MICRORELATO

 

 

Por Carlos Alfredo Soares*

Aqui da minha quarentena, vejo as goiabas caindo  do pé no final da estação. Na verdade, estação me lembra estacionado, parado, sem ação. Como as goiabas não recolhidas, desperdiçando seu perfume e sabor no chão. Também tenho energia demais pra fazer muitas coisas num sábado, início de outono e final do verão. Mas, estamos num momento de poupar forças para aumentar a chance de permanecer imune.

Sabe, já fiz muita coisa na vida, menos, ficar parado, esperando algo passar, sem me ver escondido dentro de casa. Meus vizinhos também estão escondidos, mas ninguém quer admitir isso. Eu mesmo, uso a desculpa que as autoridades, estão implorando, para gente ficar em casa com razão. Por mim, saía à rua, desafiando o trânsito, os sinais e os vírus. Afinal, eles sempre estiveram flutuando por aí. Quando eu imaginaria que um vírus me botaria embaixo da cama?

Me imporia um afastamento de você?

Quando pensaria ser eu mesmo o vetor da coisa?

Me sinto como um cavalo que leva sua montaria para onde ela desejar ir.

Confesso que tem sido bastante chato essa prisão sem grades. Espero que logo passe e que, em breve, possa sentir seu cheiro doce, beber da sua fonte e falar besteiras no seu ouvido.

Que a vida é breve eu sei.

Só não precisa ser chata.

Confesso que não tenho ido te ver por causa do risco de transmissão.

Se cuida aí e me aguarde com seu quimono azul cheio de flores vermelhas ou seria o contrário?

Bem, acho que você ainda não o usou.

Ainda há tempo… espero.

Fique bem!

Logo, logo, isso passa e a vida da gente volta ao normal.

Aí iremos reclamar de outras coisas, não é?

Aguardo sua resposta positiva numa missiva com letras redondas feito maçãs sobre a mesa.


* Jornalista, radialista, escritor. Teresopolitano radicalizado em Campos/RJ. Instagram: alfredosoares49
** Pintor, cartunista e ilustrador. Também é professor de desenho. Instagram