Por Joana Rozowykwiat/Desacato
Aos mortos da pandemia são negadas as cerimônias fúnebres. Os que ficam são privados de direito de se despedir como é costume. Vivem o luto de outra forma.
No ano passado, Dona Elzita Santa Cruz despediu-se da vida, aos 105 anos, sem poder velar o corpo de seu filho, Fernando Santa Cruz. As famílias de outros 433 desaparecidos políticos, vítimas da ditadura militar, também tiveram esse direito negado.
Nesta terça, em meio a uma pandemia, o país completa 25 dias sem ministro da saúde. No lugar de bons gestores, médicos, técnicos, especialistas em saúde pública, temos na pasta militares. Já são 25 deles na linha de frente do combate(?) à maior crise sanitária de nossa história.
A Covid-19 já matou cerca de 37 mil pessoas aqui. Na semana passada, cruzamos a terrível marca de um óbito por minuto. O presidente se omite de governar e aposta em remédios exóticos – e perigosos –, que vão da campanha contra o distanciamento social, até a utilização da cloroquina. E parece que o enxofre pode entrar na sua lista. Certamente já estamos no inferno.
Bolsonaro investe também na desinformação. Resolveu restringir o acesso aos dados oficiais e oferecer informações conflitantes. O apagão de dados joga contra a ciência e a saúde pública, impede o controle social, pode conduzir gestores ao erro. E tem um significado muito doloroso para o país.
Aos mortos da pandemia são negadas as cerimônias fúnebres. Os que ficam são privados de direito de se despedir como é costume. Vivem o luto de outra forma. Os mortos da pandemia fazem sofrer seus parentes, amigos, colegas de trabalho, médicos, enfermeiros. Eles existem, assim como a dor da perda. Os mortos da pandemia têm o direito de constar nos dados. E todo mundo tem o direito de saber que morreram.
Eles não podem esconder os corpos outra vez. Eles, com novas táticas, mas, de novo, os velhos hábitos.