Por Fernanda Perdigão

25 de junho de 2020, a cidade de Brumadinho no estado de Minas Gerais, relembra os 517 dias após o Rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão da empresa Vale S.A., já são 12.408 horas em que as famílias de 11 vítimas ainda desaparecidas na lama de rejeitos da mineração continuam sofrendo com a perda e o luto incompleto, e as 261 famílias que já enterraram seus entes sentem esse luto junto a dor do sentimento de injustiça, pois, não houve punição às 13 pessoas indiciadas por homicídio doloso duplamente qualificado pelo Ministério Público de Minas Gerais, pelas 272 mortes e que respondem em liberdade.

Números, foi o que todas estas vidas humanas e seus familiares se transformaram para vários noticiários e jornais, porém, estes mesmos familiares que se transformaram nesses números, se reúnem sempre para homenagear essas inúmeras vidas que para eles tem rostos, tem apelidos e tem história.

Além das famílias destas 272 vidas, o município de Brumadinho devido a tragédia crime, colhe outros ônus do rejeito do minério. Os vários setores econômicos afetados pela tragédia crime, como a agricultura, que após o rompimento e as análises de metais pesados realizados no mesmo mês do rompimento, já apresentavam níveis altíssimos desses materiais e imprópria para consumo, os mesmos resultados se apresentaram 1 ano após o rompimento, segundo estudos realizados pelo SOS Mata Atlântica o que trouxe a imagem de que os produtos de origem em Brumadinho estão contaminados, mesmo os produtores rurais com suas produções em áreas mais distantes do leito do Rio Paraopeba, enfrentam este medo dos consumidores.

Podemos citar que o município de Brumadinho tem uma extensão territorial de 639.434 Km², e muitos destes produtores sequer utilizam a água de nascentes próximas do Rio Paraopeba. Alguns agricultores estão cerca de 28 Km de distância do leito do rio e mesmo assim carregam por parte dos consumidores o medo e a desconfiança de consumo sobre seus produtos, o que os leva a dizer que “Carregamos as letras escarlate da Vale S.A.”, simbolizando que a empresa é referência de contaminação e perda da sua produção, o vermelho do minério e do sangue derramado por ele como classificação de qualidade de seus produtos.

Ainda sobre a agricultura, alguns produtores rurais estão sem nenhum tipo de indenização ou suporte da empresa ré Vale S.A., muitos destes estão com dívidas e sem nenhuma perspectiva de futuro para a retomada de suas atividades. Não existem análises de áreas externas ao epicentro do rompimento, o que poderia trazer a possibilidade de retomada das atividades com certificação de procedência, todas as tentativas dos grupos de agricultores junto às instituições de justiça não tiveram nenhum êxito ou andamento da pauta na 6° Vara de Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte e que não movimentou nenhuma decisão favorável ao setor rural.

Foto Mídia Ninja

Dos agricultores podemos citar o mesmo medo dos comerciantes e donos de pousadas do setor do turismo que presenciam o desmonte do seu negócio e seus clientes  com medo de se contaminar ou de estarem próximos caso haja algum rompimento de barragem. Brumadinho já não é mais visto como ponto turístico e os turistas que antes lotavam as pousadas, restaurantes e comércios, desde a tragédia, só fazem desviar a sua rota ao visitar o estado.

Este medo se atribui ao fato que o município de Brumadinho convive com 7 das 46 barragens com elevada probabilidade de ruir, segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM).

Os proprietários de pousadas recebem de possíveis clientes um interrogatório de perguntas, “Tem alguma barragem próxima à pousada?”, “Vocês têm as análises de água da pousada?”, “A pousada está próxima ao local da tragédia?”, perguntas frequentemente recebidas pelos empresários do turismo, seja pousada, restaurante ou centros de terapias holísticas.

Mas, este medo não pode se aplicar aos funcionários terceirizados contratados pela empresa ré Vale S.A. para obras de recuperação e outros serviços, pois estes funcionários e suas respectivas empresas causaram o colapso no setor imobiliário, buscando os imóveis disponíveis na região para alocar os cerca de 7 mil funcionários contratados, trazendo para a região uma superlotação na cidade que de interiorana já não guarda quase nada.

O trânsito, a falta de trabalho e o aumento significativo de movimentação no centro da cidade, de pessoas estranhas que circulam quase que 24 horas nas principais vias. Aumento do índice de criminalidade, o superfaturamento de produtos, literalmente um gigantesco canteiro de obras com mão de obra externa. Mas, mais que números, prejuízos dos mais variados, medos e superlotação da cidade, hoje, todo o município carrega a saudade, saudade das vítimas diretas do rejeito da mineração, saudade da identidade do local que os Brumadinenses não reconhecem mais.

Foto Mídia Ninja

A falta de aplicação dos direitos, de indenizações aos vários setores econômicos impactados, a demora na punição aos culpados, a mudança na paisagem, no movimento da região, na identidade do local, os 45 mil habitantes não reconhecem mais sua cidade, isso com toda a gravidade da tragédia crime, gerou aumento significativo nas doenças emocionais, o consumo público de ansiolíticos aumentou 79%, o de antidepressivos subiu 56% e o de medicamentos em geral ampliou 233% segundo a prefeitura local.

São, 17 meses, equivalentes à 20 semanas, sendo 517 dias, totalizando 12.408 horas de luto, de luta, de dor, de resiliência, de transtornos, de bravura e de lágrimas, de cerca de 45 mil habitantes de um território vítima da prática minerária da empresa Ré Vale S.A.


Fernanda Perdigão é Humanista, Atingida pela mineração, Ativista, Ambientalista, Defensora de direitos humanos, Empreendedora Social. nanapoliveira@gmail.com