RESIDÊNCIA ARTISTICA
Em meio a um cenário de incerteza, durante a pandemia de Covid-19, a Casa da Escada Colorida convidou Roberta Ristow, criadora de conteúdo, consultora e jornalista colaboradora da Vogue, para conversar sobre as iniciativas inovadoras e a adaptação do mercado da arte aos novos tempos. Participaram da conversa remota, os gestores do espaço, Rachel Balassiano, Camila Pinho e Bruno Girardi, assim como os residentes Gabriela Noujaim, Raphael Couto, Clara Machado, Pedro Carneiro, Cibele Nogueira, Inês Nin.
Casa da Escada: – Roberta, obrigada por aceitar o nosso convite. Poderia nos contar como foi a sua transição de executiva na área de Publishing para a arte?
Roberta Ristow: – Obrigada pelo convite, é um prazer conversar com vocês. A arte faz parte da minha vida há muito tempo, minha primeira faculdade foi design de moda, lá tive a oportunidade de começar a ter contato com a área. Durante os anos em que trabalhei na Editora Globo em São Paulo, onde por nove anos dirigi o departamento de Branded Content, comecei a estudar arte contemporânea e a frequentar com assiduidade aberturas de exposições e feiras. A minha relação com a arte foi se tornando algo cada vez mais forte. Quando saí da Globo, no final de 2016, decidi que faria uma especialização em Art Management na Sotheby’s Institute of Art em Londres, para onde me mudei em 2017 e morei durante dois anos. Neste tempo, comecei a escrever para a Vogue Brasil sobre arte e trabalhei em diversas iniciativas relacionadas ao mercado londrino. Desde outubro de 2019 vivo em Lisboa, onde desenvolvo projetos relacionados à arte, cultura e lifestyle.
– Lembro quando visitou a Casa da Escada em 2017 – na ocasião a primeira ocupação ainda era um sonho distante e a casa estava em ruínas. Queríamos trazê-la para o projeto mas estava de mudança para Londres. Curiosamente, a pandemia nos aproximou digitalmente. Gostaríamos de conhecer a sua visão sobre as iniciativas de inovação no mundo da arte em relação a pandemia de Covid-19.
– Acredito que a pandemia acelerou uma série de mudanças em todos os setores. A arte está sendo impactada, claro, mas não existe um único caminho. Vejo muitas iniciativas inovadoras sendo experimentadas por diferentes nichos e, na minha opinião, agora é a hora de testar. Mudar no setor da arte é algo delicado e a estratégia deve ser pensada caso a caso. Tudo depende do perfil, da capacidade de investimento e das necessidades de cada um.
– Por que acha que no setor da arte essas mudanças têm sido mais lentas?
– Como citei anteriormente, o mercado da arte é bastante particular. Não existe uma fórmula pronta e as informações em geral não são transparentes. É um setor tradicionalmente fechado, que obedece a uma série de regras invisíveis que são conhecidas apenas por quem dele faz parte. Se isso vai mudar? Haverá uma maior transparência no mercado depois que tudo passar? Acredito que sim. Iniciativas como a plataforma Artsy tendem a crescer e ter cada vez mais importância. Se antes as galerias podiam se dar ao luxo de não ter uma presença digital relevante, hoje já não é mais assim, mas precisam agir de acordo com o perfil do seu negócio e entender como o digital pode trazer relevância e gerar resultados.
– Poderia destacar alguma iniciativa digital pré-pandemia que tenha dado resultado?
– A David Zwirner investe substancialmente no mundo digital e os resultados têm sido bastante animadores. Ano passado, a galeria lançou o seu viewing room durante a Art Basel, que aconteceu em junho de 2019, com uma apresentação paralela, onde 20 trabalhos estavam disponíveis apenas online e várias obras foram feitas especialmente para o ambiente digital. Nos dois primeiros dias, que coincidiram com a abertura da feira, a galeria teve US$3,3 milhões em venda. Desde 2017, a David Zwirner vem fazendo um trabalho consistente no digital. Em 2018, teve um aumento de 200% em vendas online, sendo que 10 dos trabalhos mais caros foram vendidos para cidades onde a galeria não tem espaço físico e 52% dos contatos foram feitos por novos clientes. Esses dados falam muito sobre o potencial ainda inexplorado que o digital representa para a o mercado da arte. Para 2020, antes do covid-19 aparecer, eles já haviam planejado fazer 30 exposições virtuais.
– Alguma iniciativa de aproximação entre galerias e espaços culturais, artista e público, em formato alternativo que gostaria de destacar?
– Existem muitas iniciativas interessantes acontecendo hoje, principalmente por causa da pandemia. Gostaria de destacar um projeto que considero extremamente relevante nesse momento: o Quarantine. Uso as palavras dos idealizadores para explicar: é uma espécie de cooperativa de artistas do Brasil, em que todos os trabalhos têm o mesmo preço e o que for vendido tem seu valor repartido entre xs participantes. As obras criadas pelo Quarantine – que conta com artistas como Marilá Dardot, Marcelo Cidade e Dora Longo Bahia, entre tantos outros – foram realizadas em suportes pensados para serem enviados digitalmente e executados pelos compradores em condições de quarentena. Para mim, um projeto assim, que ainda cria uma cota extra para apoiar às pessoas trans afetadas pelo Covid-19 (veja mais informações no site deles) é o que a arte deve ser, principalmente agora. Fala de comunidade, de colaboração, de criação, de inovação – da arte na sua essência – que tantas vezes é esquecida.
– E em relação a mudança de hábitos dos artistas, algo muda?
– A tendência é que o isolamento social e os novos hábitos nos levem a repensar muita coisa, com os artistas, não é diferente. A nossa forma de comunicação está sendo profundamente alterada com a pandemia. Quem não usa os meios digitais para se comunicar, precisa rever os conceitos e se adaptar à nova realidade. Não digo que os artistas tenham que se forçar a agir de uma forma que não concordem ou que vá contra o que consideram certo, nem os artistas nem ninguém, claro. Mas é preciso aprender a enxergar as oportunidades do momento e criar um posicionamento de acordo com o perfil de cada um. Não fazer nada, é correr o risco de desaparecer. É um momento complexo para todos, nunca estivemos tão isolados e conectados ao mesmo tempo. É preciso lembrar que hoje em dia, todos estão ao alcance (relativo claro, mas não impossível) de DM pelo Instagram ou uma mensagem via e-mail. Quem não é a hora de abordar aquele curador incrível que o artista sempre quis trocar uma ideia?