CULTURAS
Dia 10 de maio de 2020 nasceu o Caderno de Cultura de Pressenza – Agência Internacional de Notícias, com quem colaboro faz alguns anos. A boa nova me foi dada acompanhada pelo convite a participar do projeto cultural; coisa que me alegrou e logo empolgou pois, no meu entender, quando estamos almejando mudanças sociais, arte e poesia são bem mais eficazes que a mera política. Eis-me aqui então com vocês, queridos leitores de língua portuguesa.
Num dos primeiros artigos do Caderno, intitulado “Editorial”, se fala de “expressões da cultura de matiz africana; dos trabalhadores da cultura que nos precederam contribuindo com a identidade de um povo com talento para a alegria e a diversidade; dos que forçaram o exílio de tanta gente boa e competente da educação, das artes, das ciências, ou seja que forçaram a fuga, tão conveniente aos regimes autoritários, de cérebros e corações”. A partir dessas considerações é natural para mim, que com eles atuei durante dezoito anos, direcionar luzes e atenções sobre os povos indígenas brasileiros.
Os escravos africanos contaram com a generosidade e cumplicidade dos indígenas, que os ajudaram a aproveitar-se dos recursos oferecidos por um habitat a eles desconhecido, assim que puderam sobreviver e se reproduzir. Tanta gente boa e competente conseguiu deixar o Brasil na época da ditadura militar; quem não pôde fugir foram os indígenas que, inclusive, nessa feroz temporada, quase chegaram ao extermínio. Os que nos precederam contribuíram a definir a identidade nacional, sejam eles portugueses, italianos, alemães; porém, precisamos deixar claro que a diversidade brasileira finca suas raízes nos povos indígenas que ocupavam o território bem antes dos europeus o invadirem (e não “descobrirem”).
Há mais de quinhentos anos os indígenas lutam pela sobrevivência física e cultural. Ativa e criativa foi a participação de líderes indígenas, e seus aliados, na elaboração da Constituição de 1988. Nela foram introduzidos dispositivos favoráveis às etnias, reconhecendo seus direitos à terra e à diversidade cultural. Deixando de querer “emancipar”, “aculturar” os indígenas, o Estado brasileiro afirmou e oficializou sua natureza multiétnica. A demarcação de várias terras tem gerado tranquilidade e estabilidade social para muitos grupos indígenas e, consequentemente, teve avanços nas áreas da educação, saúde, cultura, desenvolvimento sustentável. A informação mais animadora é que os 220.000 índios dos quais se falava no começo dos anos noventa, têm se transformado em 900.000 indivíduos.
Os indígenas se tornaram professores e agentes de saúde em suas comunidades, vigiantes de seus próprios territórios, estudantes em universidades, advogados e jornalistas, graduados e doutores em Educação, Antropologia, História, pós-graduados em Linguística. Os líderes, entre os quais sobressaem muitas intrépidas mulheres, percorrem o mundo para manter viva a atenção sobre conjuntura e direitos. São diretores cinematográficos, apresentadores de rádio online, artistas plásticos, cantores e rapper afirmados. Incansáveis são os escritores, que organizam cursos de formação para educadores e alunos brancos, apresentação de livros, conferências, debates. Em nível político temos vereadores de várias etnias, um prefeito ashaninka, a primeira deputada federal indígena, a advogada Joênia Wapichana.
Se tivéssemos a humildade de escutá-los, entenderíamos que os indígenas não querem ser considerados seres do passado, nem figuras românticas ou folclóricas. Eles resistem, existem, são nossos contemporâneos, muito têm a dizer aos que transformaram a terra numa lixeira espantosa e tóxica. Graças também à formação acadêmica à qual tem acesso um número sempre maior de indígenas, nada e ninguém pode mais deter seu protagonismo em todos os setores da vida da República Federativa do Brasil e da sociedade brasileira. Os pensadores, escritores e artistas das varias etnias estão reconstruindo a identidade nacional, pois sem os indígenas o Brasil não existe.