo à época da construção da estrada Perimetral Norte (1974), quista pelos militares, quando várias comunidades foram dizimadas a causa das doenças introduzidas pelos operários da estrada. O doutor Marcos reconstruiu a não menos dramática situação enfrentada por esta etnia durante a maciça invasão de seu território por parte dos garimpeiros vindos de todo o Brasil (1987); invasão fomentada pelas oligarquias e políticos locais. O apelo final da mesa redonda foi que os indígenas não podem se salvar sozinhos, a sociedade civil deve envolvê-los em um grande abraço, eles precisam do apoio de aliados, amigos, simpatizantes; precisamos juntar esforços e lutar unidos.
O Insikiran é o curso universitário oferecido a estudantes indígenas. Ter sido convidada para proferir aula magna na abertura do semestre, obviamente tem me emocionado e lisonjeado muito. Antes de aceitar, porém, pus uma condição: do meu lado deveria estar o professor de etnia macuxi Inácio Brito. Devido às grandes distâncias, não foi fácil localizá-lo, mas conseguimos. Além de ser um amigo muito querido, Inácio levou uma ferida de arma de fogo na época da invasão do território makuxi por parte dos garimpeiros. Com a sua presença quis reafirmar aquilo que sempre sustentei e fiz durante os anos brasileiros: os indígenas precisam ter a palavra, vamos parar de falar por eles, vamos abrir espaços e oportunidades pelos quais sejam eles mesmos a se expressar, em primeira pessoa, sem intermediários. Quis também lembrar aos jovens que escutavam que é graças às lutas de seus velhos, muitos dos quais mortos assassinados, que hoje em dia podem frequentar a universidade.