OLHARES

 

 

Por Eduardo Alves¹, intelectual orgânico da periferia

Nos tempos atuais, ler um livro é tão fácil quanto encontrar as famosas fake news. Há livros de todos os gostos e de múltiplas áreas do saber, disponíveis na tal da internet. Um livro pode convidar você a viajar no tempo e nas narrativas ou a penetrar no universo científico em busca do verdadeiro. Sócrates pagou com a própria vida, no enfrentamento aos Sofistas, defendendo a verdade e o movimento em busca do conhecimento. Como estamos no tempo das dúvidas, tudo o que é “neo” aparece nesse momento. Mas, vejam: nada precisa ser tão novo ou contemporâneo, quanto parece, para ser importante. Ler livros pode ser fundamental quando a sua escolha é realizada a partir de seu lugar como sujeito de transformação do mundo e, neste sentido, escolha sempre as leituras a partir do seu lugar de organização, para que este diálogo potencialize a sua energia vital, no sentido de ampliar e aprofundar a sua potência humana e criativa sob a luz do conhecimento!

A apropriação de narrativas, em compromisso com a verdade, nos coloca de frente com os sofistas que tomam conta do mundo. O momento no qual vivemos, o como se fala se tornou mais importante do que o que se fala. É a forma em detrimento do conteúdo! E tudo vai se encaixando, pois, nesta metamorfose, até o atual presidente pode decidir que um remédio, sem as devidas comprovações científicas, poderia curar uma doença, que espreita com a foice da morte, nas esquinas, afetando principalmente, as pessoas mais sacrificadas pelas opressões e controles dos quais o Estado é o principal organizador: Este é o Brasil, seguindo de mãos dadas com a exploração e o racismo transformando a humanidade em coisas, mercadorias sem valor.

O objeto que mobiliza essas letras é justamente o conhecimento, suas diferenças e importâncias no mundo. Afinal, em pleno percurso da pandemia, é possível saber – e se torna evidente – a importância do conhecimento científico, por exemplo. Nada para além da mentira e da inverdade poderiam sustentar a insistência na produção e venda de tanta medicação que não serviria para qualquer coisa, além do lucro. Mas a frase já por demais conhecida e repetida em todos os meios progressistas, sejam os de esquerda, centro-esquerda, ou seus equivalentes, está mais do que atual: a vida está acima do lucro! Como é possível pisar numa terra arada pelo choro dilacerado da mãe de Miguel?

Nas chamadas ciências humanas o conhecimento é ainda mais complexo e se mistura aos bons tratos das palavras. Já nas ciências naturais é um pouco mais difícil, pois, pode-se até fazer poesias que ressaltem o que os olhos enxergam, como a luz da lua, mas sabemos, por meio do acesso ao conhecimento científico, que a luz é do sol. O conhecimento científico faz diferença para o homo sapiens na vida socio-histórica e, portanto, o acesso ao conhecimento historicamente acumulado na ciência é fundamental para uma vida além dos sentidos e comprometida com a construção do verdadeiro.

E o que nos cabe nesse momento? Primeiro lembrar que precisamos seguir vivos e, para isso, faz-se necessário ampliar forças para cobrar do Estado ações que defendam a vida, a ciência e a verdade. E, ao mesmo tempo, organizar a multidão da qual fazemos parte. Quem somos nós? Nós somos todas as pessoas que vivem da venda de sua força de trabalho. Capitalismo tardio, neocolonialismo, imperialismo decrépito, seja como for, nos seus variados termos e temas, o desafio que está colocado para esse momento é fazer com que o Estado tenha muitas frestas públicas que defendam a vida, que abracem uma cidadania ativa e que não seja obstáculo para o desenvolvimento e a potência dos sujeitos.

Mas, tudo bem. Considerando que o conhecimento é relativo e histórico, no tempo digital, este em especial, em que as pessoas não podem se encontrar, se abraçar e dar conta de seus afazeres sem máscaras, precisamos caminhar em busca da proximidade com a verdade objetiva, navegar dentre os lugares já conhecidos e aqueles ainda a conhecer. Nesse tempo, ler um livro é tão importante quanto as belas lives musicais e de poesias. É preciso, no entanto, estar atento que o objetivo da leitura, não se reduz ou limita à diversão e à informação. Deve ser, sobretudo, a terra da formação e da transformação do próprio sujeito que lê.

E são exatamente as mulheres e os homens que sofrem o peso decrépito do racismo, da exploração e das diversas desigualdades, aquelas e aqueles que podem converter a maioria social em maioria também política. Movimento esse, que exige mais do que ganhar eleições, muito mais! Exige ler um livro. E ler outro. E outro. E, nesta construção coletiva, sabermos, juntos, as fontes assertivas para estudar, conhecer, organizar e humanizar as relações, numa convivência que seja potente para as ações de transformação para um mundo em que, ao menos, a vida seja mais importante do que o lucro.


¹ Nasceu na periferia da cidade do Rio de Janeiro e desde os 14 anos atua em ações democráticas. Fez parte da Teologia da Libertação e atua com formação política desde os 18 anos, em partidos de esquerda, movimentos sociais e organizações da sociedade civil. Cursou Ciências Econômicas na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi da direção do Observatório de Favelas, coordenador da ESPOCC – Escola Popular de Comunicação Crítica – e colaborador do IMJA-Instituto Maria e João Aleixo – desde a sua fundação. Nos dias atuais é colaborador e organizador do IPAD e identifica-se como intelectual orgânico da periferia.