Existem hoje no Brasil cerca de 790 barragens de mineração. Só o estado de Minas Gerais têm cerca de 50 barragens consideradas de alto risco, sendo que 22 dessas barragens foram interditadas e 28 ainda estão em funcionamento. Minas Gerais carrega este nome devido a grande quantidade de riquezas minerais –nome que representa exatamente o campo minado composto de grandes empreendimentos predatórios dos recursos minerais. O estado foi palco das duas maiores tragédias minerárias no país e onde também surgiu a empresa Vale do Rio Doce, patrimônio dos mineiros que a partir de sua privatização em 1996, durante o primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, se transformou no pesadelo para a população de Minas Gerais, com o surgimento pós privatização da Vale S.A.
Após a privatização, a empresa passou a ter a visão ideológica do lucro acima de todos e foi a protagonista das duas maiores tragédias humanas e ambientais já registradas nos últimos tempos. Quando na tarde de 05 de novembro de 2015, na cidade histórica de Mariana, MG, a Barragem do Fundão se rompeu despejou cerca de 62 milhões de metros cúbicos de lama tóxica por onde passou, atingindo o Rio Doce e afetando cerca de 230 municípios de Minas Gerais e se estendendo até o Estado do Espírito Santo, onde alcançou o mar. A barragem pertence ao grupo de empresas Vale S.A., que é composto pela Anglo Australiana e BHP Billiton e controlada pela empresa Samarco Mineração S.A. Ambas empresas fazem parte do conjunto Vale S.A. e BHP Billiton. Os danos foram além da vida humana, destruiu e afetou todo um ecossistema desde o solo a vida aquática, a fauna e flora por todo o percurso atingido pela contaminação da lama tóxica.
Os subdistritos de Bento Rodrigues, que se localiza a cerca de 2,5 quilômetros vale abaixo, e Paracatu de Baixo, foram quase completamente inundados e destruídos pela enxurrada de lama. Centenas de famílias perderam suas casas, e até hoje quase 5 anos após a tragédia, os atingidos pela mineração ainda lutam por seus direitos e pela retomada da vida. Toda a cultura dos povoados atingidos desceu juntamente com lama, deixando um rastro de destruição e mantendo a contaminação por metais pesados no solo, o que traz os mais variados danos à saúde de quem ainda sobrevive nas áreas atingidas e que convivem com a poeira. A presença da lama hoje camuflada por uma camada verde insiste em resistir e luta para se refazer, mostrando como a resiliência não somente do povo que ali vive, mas, sobretudo a resiliência suprema da natureza diante os desmontes dos grandes empreendimentos predatórios das Minas Gerais, permanece.
Desde então, diante a comoção pela gravidade do ocorrido em Mariana, houve uma mobilização para implantação do projeto de Lei Mar de Lama Nunca Mais, ambientalistas, ativistas, alguns deputados e sociedade civil, uniram forças para proposta de melhorar as práticas de grandes empreendimentos minerários, o que não foi o suficiente para evitar mais uma catástrofe no ano de 2019.
Às 12 horas e 28 minutos do dia 25 de janeiro de 2019, todos voltaram a atenção diante o rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão na cidade de Brumadinho também no estado de Minas Gerais.
Tendo novamente como protagonista um cenário desolador, caótico e perverso a empresa Vale S.A., ganha novo destaque. Desta vez, a abrangência de destruição se fez mais marcante, tendo ceifado 272 vidas humanas de forma direta e um número ainda não calculado de vítimas pelos danos emocionais, devido ao crescimento de suicídios. Nessa tragédia, foram derramados cerca de 13 milhões de metros cúbicos de rejeitos e teve cerca de 269,84 hectares de vegetação destruída, além de mais um rio morto, o Rio Paraopeba, em seus mais de 300 Km de extensão, foi inundado pela lama.
O Município de Brumadinho, tipicamente interiorano, com seus cerca de 45 mil habitantes sofre com a visão do lucro acima de tudo e todos pelo exercício das atividades dos grandes empreendimentos minerários.
Mais uma vez, repetindo o cenário anterior da luta dos ativistas, ambientalistas e comunidade, vemos a discrepância de aplicabilidade do direito diante a tragédias de magnitudes significativas para a comunidade, meio ambiente e sociedade como um todo.
Hoje, pouco mais de um ano após a tragédia crime da empresa reincidente Vale S.A, permanece a luta para que o estado de Minas Gerais não permaneça como campo minado de grandes empreendimentos que geram grandes prejuízos, e o cenário de luta é sempre o mesmo.
As ações da empresa Vale S.A., para evitar punições severas e prejuízos aos seus investidores, parte da tentativa de inviabilizar o andamento célere das Instituições de Justiça, dos grupos da sociedade civil e da própria imprensa, utilizando-se da técnica do silenciamento e invisibilidade de lideranças, que é ardilosamente articulada para que sua imagem seja mantida, tendo como pilar principal para seus grandes acionistas internacionais, o “Respeito pela Vida”, resta-nos saber, pela vida de quem.
A dramática realidade dos povos tradicionais das regiões que sofrem com a exploração das terras em busca dos bens minerais, causa abafamento do estilo de vida e toda a história contida destes povos, a mudança da paisagem e rotina são sufocadas pela grande movimentação de caminhões, carros e funcionários de empresas terceirizadas, e aos poucos as típicas cidades interioranas tornam-se grandes canteiros de obras.
Os impactos afetam o fornecimento de recursos hídricos de grandes centros urbanos como a capital do estado de Minas Gerais, a cidade de Belo Horizonte, que hoje passa pela realidade de um possível colapso hídrico devido aos rompimentos de barragens em Mariana e Brumadinho e possíveis novos rompimentos, bem como pelas outorgas cedidas para a operação minerária arcaica desenvolvida pelos grandes empreendimentos.
O rompimento de uma barragem é uma verdadeira tragédia e tem como premissa a negligência de empresas que priorizam seus lucros e governantes que não fiscalizam e fazem vista grossa. E as consequências não são sentidas apenas na região, população ou cidade afetada, mas é sentida por toda uma nação e é nosso dever trazer a reflexão de co-responsabilidade dando voz a todos que denunciam e que cobram por mudanças e a aplicabilidade de leis ambientais mais rigorosas. Precisamos refletir também sobre o quanto Vale uma vida, qual a importância do lucro frente a vidas humanas e principalmente dar força a ações de solidariedade diante dessas grandes tragédias, para com a luta pelos direitos e principalmente pela não repetição desses atos.
Ainda há muitas questões em aberto a serem respondidas como qual será a Rota de Fuga necessária para uma ampla discussão e mudanças de práticas da exploração mineral predatória? Como os povos atingidos pelas grandes tragédias de grandes empreendimentos podem se fortalecer? Como vencer a barreira do silenciamento, e ter centenas de metros cúbicos de vozes pela luta de seus direitos? E todas essas perguntas devem ser levadas em conta. Quando teremos órgãos licenciadores aptos e fortes a operar de forma rigorosa, frente aos licenciamentos que permitem não somente a exploração do solo, mas que ao ser cedido, dita sobre a vida do entorno deste lugar, de culturas, tradições e povos inteiros.
Eu só sei que o lucro não Vale uma vida, a vida não se vale pelo lucro, as grandes tragédias não podem ser esquecidas e resumidas em matérias de jornais apenas, e novos marcos em defesa à vida devem ser criados, implantados e cobrados.